26/04/2024 - Edição 540

Entrevista

Para entrar em 2015 no azul

Publicado em 05/12/2014 12:00 -

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Mesmo socialmente incluídos pelo consumo nos últimos anos, boa parte dos brasileiros têm dificuldade de gerenciar suas finanças e acabam endividados, muitas vezes com restrições de crédito. Tanto é que o nível de endividamento das famílias com os bancos somou 46% da renda acumulada em doze meses até julho deste ano. Nesta edição, a Semana On conversou com o economista e consultor Fábio Nimer, da empresa Real Brasil Consultoria, sobre quais estratégias podem ser tomadas para organizar as finanças e, quem sabe, até guardar um pouco de dinheiro. Confira.

 

Por Guilherme Cavalcante

Por que as pessoas se endividam tanto no Brasil? Somos ensinados a gastar?

Há alguns aspectos centrais que nos induzem para esse quadro. O primeiro deles é que nós não temos a cultura do investimento, a cultura de organizar as finanças. Não sabemos gastar. Então, a pessoa primeiramente faz o gasto e só quando recebe o salário é que percebe que não tem dinheiro para fazer frente às despesas. O segundo aspecto é que, por mais que tenha ocorrido uma diminuição no desemprego, houve um crescimento muito grande de empregos com baixos salários. Não necessariamente salários mínimos, mas é que a base salarial do trabalhador em geral não está na média condizente com o de outros mercados da própria América Latina. E um terceiro aspecto é que, além da gente ter essa inclusão social pelo consumo, é uma inclusão sem planejamento: com altas taxas de juros, com volume de crédito farto e até mesmo sem controle, por parte dos órgãos que emprestam esse dinheiro. E aí acabam gerando toda essa ciranda de endividamento, não só das famílias, mas também de muitas empresas.

Como esse planejamento deve ser executado?

O primeiro passo é a pessoa saber o quanto vai ganhar durante o ano. Infelizmente, não notamos uma grande variação de renda no país, mas projetar esses ganhos pelo menos por 12 meses é o primeiro ponto. De posse desse número, já dá para saber o quanto se pode gastar. E aí, sim, é preciso fazer as compras de acordo com os grupos de despesas que tem. Já há o grupo de despesas obrigatórias da casa, dos impostos, dos financiamentos, a compra de supermercado, energia, telefonia, enfim. São as despesas fixas, estão ali todos os meses e delas não tem como fugir. Daí quem tem gasto com transporte, seja o público ou o carro, tem que contabilizar as despesas complementares. Uma vez tendo conhecimento das principais despesas, você tem como saber qual é a sua sobra para gastar com lazer, para eventualmente investir, fazer um viagem… Com esses dados em mãos, você tem como se planejar para encaixar esses gastos dentro do seu orçamento. Com esses três ou quatro grupos, se torna mais possível fazer um planejamento financeiro. É válido lembrar que em 2015 haverá muitos reajustes. De alimentos, de combustíveis, energia, água e esgoto, IPTU e IPVA… Ou seja, no primeiro trimestre do ano que vem, além das obrigações que já existem, há esses tributos reajustados. O cidadão precisa estar atento e projetar também esses gastos.

É comum observar que pessoas fazem registro das despesas em cadernetas, planilhas… Esse hábito contribui para ter consciência de como se está gastando?

Esse é um aspecto muito importante. Ter o controle dos gastos para que não haja endividamento é fundamental. Tendo dimensão das despesas e com disciplina, essa pessoa passa a ter gastos mais eficientes. E hoje, além de anotar os gastos no caderninho, existem centenas de aplicativos para smartphones, pagos e gratuitos, que permitem fazer o controle das despesas pessoas instantaneamente. Se você gastou algo no cartão, já pode lançar no aplicativo que ele, por exemplo, faz o cruzamento com o saldo. São estratégias realmente muito válidas, pois contribuem para que a pessoa crie uma cultura de organização financeira e passe a sempre ter o controle das receitas, evitando o endividamento.

Há alguns aspectos centrais que nos induzem para esse quadro [de endividamento]. O primeiro deles é que nós não temos a cultura do investimento, a cultura de organizar as finanças. Não sabemos gastar.

Além da organização financeira para o ano que vem, o que mais as pessoas endividadas podem fazer para tentar alcançar o status de adimplentes?

Aproveitar o 13º salário, que sai agora em dezembro, é uma saída. Caso a pessoa já esteja endividada, é oportuno priorizar a quitação das dívidas, nem sempre a partir das que têm maior devido, mas das que têm taxas de juros maior, porque assim se evita o pagamento de encargos remuneratórios para a instituição financeira ou para o comércio. Num segundo ponto, é preciso fazer um estudo de quais dívidas poderão ser equacionadas durante o ano que vem.

Qual a alternativa para quem está com restrição de crédito?

Quem tem restrição de crédito normalmente fica numa situação complicada, porque ela perde poder de compra. No entanto, negociar com o credor pode ter resultados positivos. Nesta época de fim de ano, inclusive, o comércio, instituições financeiras e até o judiciário costumam promover semanas de negociação e de conciliação que normalmente são muito atraentes para o consumidor inadimplente e com restrição. O caminho, portanto, é a negociação.

Fazer um empréstimo também pode ser interessante?

Certamente. Às vezes a pessoa tem uma série de endividamentos, com taxas altas, multas e juros de mora, eventualmente vale a pena procurar o próprio banco para fazer um empréstimo maior a longo prazo, quitar as dívidas pendentes e, assim, liquidar a cobrança de taxas pela inadimplência, além da facilidade de ficar com uma única prestação.

Além de anotar os gastos no caderninho, existem centenas de aplicativos para smartphones, pagos e gratuitos, que permitem fazer o controle das despesas pessoas instantaneamente.

Uma das estratégias de negociação em prática no país é a portabilidade. Como usar esse recurso com sabedoria?

Uma dica é conversar com o banco onde vai se tentar a portabilidade e verificar se, de fato, as taxas de juros são menores que as do banco atual. Paralelamente, deve-se conversar com o banco atual e ver se, quitando aquele valor, será concedida alguma redução dos encargos. Fazendo isso, se obtém uma boa negociação dos dois lados: você ganha desconto de um e consegue uma taxa de juros melhor no outro. Hoje isso é uma realidade, por mais que subutilizada. É uma modalidade mais observada nos empréstimos consignados, onde muitos aposentados foram beneficiados. O banco mesmo oferece uma quitação, tira os juros e apresenta uma taxa melhor no pagamento a longo prazo. É uma possibilidade muito interessante buscar essa negociação.

Como o cidadão comum pode economizar?

Hoje a compra por impulso é o grande filão do comércio e o grande vilão do consumidor. É importante refletir, antes de comprar, se aquele produto é mesmo necessário, seja uma roupa, seja um lanche que a pessoa faz e nem está com fome. Então, é fundamental refletir se aquela aquisição é imprescindível naquele momento. Caso não seja, é possível se organizar para comprar mais tarde, às vezes conseguindo uma condição de pagamento melhor. Selecionar um determinado dia do mês para fazer compras pode ser interessante também, porque você vai saber exatamente o quanto tem na conta e o quanto vai poder gastar. Isso induz o consumidor a fazer esse gasto mais consciente.

Diferente de outros países, a possibilidade do pagamento parcelado é característica da economia brasileira. Porém, as prestações longas podem comprometer o poder de compra da família que opta por essa modalidade. Em qual situação o pagamento à vista pode ser mais atraente que o parcelamento?

Na realidade, o parcelamento em longo prazo, acima de dez ou doze prestações, deveria acontecer apenas com bens de valor agregado, tais como um financiamento habitacional ou veicular, mas nunca para pequenas despesas, como a compra de uma roupa, uma viagem, etc. Porém, sabemos que isso não acontece. Existem situações em que comprar à vista pode ser uma medida sábia, por exemplo, quando é possível obter um desconto. Isso pode até justificar aguardar dois ou três meses para fazer a aquisição do bem, na certeza de que haverá desconto. Assim, há uma possibilidade real de fazer economia.

Hoje a compra por impulso é o grande filão do comércio e o grande vilão do consumidor. É importante refletir, antes de comprar, se aquele produto é mesmo necessário.

Existem aqueles que não se endividaram ao longo do ano e que até conseguiram juntar dinheiro. Qual é uma boa opção de investimento para essas pessoas?

 Para quem ainda não aplica dinheiro, esta possibilidade pode ser muito interessante, pois apresentam rendimentos maiores que o da poupança. Hoje estão à disposição várias aplicações financeiras conservadoras, que dão garantia e segurança na aplicação, e há outras, principalmente na área de câmbio e na bolsa de valores, que apresentam riscos, mas maior possibilidade de ganhos. Para quem está começando, por exemplo, que quer investir a renda do 13º ou alguma quantia acumulada ao longo do ano, uma boa alternativa é uma previdência privada, que dependendo da modalidade tem isenção de imposto de renda e caso nunca se precise dela, pode servir como um complemento da aposentadoria pelo regime comum. Isso é para pequenos valores. Outra possibilidade é, também, adquirir títulos de tesouro direto, do Banco Central. Não são grandes remunerações, mas são seguras e têm rendimentos acima da poupança e CDBs. Aliás, investir é sempre um bom hábito para se disciplinar com os gastos. Quem passa a aplicar, normalmente deixa de gastar para poder fazer a aplicação.

O empreendedorismo também pode ser um bom caminho para investir as economias?

Depende. Embora muitos brasileiros tenham vontade de seguir o empreendedorismo, esta ainda não é uma atividade fácil. Primeiramente, é preciso saber com qual atividade a pessoa tem familiaridade e, a partir daí, buscar conhecer o mercado. É uma saída interessante caso a pessoa tenha vocação e aptidão. Muitos não têm. Os órgãos do Sistema S, o Sebrae, Senac, às vezes até as prefeituras e governos do estado têm ferramentas de apoio. Não custa nada buscar esses órgão para saber quais são as novidades, como funciona a parte de gestão, a parte tributária… Tem que ter consciência que este mercado funciona de forma diferenciada, onde só a boa vontade não vale. É preciso conhecer onde se está pisando.


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