25/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Dúvidas frequentes de um aspirante a justiceiro

Publicado em 05/02/2014 12:00 - Rodrigo Amém

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Ok. Os aplausos da população me convenceram. A ação dos justicieiros não só é justificada como uma demonstração de insatisfaçāo dos verdadeiros trabalhadores deste país, como também deve ser louvada face à inoperância do Estado. As gangues de justiceiros são o rolezinho da classe média. No lugar de visibilidade, reivindicam vingança. Tudo bem. Tamo junto. Porque, se estamos falando de uma legítima e nobre manifestaçāo de insatisfaçāo democrática, se é praticamente uma iniciativa do terceiro setor, já que é a sociedade assumindo o vácuo do poder público, eu também quero justiçar.

Mas eu sou novo nisso e tenho dúvidas.

Primeiro: já entendi que nāo se trata de Lei de Taliāo, Código de Hamurabi, olho por olho e dente por dente. Se a puniçāo para pequenos furtos é ser espancado por três motoqueiros com tacos de beisebol, despido e preso a um poste com um cadeado de bicicleta no pescoço, a puniçāo nāo precisa ser proporcional. Mas pode ser inspirada em seriados de TV. Pergunta: já que já usaram Breaking Bad, posso me inspirar no Dexter?

As gangues de justiceiros são o rolezinho da classe média. No lugar de visibilidade, reivindicam vingança. Tudo bem. Tamo junto.

Segundo: já que o desrespeito religioso é crime de acordo com o artigo 208 do código penal, posso organizar uma fogueira santa de Israel para queimar todos os bandidos que desrespeitarem minha religiāo de alguma forma?

Terceiro: já que eu estou cumprindo meu dever de cidadāo de ser polícia, juiz, juri e carrasco, posso ser também legislador? Porque eu sei que nāo é crime, mas acho um abuso quando alguém fura a fila no cinema. É um desrespeito aos meus direitos. E aos direitos de quem está atrás de mim também. Ora, ponha-se no meu lugar pra ver se é bom! Tem que arrancar as unhas desse folgado com um alicate. Tá com dó? Leva pra casa!

Quarto: se eu estiver dirigindo a noite e ver o motorista ao lado tomando uma cerveja a caminho da balada, posso atirar no pneu dele? Afinal, é legítima defesa. Ele, alcoolizado, pode bater no meu carro. Ou atiro logo na cabeça nele?

Quinto: Se algum dia um colega justiceiro quiser me punir equivocadamente por um crime cometido por um outro careca, depois que eu o matar em legítima defesa, devo procurar o outro careca criminoso e executá- lo também ou me entregar à família do justiceiro equivocado para que ela sacie sua sede de justiça? Ou os dois? Quem terá prioridade na minha execuçāo sumária? E minha vingança póstuma? A quem pertencerá? Quando é que isso acaba?

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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