28/03/2024 - Edição 540

Entrevista

Associações de moradores são fruto das dificuldades

Publicado em 12/12/2014 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

O advogado José Gondim dos Santos atua no movimento de bairro desde 2004, quando foi eleito presidente da Associação de Moradores da Vila Popular em Campo Grande (MS). Hoje, em seu segundo mandato como presidente da União Municipal das Associações de Moradores (UNAM) ele representa 312 entidades do movimento. Nesta entrevista, Gondim fala dos desafios do movimento de moradores e aponta um desequilíbrio na participação popular nos bairros menos privilegiados e naqueles onde o patamar econômico é mais alto.

 

Por Victor Barone

No dia 10 de junho a Câmara Municipal de Campo grande aprovou o Projeto de Lei nº 7.727/14, autorizando o Poder Executivo a criar a Secretaria Municipal de Ação Comunitária. O prefeito Gilmar Olarte optou por criar uma coordenadoria. Qual o objetivo deste projeto e porque uma secretaria?

Muitas vezes o líder comunitário tem dificuldades de estabelecer uma ligação direta com o poder público. Esta secretaria poderia encaminhar estas reivindicações de forma mais rápida. Hoje nós temos a coordenadoria, mas com a secretaria as coisas poderiam andar mais rápido ainda, com orçamento próprio, etc. A lei foi aprovada e depende da Prefeitura colocar no orçamento de 2015 ou 2016.

O papel de ligação entre a comunidade e o executivo já não é exercido pela Câmara Municipal?

De forma alguma. Não se trata disso. A secretaria estaria atendendo diretamente as lideranças comunitárias em suas reivindicações, inclusive com recursos próprios. A Câmara cumpre seu papel fiscalizador e legislativo. Uma coisa não exclui a outra.

O movimento comunitário cresceu bastante nos últimos anos em Mato Grosso do Sul. A que se deve este isso?

O movimento comunitário tem uma importância muito grande no país. Em Campo Grande as associações de moradores se fortaleceram paulatinamente até que em 1983 surgiu a UNAM, que hoje tem um papel muito importante no miunicípio. São 312 filiados, entre associações de moradores, clubes de mães e associações desportivas, representando cerca de 600 mil campo-grandenses. Muitas decisões são tomadas hoje em conselhos regionais compostos por lideranças comunitárias, presidentes de bairro e clubes de mães, associações de classe e conselhos de saúde. Esta participação, esta representatividade, portanto, são vitais.

A partir das dificuldades as pessoas se organizam formando as associações. Esta é a origem das associações. Onde não tem problema não existem associações de moradores.

Qual o processo de criação das associações de moradores?

Normalmente, elas são criadas nos momentos de crise. Quando há problemas na região e reivindicações por parte dos moradores. Elas surgem para dar uma resposta a isso. Via de regra, as grandes melhorias que surgem nos bairros são fruto do trabalho das associações que unem as pessoas em prol do bem comum. A partir das dificuldades as pessoas se organizam formando as associações. Esta é a origem das associações. Onde não tem problema não existem associações de moradores. Você pega, por exemplo, os bairros de classe média alta de Campo Grande, eles não têm associações de moradores.

As associações então são fruto das dificuldades…

Sim. Normalmente, nestes bairros com mais estrutura, as pessoas não dependem do poder público. Então, raramente se organizam.

Todos dependem do poder público de alguma forma. Não faltaria iniciativa a estas pessoas?

Elas não têm interesse. E é um equivoco, pois elas têm outras necessidades que poderiam ser sanadas com participação popular. Na periferia as associações são mais fortes.

A associação de moradores é o primeiro passo para o protagonismo da cidadania e, ainda assim, nos bairros mais privilegiados, onde teoricamente haveria um nível cultural mais elevado, as pessoas têm uma participação tímida. É um contrassenso.

Sim. Existem canais de participação com as associações de moradores, com os conselhos regionais, no conselho municipal de desenvolvimento urbano, conselhos de saúde. São locais onde se pode discutir a sociedade, mas onde a participação é restrita. Nos conselhos regionais, normalmente, a participação é restrita as lideranças de bairro. A população deveria estar presente, deveria participar mais ativamente de sua associação de bairro. Só assim se fortalece a participação popular.

Há uma tendência do poder politico de tentar cooptar os movimentos sociais, inclusive o de moradores. Como o senhor se relaciona com isso?

Este é um trabalho voluntário. As pessoas dão um pouco de seu tempo com a intenção de ajudar o próximo. Em alguns casos isso até acontece, mas é raro. Cerca de 90% das pessoas que atuam no movimento de moradores são voluntárias.

A população deveria estar presente, deveria participar mais ativamente de sua associação de bairro. Só assim se fortalece a participação popular.

Mas é comum observar nas Prefeituras, nas Câmaras, pessoas oriundas do movimento comunitário com cargos, com uma ligação política, atreladas ao poder. Isso não compromete o movimento?

Acho que o líder comunitário tem que ter muito cuidado neste ponto. Ele é um funcionário dos moradores do bairro. Um funcionário não remunerado. Tem que cuidar para não defender os interesses dos políticos no lugar dos interesses do povo.

É um desafio…

Sim, é um desafio. É um trabalho voluntário, mas muitas vezes as pessoas são convidadas a fazer parte de um gabinete, a ter um retorno financeiro. Mas, a maioria trabalha voluntariamente, sem vínculo politico. Se você fizer um levantamento, vai ver que são muito poucos os membros do movimento de moradores ligados a gabinetes.

Mas, há um estereótipo neste sentido.

Sim. Mas isso representa uma minoria. Se você for a uma reunião de conselhos regionais, vai ver que a atuação do líder comunitário é independente. É claro que alguns têm ligação politica, mas isso não influencia nas demandas das comunidades.

Nos bairros há grandes disputas pelas associações. Qual a motivação dessas disputas se o trabalho é voluntário?

Na maioria dos locais, especialmente onde há muitas demandas, as lideranças florescem. Cada um pensa de um jeito. Esta divergência faz com que surjam chapas. Não é interesse econômico. Elas não têm recursos (as associações de moradores). O presidente faz um trabalho voluntario.

As associações dotadas de centros comunitários conseguem estabelecer parcerias com a Fiems, a Funsat e Ongs levando diversos cursos para a comunidade.

Hoje há uma bancada de líderes comunitários na Câmara Municipal de Campo Grande. Os vereadores Carlão, Chiquinho Telles, Coringa, Delei Pinheiro e Eduardo Romero são oriundos do movimento. Esta é uma tendência?

É natural. O movimento comunitário foi se organizando, pessoas foram fazendo um bom trabalho e foram alçadas à Câmara. Acho que isso vai se fortalecer nas próximas eleições.

Quais são os maiores problemas enfrentados hoje pelas as associações de moradores em Campo Grande?

Uma das maiores dificuldades é a falta de recursos. Não temos recursos públicos. No entanto, o poder público poderia ajudar mais com a ampliação da rede de centros comunitários, para que as associações pudessem desenvolver um trabalho maior. As associações dotadas de centros comunitários conseguem estabelecer parcerias com a Fiems, a Funsat e Ongs levando diversos cursos para a comunidade.

Qual a demanda por centros comunitários em Campo Grande?

Entre nossos 312 filiados, 72 possuem centros comunitários. O ideal seria que cada associação tivesse o seu. Mas, se forem construídos polos, centros que servissem a três ou quatro associações, isso já seria muito bom.

AUMAM ajuda na formação de associações de moradores?

Sim. Para isso os interessados devem procurar a UMAM na Rua Don Aquino, 1354, sala 32. Nossos telefones são 3042-6790, 3042-8118 ou 9102-1914. Lá temos uma estrutura para assessor as associações de moradores e qualificar as lideranças.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *