18/04/2024 - Edição 540

Brasil

Risco de apagão no Amapá era conhecido por órgãos do setor

Publicado em 13/11/2020 12:00 -

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Os principais órgãos do setor elétrico do país sabiam dos riscos relacionados às condições de funcionamento dos equipamentos que entraram em colapso e ainda deixam grande parte do estado no 11º dia no escuro, com 13 das 16 cidades sem o fornecimento regular de energia elétrica e sem obedecer o prazo fixado pela Justiça para o restabelecimento de 100% do serviço.

De acordo com o jornal Valor Econômico, há documentos do Ministério de Minas e Energia, do Operador Nacional do Sistema (ONS) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) indicando que a subestação atingida, a SE Macapá, operava no limite da capacidade há cerca de dois anos.

A condição teria sido reportada ao ONS há 11 meses. Além de operar no limite, documento aponta que a subestação não tinha condições de religar imediatamente a rede se dependesse de um transformador sobressalente, como um “backup”.

Segundo o Valor, há ainda um relatório mostrando que um dos problemas com a segurança da linha pode ter ocorrido ainda na concepção do projeto. Em 2004, antes da contratação da empresa privada espanhola Isolux, o Comitê Técnico de Expansão da Transmissão do MME já indicava a necessidade de a SE Macapá ter “três transformadores e uma unidade reserva”.

Em outras palavras, estudos preliminares apontaram a necessidade de instalar quatro grandes transformadores na subestação, sendo que três deles deveriam operar em conjunto para que não houvesse sobrecarga — o quarto, de “backup”.

No apagão da semana passada, houve uma explosão de um transformador que atingiu o segundo em funcionamento naquele momento. A recomposição do sistema de abastecimento não foi possível já que o único transformador de backup, o terceiro, estava em manutenção desde o fim de 2019.

O blecaute já motivou mais de 80 protestos nas ruas e causou a suspensão das eleições em Macapá no domingo (15).

Somos brasileiros!

Imagine se a energia elétrica acabasse, de repente, nos Jardins e no Leblon, bairros nobres de São Paulo e do Rio, deixando a população não apenas sem luz, mas também sem abastecimento de água por vários dias.

Alimentos estragassem na geladeira e nos supermercados pela falta de refrigeração, semáforos deixassem de funcionar criando mais mortes no trânsito, o comércio parasse de aceitar cartões de débito e crédito pela falta de energia, restassem poucos caixas eletrônicos funcionando e, o pesadelo para muita gente, não houvesse mais wi-fi.

Imagine se os moradores desses bairros tivessem que carregar latas d'água na cabeça. E entrassem em desespero e ficassem vagando pelas ruas sem informação ou perspectivas.

Quanto tempo você acha que levaria para o problema ser resolvido?

Claro que a situação é diferente, pois o sistema elétrico nas duas capitais não depende apenas de um linhão, como em Macapá.

Mas hipoteticamente falando, se isso ocorresse em bairros nobres de megacidades, neste momento as cabeças dos governantes – dos prefeitos ao presidente – estariam na caçapa do impeachment se o poder público não resolvesse a questão imediatamente.

Sim, na hora da emergência, é o Estado que é convocado para arrumar o que as prestadoras de serviços públicos privadas deveriam ter feito.

Mas a comparação é boba, pois nem é tão hipotética. Se jovens brancos e ricos do Morumbi ou da Barra da Tijuca fossem mortos por policiais, traficantes e milicianos na mesma frequência que jovens negros e pobres são assassinados diariamente nas periferias, a elite governante do país já teria encontrado uma forma para que isso não acontecesse.

No Amapá, onde o apagão atingiu 90% da população do estado, o retorno da energia e da água demorou e, quando veio, foi na forma de rodízio. Mas moradores das áreas mais pobres reclamam que nem o rodízio se dignou a aparecer por lá.

A Justiça determinou que o problema fosse solucionado num prazo curto, mas o ministro das Minas e Energia disse que não ia rolar. Essa resposta é aceitável porque é no Amapá.

O problema apenas ganhou a preocupação nacional através das redes sociais, pela campanha #SOSAmapa – o que, convenhamos, é uma suprema humilhação para todos os brasileiros. Quase um lembrete do tipo: ei, Brasil, a gente existe.

Praticando um de seus esportes preferidos, o arremesso de responsabilidades, o presidente da República disse, no dia 9, que a energia no Amapá "não é de responsabilidade do Estado nem da União". Mas a agência que regula o setor elétrico é, e o próprio Bolsonaro já disse que ela tem autonomia, mas não é "soberana". Isso sem falar na ajuda insuficiente e atrasada para mitigar a situação.

Não desejo para nenhum lugar do Brasil o que está acontecendo com o Amapá. Mas o Amapá lembra que cidadania no Brasil é produto chique, não é para qualquer um.

E que estamos sem governo.


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