24/04/2024 - Edição 540

Brasil

Com alta de 6% nos assassinatos no primeiro semestre de 2020, governo zera imposto de importação de revólveres e pistolas

Publicado em 10/12/2020 12:00 -

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O Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex) zerou a alíquota do imposto de importação de revólveres e pistolas. A mudança na alíquota, que era de 20%, foi publicada no Diário Oficial da União do último dia 9. A medida vale a partir do dia 1º de janeiro de 2021.

A flexibilização de regras que facilitem a posse e o porte de armas no País é uma das bandeiras de campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Lobistas e empresários de armas e munições têm presença assídua nos gabinetes do governo de Bolsonaro – de janeiro a abril deste ano foram ao menos 73 audiências e reuniões com representantes do setor.

Pelas redes sociais, o presidente comentou a medida. “A Camex editou resolução zerando a Alíquota do Imposto de Importação de Armas (revólveres e pistolas). A medida entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2021”, escreveu. Nos comentários da publicação, o chefe do Executivo respondeu um usuário que cobrou o “direito ao armamento”.

Em reunião ministerial no dia 22 de abril, cujo vídeo foi divulgado por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente defende “armar a população”para evitar a ditadura. “Eu quero todo mundo armado! Que o povo armado jamais será escravizado”, disse, na ocasião.

Também pelas redes sociais, o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) comentou a postagem de Bolsonaro. “Muito bom, presidente. Ano que vem já vou garantir minha glock rs”, escreveu, em referência à fabricante austríaca de armas.

O seguidor do presidente escreveu “Cadê o direito de armamento também Jair Messias Bolsonaro, ficou só no papel né”. Em resposta, Bolsonaro citou que o projeto sobre o assunto está no Legislativo. “PL (projeto de lei) está no Congresso”, disse.

Já a deputada federal Joice Hasselmann (PSL), ex-bolsonarista, citou a notícia pelas redes sociais questionando as prioridades do governo.

Reações

O Instituto Sou da Paz afirmou que vê com enorme preocupação a medida do governo federal de zerar o imposto de importação de armas de fogo. “Ao afirmar em seu Twitter que o governo brasileiro zerou impostos de importação de 509 produtos para o combate à covid-19, como medicamentos contra o câncer, equipamentos de energia, arroz soja e milho, (o presidente) equipara as armas de fogo a tais produtos”, disse o instituto por meio de nota. 

O texto segue: “Ora, não existe qualquer relação em isentar a importação de armas e fogo e o controle da pandemia. A flexibilização ao acesso a armas de fogo é apenas uma prioridade e um compromisso pessoal do presidente que em nada contribui para o enfretamento da crise sanitária. Quem ganha, certamente não é população, mas outros interesses que se beneficiam de tamanha flexibilização.”

Desde janeiro de 2019, segundo o instituto, já são mais de 20 atos normativos que facilitaram enormemente o acesso a armas e munições.

O Instituto Igarapé divulgou uma nota que alerta para o aumento de armas e de munições em circulação e o fim de mecanismos de controle e de fiscalização que podem ocasionar no aumento dos homicídios, de acordo com pesquisas científicas. Ainda, a instituição aponta que a flexibilização para a aquisição de armas "facilita a vida de grupos criminais: armas e munições legais podem cair na ilegalidade e os baixos controles dificultam as investigações e a prevenção desses desvios."

"É importante destacar que essa decisão é um exemplo da captura da agenda do governo federal por grupos de interesse, em prejuízo da totalidade dos cidadãos (que perdem recursos dos impostos)", diz a nota.

"De acordo com o Monitor da Violência, o Brasil teve uma alta de 6% nos assassinatos no primeiro semestre de 2020. O governo federal não pode seguir agindo na contramão das evidências que mostram o impacto negativo do aumento da circulação de armas e munições na segurança. Tampouco continuar contrariando a maior parte do país, já que, segundo o Datafolha, 72% da população é contrária à agenda do governo federal de armar a população. Reforçamos a necessidade de que as políticas públicas em nosso país sejam baseadas em evidências científicas que tornem nossa sociedade segura e menos desigual. O Brasil está caminhando na direção contrária da garantia de direitos de seus cidadãos e cidadãs. Os efeitos de medidas como essa, tomada hoje, serão sentidos por muitos anos. É preciso rever com urgência essas diretrizes."

Demetrius Oliveira, presidente da Confederação Brasileira de Tiro Prático (CPTP), vê a resolução de maneira positiva e diz que a redução do imposto “vai melhorar um pouco” a prática do esporte, apesar de defender facilitações ainda maiores para o setor na importação.

Ele afirma que a isenção do imposto beneficia principalmente os grandes importadores, que adquirem armamento no exterior para revender a atletas de tiro e escolas de formação de segurança, por exemplo. De acordo com Oliveira, considerando apenas os impostos e a cotação do dólar, uma arma adquirida no exterior por US$ 300 chega ao Brasil custando R$ 4.570. Com menos 20%, o valor cairia para R$ 3.600.

Este alto custo, para ele, impacta na qualidade do esporte e na formação adequada de atletas. “A gente continua sem ter muito acesso a armas de qualidade. A indústria nacional não produz armas adequadas para competição, então a gente acaba precisando importar. (A medida) é um alívio, mas não o suprassumo”, diz Oliveira, que ainda acredita que a redução dos custos pode influenciar no aumento de competitividade no mercado nacional e estimular o desenvolvimento da indústria brasileira de armamentos.

Taurus diz que vai priorizar investimentos fora do Brasil

Por meio de nota, a Taurus, fabricante de armas, disse que sua operação não deverá sofrer impacto significativo por conta da medida, mas ressaltou que a alteração na alíquota irá acelerar investimentos fora do País. 

“A Companhia esclarece que o impacto dessa resolução em seus negócios não causará efeito significativo na sua operação. O mercado doméstico/nacional é inferior a 15% de suas vendas, cujas margens são inferiores as das exportações. Além do que, somos uma multinacional com fábrica nos EUA e uma futura operação na Índia o que nos dá as mesmas vantagens da resolução da CAMEX”, afirmou a empresa por meio de nota. 

“Por outro lado, lamentavelmente essa medida irá acelerar o processo de priorização de investimentos nas fábricas nos EUA e na Índia, em detrimento aos investimentos que iriam gerar empregos e riqueza no Brasil”, disse a Taurus.

Desviando a atenção

Enquanto o governo federal vê crescer casos e mortes por covid e não consegue apresentar um plano convincente para vacinação dos brasileiros, Jair Bolsonaro lançou uma exposição com as roupas que ele e sua esposa usaram em sua posse, em 2019, e zerou a alíquota do imposto de importação de revólveres e pistolas – que era de 20%.

As medidas devolveram o presidente aos assuntos mais falados nas redes sociais, com mensagens negativas e positivas. Líderes da oposição no Congresso Nacional afirmaram à coluna que veem esses atos como cortina de fumaça para a incompetência diante da crise sanitária ou como forma de reforçar o vínculo com seus seguidores mais radicais.

"Ninguém chega à Presidência da República sendo burro. Não concordo com o que ele pensa, mas ele sabe fazer o jogo", afirma o deputado federal Ênio Verri (PT-PR), líder do partido na Câmara.

"Já usou a Damares Alves, outras vezes o Ernesto Araújo, depois o Ricardo Salles para jogar a cortina de fumaça quando precisava", avalia. "Agora, vem com a inauguração de seu guarda-roupa, que é uma coisa ridícula, inimaginável."

Para Verri, isso atinge a parcela que o apoia e desvia o debate sobre a vacina da covid. Em sua opinião, Bolsonaro vem perdendo a batalha para o governador de São Paulo, João Doria – que anunciou que iniciará a imunização antes do governo federal.

"Nós estamos, mais uma vez, diante do modus operandi de Jair Bolsonaro, que busca sempre um movimento de dissuasão, uma cortina de fumaça para esconder sua incompetência e o caos." A avaliação é do líder da oposição no Senado Federal, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

"O governo fracassou contra a covid e não tem uma política de imunização. O país vive uma segunda onda da pandemia e voltamos a ter inflação alta, principalmente nos alimentos, como não havia desde o advento do Plano Real. O que ele faz diante disso? Cortina de fumaça. Retoma a agenda dele, com a pauta das armas, monta uma exposição", afirma.

Para o senador, Bolsonaro usa a pauta da redução dos impostos de revólveres, neste momento, para fazer com que a opinião pública seja obrigada a jogar no seu território.

"Temos que nos atentar a isso e insistir no que é a agenda do povo, que é a vacina, a saúde das pessoas, a recuperação econômica, a geração de empregos, o preço dos alimentos. E não cair na provocação dele."

Nem todos concordam que essas ações representam uma forma de desviar a atenção.

"Bolsonaro estava um pouco recuado, esperando a recomposição de forças a partir das eleições municipais. Agora, voltou com tudo, quer seja nos ataques às portarias de saúde mental [o governo deve revogar portarias que estruturam a política de saúde mental, incluindo o fim de programas de reinserção social de pacientes], mas também na costura de nomes para as presidências do Congresso", avalia Sâmia Bomfim (PSOL-SP), líder da bancada de seu partido na Câmara.

Ela não acredita que os gestos sejam cortina de fumaça, mas parte de um projeto obscurantista e que banaliza o mal. "Temos um contexto de guerra contra um vírus, as pessoas estão desesperadas atrás da vacina. É um projeto de descaso com a vida", diz.

A deputada concorda com seus colegas que o uso desses elementos é importante para a coesão de sua base. "O fascismo precisa de elementos de mobilização permanente para sobreviver e avançar", analisa Sâmia. "Agora, cabe a nós avançarmos, irmos para cima no tema da vacina."

A oposição tem defendido que o Congresso Nacional aprove um projeto para que o governo garanta imunização de toda a população antes dos prazos divulgados pelo ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, utilizando todas as vacinas eficazes. E critica a transformação de uma questão de saúde coletiva em um palco de antecipação das eleições de 2022.


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