25/04/2024 - Edição 540

Brasil

Entre o desemprego e a fantasia

Publicado em 03/12/2020 12:00 -

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Na Ilha da Fantasia onde vive o ministro Paulo Guedes falta lugar para os 14,1 milhões de desempregados do terceiro trimestre, número registrado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Podemos terminar o ano perdendo zero empregos”, disse o ministro, um dia antes de sair o novo balanço trimestral do mercado de trabalho. Ele estava comemorando a abertura de 349.989 vagas formais em outubro, registradas no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Parte desses empregos é apenas sazonal. Além disso, os números acumulados em 2020 ainda eram negativos, com 171.139 postos fechados – e os da Pnad Contínua eram muito mais feios.

Se vivesse fora da Ilha da Fantasia, o ministro poderia ter lembrado um fato bem conhecido. Quando um país sai de uma recessão, o emprego normalmente se recupera mais devagar que o conjunto das atividades. Para repor as empresas em movimento, os funcionários trabalham mais duramente. Assim, o aumento de produtividade torna dispensáveis, por algum tempo, novas contratações. Esse argumento daria conta de uma parte dos fatos. Mas as pessoas mais atentas ainda sentiriam falta de uma resposta para o dado mais impressionante.

Alguma defasagem entre a retomada econômica e a recuperação do emprego pode ser normal, mas a história observada no Brasil é diferente. Não houve, no terceiro trimestre, apenas uma reação mais rápida do consumo e da produção industrial. Houve aumento do desemprego, uma hipótese negligenciada nos manuais. E esse aumento foi notável por mais de uma razão.

A desocupação de 14,6% no trimestre de julho a setembro foi a maior da série iniciada em 2012. Em vez de simplesmente se prolongar, o desemprego aumentou 1,3 ponto porcentual entre o segundo e o terceiro trimestres e atingiu um recorde. Nesse intervalo, a população desocupada aumentou 10,2% (mais 1,3 milhão de pessoas) e passou a ser 12,6% superior à de igual período de 2019.

Esse recorde foi só um dos fatos notáveis. A população ocupada chegou ao nível mais baixo da série histórica. A taxa de ocupação, de 47,1% da população em idade de trabalhar, também foi a menor da série. As pessoas ocupadas foram pela primeira vez menos de metade do contingente disponível.

Mais que um descompasso, houve um trágico desencontro, nesse período, entre a atividade econômica e as condições de emprego. No terceiro trimestre a economia produziu 7,5% mais que no segundo, de acordo com o Monitor do PIB – FGV. Pela estimativa do Banco Central, divulgada alguns dias antes dos cálculos da FGV, a atividade havia sido 9,5% maior que a do período de abril a junho. Os dados oficiais do Produto Interno Bruto de junho a setembro devem ser divulgados dia 3 pelo IBGE.

Os números devem confirmar uma forte reação, embora talvez insuficiente para compensar a queda do segundo trimestre. As estimativas divulgadas indicam essa insuficiência, semelhante àquela observada em dezenas de países. Em muitas dessas economias as condições de emprego melhoraram, embora permaneçam danos causados pela crise. Nos 37 países da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), o desemprego médio em agosto, de 7,4%, já era 0,6 ponto menor que o de julho. Continuava superior ao de fevereiro, mas a redução havia começado.

No Brasil, o número oficial do desemprego mostra só uma parte do problema da ocupação. Quando se juntam desempregados, ocupados por tempo insuficiente, desalentados e ainda a chamada força de trabalho potencial, chega-se a 33,2 milhões de indivíduos. O drama ficaria ainda mais visível com a adição dos empregados sem carteira assinada (9 milhões).

A política de reativação pouco se ocupou do emprego. Só um exemplo: micro e pequenos empresários, muito importantes para a criação de vagas, continuam com muita dificuldade para conseguir crédito. Mesmo na Ilha da Fantasia esse fato deve ser conhecido. Muito menos percebido, lá, é o drama do desemprego.

Efeito carestia fura a bolha virtual de Bolsonaro

O reajuste dos chamados preços administrados é sempre incômodo. Incide sobre produtos e serviços dos quais normalmente as pessoas não podem prescindir: luz, remédios, planos de saúde, transportes. A paulada começa pela conta de luz, que sobe neste mês de dezembro. Depois da virada do ano virão as traulitadas subsequentes. Isso afeta o humor do brasileiro. E tem reflexos políticos.

A insatisfação começou a chegar a Jair Bolsonaro pelas redes sociais. O presidente foi cutucado no Facebook. "A conta de luz vai aumentar. Obrigado, presidente", ironizou um seguidor. Bolsonaro respondeu que os reservatórios de água estão baixíssimos. Disse que poderia haver apagão se nada fosse feito.

Alguns detalhes tornam os reajustes mais indigestos do que o habitual. Por conta da pandemia, alguns preços estavam represados. Voltam em péssima hora. Chegam na sequência de uma alta expressiva no preço de alimentos da cesta básica.

Tudo isso no meio de uma recessão, com a renda em queda e o desemprego em alta. Numa conjuntura assim, a população se volta para o bolso. Em 2021, o vírus continua. Mas o auxílio emergencial da pandemia acaba. Volta o Bolsa Família, cujo valor médio (R$ 190 mensais) é bem menor do que os R$ 600 do vale corona, reduzido para R$ 300 nos três últimos meses do ano.

Para os pobres, que convivem com a sobra de mês no fim do salário, a carestia pesa mais. O país entrará numa fase de aprofundamento do mal-estar. Há problemas demais e soluções de menos. E as autoridades de Brasília —o presidente, os operadores do governo e os congressistas— brincam com a paciência alheia como crianças que sopram balões em festas infantis.

Deveriam apressar o encaminhamento da aprovação de reformas que estimulem o investimento privado. Mas continuam enchendo balões como se desejassem testar o ponto de ruptura. Um sopro a mais no balão pode fazer com que o desequilíbrio fiscal estoure na cara do país.

A carestia tende a roer o que resta de prestígio a Bolsonaro. Em queda na maioria das capitais, a popularidade do presidente subiu no telhado. Resta ao capitão um consolo. Na oposição, a única novidade é que Sergio Moro virou sócio-diretor de uma empresa americana que tem como clientes empreiteiras que ele devassou como juiz —Odebrecht e OAS, por exemplo.


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