25/04/2024 - Edição 540

Especial

Bolsonaro sai da eleição menor do que entrou

Publicado em 16/11/2020 12:00 -

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Como antecipamos em nossa edição do último dia 13, as eleições municipais deste ano marcam uma derrota do bolsonarismo raiz. A maior parte dos candidatos a prefeito de capitais apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro foi derrotada no primeiro turno das eleições municipais, realizadas no último dia 15. Apenas Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio, e Capitão Wagner (Pros), em Fortaleza, passaram ao segundo turno, que será realizado daqui a duas semanas, em 29 de novembro.

Os outros nomes que tiveram o aval público do presidente mas estão fora da disputa são Celso Russomanno (Republicanos) em São Paulo, Coronel Menezes (Patriota) em Manaus, Bruno Engler (PRTB) em Belo Horizonte, Marcelo Crivella (Republicanos) no Rio e Delegada Patrícia (Podemos) no Recife.

No final de agosto, Bolsonaro declarou que não iria apoiar candidatos a prefeito no primeiro turno, pois isso atrapalharia o seu trabalho como presidente. "Decidi não participar, no primeiro turno, nas eleições para prefeitos em todo o Brasil. Tenho muito trabalho na Presidência da República e, tal atividade tomaria todo meu tempo em um momento de pandemia e retomada da nossa economia”, afirmou, em mensagem em suas redes sociais.

Nos meses seguintes, porém, o presidente passou a pedir votos para alguns candidatos. No caso de Russomanno, Bolsonaro chegou a se reunir e a gravar imagens ao lado do candidato, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e liberou alguns de seus auxiliares, como o secretário-executivo do Ministério da Comunicação Fabio Wajngarten, a participar da estratégia da campanha paulistana.

O fracasso do presidente em emplacar a maioria de seus aliados na capitais se deve a uma combinação de fatores, segundo cientistas políticos. Um deles é o fato de Bolsonaro não estar filiado a uma legenda, portanto sem capacidade de mobilizar estruturas partidárias locais e montar alianças nos municípios.

Outro elemento é a atual taxa de popularidade do presidente, menor do que à registrada pelos ocupantes do Palácio do Planalto que tiveram sucesso em emprestar seu prestígio a candidatos a prefeito e vereador, como Fernando Henrique Cardoso em 1996 e Luiz Inácio Lula da Silva em 2008.

Dois terços dos candidatos a prefeito apoiados por Bolsonaro perderam

Dos 12 candidatos a prefeito apoiados por Bolsonaro em suas "lives" semanais, apenas quatro se elegeram ou chegaram ao segundo turno.

O “pé frio” foi compartilhado com outros próceres do Governo. A ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) aproveitou uma live com Bolsonaro para apoiar a candidata emedebista Morgana Macena, que disputou a prefeitura de Cabedelo (PB) e foi derrotada. Figuraram ainda no "horário eleitoral" do presidente os candidatos Ivan Sartori (do PSD, em Santos); Oscar Rodrigues (pelo MDB, em Sobral); e Julia Zanatta (em Criciúma, pelo PL). Todos fracassaram.

Bolsonaro usou ainda as lives para apoiar candidatos a vereador — inclusive sua ex-assessora dos tempos de deputado federal, Walderice Santos da Conceição, a Wal do Açaí. Ela concorreu a uma vaga na Câmara de Vereadores de Angra dos Reis (RJ) pelo Republicanos, mas teve apenas 266 votos e não foi eleita.

Em Mato Grosso, o presidente da República tentou garantir uma cadeira a mais no Senado: Bolsonaro apoiou o nome de Rúbia Fernanda Diniz Siqueira, a Coronel Fernanda (Patriota), na eleição suplementar para a Casa Alta. Até o fechamento desta reportagem, porém, os resultados apurados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não eram conclusivos.

Bolsonaro fez quatro lives para promover seus candidatos. Em geral, os vídeos tinham pouco mais de 40 minutos — a exceção foi a última live, do dia 12, quando Bolsonaro falou durante pouco mais de uma hora e meia.

Alguns dos candidatos chegaram a viajar para Brasília para aparecer ao lado do presidente: agiram assim Bruno Engler (de Belo Horizonte) e Coronel Menezes (Manaus), entre outros. Ambos fracassaram nas urnas. Ao todo, Bolsonaro fez propaganda para pelo menos 59 candidatos a prefeito ou vereador em suas lives.

Russomanno, que disputou a prefeitura de São Paulo pela terceira vez, terminou em quarto lugar, com 10,5% dos votos válidos. O candidato do Republicanos repetiu o roteiro que já havia percorrido nas últimas duas eleições municipais, em 2012 em 2016: largou em primeiro nas pesquisas de intenção de voto e foi paulatinamente foi perdendo força.

O seu desempenho ruim na urna é um revés na maior cidade do país também para Bolsonaro, que se empenhou pela vitória de Russomanno. Os dois candidatos que foram ao segundo turno, Bruno Covas (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL), são críticos ao presidente.

Na eleição presidencial de 2018, Bolsonaro teve 44,6% dos votos válidos na cidade de São Paulo e venceu em 52 das 58 zonas eleitorais do município. Seu prestígio na capital paulista, porém, está em queda. Segundo pesquisa Datafolha realizada em 9 e 10 de novembro, 50% dos moradores da cidade avaliam o seu governo como ruim ou péssimo, e apenas 23% como ótima ou boa.

No Rio de Janeiro, o atual prefeito Crivella ficou com 21,9% e disputará o segundo turno contra o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), que teve 37%. A cidade é o domicílio eleitoral de Bolsonaro, mas o presidente não foi tão enfático na defesa do bispo — declarou seu voto e liberou o uso de suas imagens pela campanha do candidato do Republicanos, sem se empenhar como fez com Russomanno.

No Recife, Delegada Patrícia, que recebeu o apoio do presidente em 5 de novembro, a dez dias do pleito, ficou em quarto lugar com 14% dos votos válidos. O segundo turno será disputado entre João Campos (PSB), filho do ex-governador Eduardo Campos, morto em um acidente aéreo em 2014, e Marília Arraes (PT), neta do ex-governador Miguel Arraes, morto em 2005.

O apoio de Bolsonaro a Santiago foi comemorado por ela em suas redes sociais, mas provocou uma crise na sua chapa às vésperas do pleito. O Cidadania, partido de seu candidato a vice, Leo Salazar, protestou contra a adesão dela ao presidente e anunciou o afastamento de sua campanha.

Em Fortaleza, Capitão Wagner foi ao segundo turno, em segundo lugar, com 33,3% dos votos válidos, contra Sarto, do PDT, que teve 35,7% dos votos válidos. Apesar do apoio do presidente, Wagner evitou usar a sua imagem em sua campanha e fez um reposicionamento para tentar ir além do eleitorado bolsonarista. Ele também contava com o recall de ter sido candidato a prefeito em 2016, quando chegou ao segundo turno.

Em Manaus, Coronel Menezes ficou em quinto lugar, com 11,3% dos votos. O segundo turno será disputado por Amazonino Mendes (Podemos), que já foi prefeito da cidade por três vezes, teve 23,9%, e David Almeida (Avante), que teve 22,4%.

Em Belo Horizonte, Bruno Engler obteve 9,9% dos votos válidos e terminou em segundo lugar. A disputa foi vencida em primeiro turno pelo atual prefeito da capital mineira, Alexandre Kalil (PSD), com 63,4% dos votos válidos.

Nem o nome ajudou

O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente da República, foi reeleito para seu cargo na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Ele recebeu 71 mil votos — uma queda de mais de 30% em relação aos 106 mil votos que obtivera. Carlos Bolsonaro também perdeu o posto de vereador mais votado no Rio de Janeiro, que havia conquistado em 2016, para Tarcisio Motta (Psol), eleito com mais de 86 mil votos.

Mas o filho do presidente foi uma exceção entre os candidatos que estiveram nas urnas com o famoso sobrenome de sua família. Um curioso levantamento feito pela BBC News Brasil com candidatos que concorreram com o nome "Bolsonaro" mostra que apenas Carlos teve sucesso.

No total 66 "Bolsonaros" candidatos a vereador e dois a prefeito (Jaboticabal e Várzea Paulista, em SP) foram derrotados. Houve também políticos que foram impedidos de usar o nome de Bolsonaro para concorrer.

Entre os candidatos que utilizaram o nome "Bolsonaro", alguns possuem ligação real com o presidente. É o caso de Rogeria Bolsonaro (Republicanos), ex-mulher de Jair e mãe de Carlos, que disputou uma vaga na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Seu nome na urna é "Rogeria Bolsonaro" e no site do TSE seu nome completo aparece como "Rogeria Nantes Braga Bolsonaro".

No passado, em 2000, quando era rompido com Rogeria, Jair Bolsonaro tentou impedir na Justiça a ex-mulher de usar seu sobrenome para concorrer a uma eleição. Na ocasião, ele também lançou a candidatura de Carlos, então com apenas 17 anos, para concorrer e derrotar a mãe. A estratégia deu certo na época, e Carlos foi eleito.

Neste ano, no entanto, Rogéria concorreu com o apoio de seus filhos, que chegaram a ajudá-la, mesmo tendo Carlos também na disputa. E Rogeria, hoje reconciliada com Jair, fez campanha defendendo a gestão do ex-marido na Presidência.

"O homem que diziam não ter competência, (sic) salvou o Brasil em meio a (sic) crise mundial", escreveu ela no Twitter sobre Jair Bolsonaro.

Rogeria recebeu apenas 2.034 votos (0,08%) e não foi eleita.

Um parente de Jair Bolsonaro que usou o sobrenome nas urnas também foi derrotado. Marcos Bolsonaro (PSL), que é primo distante do presidente, concorreu a prefeito de Jaboticabal (SP) e recebeu 4% dos votos, ficando em último lugar na disputa.

Outra candidata que usou o sobrenome Bolsonaro nas eleições, sem sucesso, foi Walderice Santos da Conceição, conhecida como Wal do Açaí, que concorreu a vereadora em Angra dos Reis (RJ). Na urna, ela aparecia com o nome Wal Bolsonaro (Republicanos).

Wal era funcionária que constava da folha de pagamento do gabinete de Jair Bolsonaro quando ele era parlamentar, mas foi flagrada pelo jornal Folha de S.Paulo trabalhando em sua loja de açaí na região de Angra dos Reis em horário de expediente. Ela é alvo de uma investigação sobre o caso.

Na eleição de domingo, ela recebeu menos de 300 votos e não conseguiu se eleger.

A grande maioria dos "Bolsonaros" derrotados eram candidatos nanicos que usaram o nome para puxar votos entre os apoiadores do presidente.

Em diversos casos, a Justiça Eleitoral proibiu o uso do sobrenome Bolsonaro por candidatos que tentaram. Foi o caso de João Santana, do PSL, que queria concorrer ao cargo de vereador em Brusque (SC) com o nome de "Donald Trump Bolsonaro".

A Justiça Eleitoral decidiu que o candidato não era conhecido por esse apelido e portanto rejeitou sua candidatura. Essa foi a mesma justificativa usada em outros casos semelhantes. Com seu nome real, João Santana acabou não sendo eleito.

Pelo menos dez candidatos "Bolsonaro" que foram impedidos de usar o nome, tiveram suas candidaturas impugnadas ou desistiram.

Mas muitos conseguiram usar o nome sem obstáculos legais.

Em alguns casos, o sobrenome do presidente aparecia apenas como parte de uma alcunha ("Capitão de Bolsonaro", "Gil do Bolsonaro", "Bolsonaro Sergipano", "Rafa Apoiadores de Bolsonaro", entre outros). Mas a maioria optou por usar o sobrenome do presidente como se fosse parte de seu próprio nome.

Por outro lado…

"Muita gente fez a leitura inicial, principalmente por causa do fracasso de Russomanno, de que o Bolsonaro não foi um bom cabo eleitoral. Mas eu não vejo assim. A recuperação de Crivella, no Rio de Janeiro, é uma indicação da força de Bolsonaro. O candidato dele em Belo Horizonte (Bruno Engler) também teve um desempenho melhor do que as pesquisas mostravam, o que indica que ele conseguiu mobilizar as pessoas na reta final", relativiza o cientista político Bruno Carazza, que é autor do livro Dinheiro, eleições e poder, sobre o financiamento das disputas políticas no Brasil.

"Ao não lançar o partido (o Aliança pela Liberdade), ele pode dizer agora que os fracassos não são culpa dele. Ao mesmo tempo, vai capitalizar com as eventuais vitórias que aparecerem", diz o cientista político, que é professor da Fundação Dom Cabral e do Ibmec.

É exatamente o que ele está fazendo.

Pouco antes da meia noite de domingo (15), Bolsonaro usou sua conta no Twitter para comentar o resultado das eleições. O presidente disse que sua participação no pleito se resumiu a "quatro lives num total de três horas".

"Há 4 anos, Geraldo Alckmin elegeu João Dória prefeito de São Paulo no primeiro turno. Dois anos depois Alckmin obteve apenas 4,7% dos votos na disputa presidencial. Minha ajuda a alguns poucos candidatos a prefeito resumiu-se a 4 lives num total de 3 horas", escreveu ele.

"A esquerda sofreu uma histórica derrota nestas eleições, numa clara sinalização de que a onda conservadora chegou em 2018 para ficar. Para 2022 a certeza de que, nas urnas, consolidaremos nossa democracia com um sistema eleitoral aperfeiçoado. DEUS, PÁTRIA e FAMÍLIA", disse Bolsonaro.

O otimismo do presidente não é compartilhado por todos seus aliados. O assessor especial para Assuntos Internacionais do presidente, Filipe Martins, escreveu uma mensagem no Twitter pedindo autocrítica.

Na avaliação de Filipe Martins, considerado um dos expoentes da chamada área ideológica do Governo, "a esquerda se renovou e assimilou as lições de 2018" e o preço a ser pago pode ser ainda maior pela sua ala política. "Enquanto batíamos cabeça para fazer o básico e tentar nos organizar, a esquerda se renovou, assimilou as lições de 2018 e soube usar a internet e a nova realidade política a seu favor. Ou fazemos a devida autocrítica, ou nossos erros cobrarão um preço ainda maior no futuro", escreveu.

O entorno do presidente tenta fazer uma limonada. A avaliação é de que o cenário serviu como um importante termômetro para moldar uma campanha para a corrida presidencial de 2022 caso o chefe do Executivo leve adiante o plano de tentar a reeleição. Sem entrar de cabeça neste pleito, avaliam aliados, Bolsonaro teria dificuldade de conhecer o real tamanho de sua força e fraqueza.

Além disso, assessores do presidente consideram que, se tivesse ficado de fora da disputa municipal, o capitão não teria ninguém para defender suas bandeias e seria alvo de ataques nos debates.

Interlocutores do presidente avaliam agora que o presidente deverá repensar sua estratégia de campanha para 2022 já que não terá uma base eleitoral forte nos municípios.

O vice-presidente Hamilton Mourão apontou os partidos de centro como os vencedores da disputa. “Até o presente momento não fiz nenhuma análise aprofundada, (mas) os partidos de centro tradicionais foram os grandes vencedores”. Mourão, contudo, disse que não é possível apontar uma derrota de Bolsonaro porque ele não "entrou de cabeça" na eleição e apenas apoiou "muito pouco" alguns candidatos. “Não pode se debitar nada em relação ao presidente Bolsonaro porque ele não entrou de cabeça nessa eleição. Ele apoiou alguns candidatos, muito pouco, mas não tinha…O presidente está sem partido. Sem estrutura partidária fica difícil participar de uma eleição”.

A orfandade dos que ainda acreditavam na força de Bolsonaro

São Paulo, em 2022, estará para Jair Bolsonaro como a Filadélfia esteve há pouco para Trump? Há dois anos Bolsonaro venceu em São Paulo, como há quatro Trump havia vencido na Filadélfia. São Paulo, na eleição de ontem, deu as costas a Bolsonaro e deixou os bolsonaristas órfãos de um candidato a prefeito.

Farão o quê quando tiverem de comparecer outra vez às urnas no próximo dia 29? Votar em Guilherme Boulos (PSOL), um candidato de esquerda que mimetiza Lula, nem pensar. Até hoje ainda fazem questão de lembrar que o desequilibrado mental que esfaqueou Bolsonaro em Juiz de Fora era filiado ao PSOL.

Votar em Bruno Covas (PSDB), mas como? O partido de Covas faz oposição a Bolsonaro. O governador João Doria foi escolhido por Bolsonaro como seu inimigo número um. Doria fez questão de dizer que Bolsonaro foi o grande derrotado no primeiro turno da eleição na capital paulista. Covas já avisou que quer distância dele.

Na eleição da pandemia, cresceu por toda parte a parcela do eleitorado que preferiu abster-se.  Com 99,89% das urnas apuradas, o país registrou 23,14% de abstenções, o maior índice para eleições municipais dos últimos 20 anos. No Brasil, o voto é obrigatório. Talvez no futuro próximo se torne facultativo.

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) revelou a perplexidade dos bolsonaristas de raiz ao escrever no Twitter: “O que houve com os conservadores? Erramos, nos pulverizamos ou sofremos uma fraude monumental?”. A hipótese de fraude é para relativizar a derrota. Os erros e o racha da direita aconteceram.

Era uma vez um presidente que quis mandar sozinho no partido pelo qual foi eleito. Como não conseguiu abandonou-o, como antes abandonara outros nove partidos. Lançou-se à aventura de construir um para chamar de seu, mas fracassou. Então imaginou que mesmo assim os eleitores votariam em candidatos que ele indicasse.

Não podia dar certo, como não deu. 

O deputado Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, disse que estas eleições servirão para devolver Bolsonaro ao seu verdadeiro tamanho, muito menor do que aparenta ter. Pode ser que sim. Pode ser que não. Vai depender das lições que Bolsonaro extraia do episódio. O tempo ainda joga a seu favor.

Presidente sai do processo eleitoral menor do que entrou

Impossível enxergar a olho nu traços de racionalidade na estratégia adotada por Jair Bolsonaro na disputa municipal de 2020. O presidente sai do processo eleitoral menor do que entrou.

Bolsonaro não pode atribuir o infortúnio senão a si mesmo. Exerceu na sua plenitude a prerrogativa de construir o seu próprio caminho para o vexame. Deu os primeiros passos no ano passado, quando deixou o PSL chutando a porta.

Sem partido, Bolsonaro fez escolhas suprapartidárias. Nas capitais, apoiou meia dúzia de candidatos. No geral, abraçou-se a afogados. E não teve força para içar seus favoritos. Em alguns casos, funcionou como bola de ferro.

Numa disputa em que o eleitor premia políticos bem avaliados na gestão da pandemia, a pregação do presidente contra a "turma do fique em casa" perdeu o prazo de validade.

A polarização de 2018 foi substituída por uma busca pela eficiência possível. Em 2020, o nós contra eles foi substituído pelo "eu e as minhas necessidades." O eleitor decidiu cometer erros diferentes.

Eleito como adepto do presidencialismo sem coalizão, Bolsonaro tinha no PSL o seu esteio. Imaginou-se que aproveitaria os primeiros meses no Planalto para engordar o partido. Mandou expulsar desafetos. E não atraiu um mísero parlamentar.

Na Câmara, o presidente dispunha dos votos dos 53 deputados do partido. Ao tomar o caminho da porta de saída, foi seguido por apenas 19 deputados. Trocou o apoio de 100% pela lealdade de 35,8%. Terminou no colo do centrão.

Obcecado pela ideia da reeleição, Bolsonaro deveria ter aproveitado a eleição municipal para consolidar o PSL nas principais cidades do país. A legenda dispõe de dinheiro e tempo de propaganda no rádio e na TV.

Juntos, o fundo partidário (R$ 113,9 milhões) e o fundo eleitoral (R$ 245,2 milhões) do partido somam R$ 359 milhões. Em vez de se entender com a legenda que cresceu na sua aba, Bolsonaro criou um sururu. Ficou sem bancada e sem dinheiro.

O presidente tentou criar seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil. Não conseguiu. A disputa municipal de 2020 seria uma oportunidade para estruturar uma máquina partidária nacional, equipando-se para 2022. Mas Bolsonaro não costuma perder oportunidade de perder oportunidades.

Apostou suas fichas no personalismo. No Congresso, ficou dependente do centrão. Na briga municipal, apequenou-se. Na sucessão de 2022, sua competitividade será proporcional aos resultados que for capaz de exibir, sobretudo na economia.

Na bica de completar dois anos, o governo Bolsonaro ainda é um conjunto de promessas pendentes de confirmação.

Maricas fizeram do voto pólvora para Bolsonaro

Em terra de cego, maricas que tem um olho não diz que o rei está nu. Prefere transformar voto em pólvora a gastar saliva com quem faz ouvidos moucos para a realidade.

Jair Bolsonaro será candidato à reeleição em 2022. A eleição municipal não altera esse plano. Mas o eleitorado sinalizou ao presidente que o segundo mandato depende do êxito, não do gogó.

O terraplanismo sanitário e a ideologia sem resultados foram como que jurados de morte no primeiro turno da eleição da pandemia. Mas Bolsonaro reagiu como se sua Presidência estivesse cheia de vida.

Crivado de recados, o presidente assistiu pela TV à derrota de candidatos que apoiou. Sem se dar conta de que internet não tem borracha, correu às redes sociais para apagar a lista dos seus preferidos.

De todos os waterloos que o último dia 15 impôs a Bolsonaro o mais devastador foi São Paulo. Ali, o capitão afundou abraçado a Celso Russomanno. E exibiu nas redes sociais uma pose de Napoleão desentendido.

"Há 4 anos Geraldo Alckmin elegeu João Dória prefeito de São Paulo no primeiro turno", anotou o Napoleão do Alvorada no Twitter. "Dois anos depois Alckmin obteve apenas 4,7% dos votos na disputa presidencial."

Obcecado por 2022, Bolsonaro olha para 2020 pelo retrovisor sem se dar conta do essencial: o êxito do prefeito tucano Bruno Covas, da turma do "fique em casa", explica porque 50% dos paulistanos rejeitam o presidente da "gripezinha".

Em política, o pior cego é o que se recusa a ouvir as urnas. Um pedaço do eleitorado paulistano ouviu Guilherme Boulos, do PSOL. Bolsonaro, não: "A esquerda sofreu uma histórica derrota nessas eleições…"

A onda de extrema-direita que levou Bolsonaro ao Planalto virou marola em 2020. Mas o presidente leva a mão à prancha. Enxerga na conjuntura eleitoral uma "clara sinalização de que a onda conservadora chegou em 2018 para ficar."

Bolsonaro demora a perceber que os principais surfistas desta eleição municipal são os partidos conservadores do centrão e assemelhados, ávidos por conservar suas boquinhas.

Bolsonaro olha para o futuro com olhos de Donald Trump. Defensor do voto impresso, vê o atraso como aperfeiçoamento. "Para 2022, a certeza de que, nas urnas, consolidaremos nossa democracia com um sistema eleitoral aperfeiçoado."

O presidente evocou "Deus, pátria e família." Deus, como se sabe, existe. Mas a desenvoltura do capitão prova que Ele já não é full time. Permitiu que a família Bolsonaro se casasse com a pátria e fosse morar no déficit público.

Incomodados, os maricas esboçaram nas urnas uma certa impaciência com o fato de ter que atravessar uma conjuntura tão despida.


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