29/03/2024 - Edição 540

Ágora Digital

A Saúde sabotada

Publicado em 28/10/2020 12:00 - Victor Barone

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O governo federal não está realmente disposto a desistir de incrementar a privatização no SUS. Em transmissão ao vivo ontem, Jair Bolsonaro confirmou suas intenções: “Tivemos um probleminha ontem, um decreto sobre o SUS, que não tinha nada a ver com privatização. (…). Revoguei o decreto, fiz uma nota explicando o que era o decreto, dizendo que nos próximos dias poderemos reeditar o decreto, o que deve acontecer na semana que vem”. Não acrescentou detalhes.

Já Paulo Guedes deu mil voltas para tentar convencer alguém de que “jamais esteve sob análise privatizar o SUS”, em uma audiência pública no Congresso. “Seria uma insanidade falar nisso”, afirmou. É claro que, em seguida, ele partiu para a defesa de uma ideia que adora: a de vouchers na saúde.  “Está cheio de capital privado disponível. Aí eles vêm e se oferecem. ‘Olha, vamos fazer uma parceria público privada, a gente pode terminar as obras, vocês não gastam com obras, com equipamentos, e vocês dão um cheque-consulta, como se fosse um voucher de saúde, aí a pessoa vai ser atendida, é melhor do que não ter'”… 

O governo levou sua pior surra nas redes sociais. Segundo a consultoria Arquimedes, 98,5% das mais de 150 mil menções feitas no Twitter sobre o tema foram desfavoráveis ao decreto assinado por Jair Bolsonaro e Paulo Guedes na terça para fomentar “modelos de negócios” nas unidades básicas de saúde. Antes disso, o episódio com pior repercussão havia sido a falha na correção da prova do Enem, em janeiro deste ano, quando 90% das menções foram negativas à administração federal – o que dá a dimensão da atual popularidade do Sistema Único. 

Manifestações no Instagram e no Facebook aconteceram ao longo de todo o dia. Anitta divulgou para os seus quase 50 milhões de seguidores uma notícia sobre os planos de “desmonte do SUS”. Outros famosos que influenciam as redes se posicionaram, como Bruno Gagliasso, Emicida, Marcelo Adnet e Taís Araújo. A hashtag #DefendaOSUS dominou.

Iniciativas organizadas também ganharam tração muito rapidamente. Um abaixo-assinado contra o decreto somava até o início da noite de ontem mais de 50 mil assinaturas. No Congresso, ao menos oito projetos de decreto legislativo – medida capaz de sustar a decisão presidencial – foram apresentados. Os secretários estaduais de saúde reunidos no Conass se posicionaram, por unanimidade, pela revogação urgente do decreto.

Antes de falar sobre o governo que, ao longo do dia de ontem, tentou rebater críticas para evitar o recuo – e do recuo em si –, é importante analisar essa mobilização em defesa do SUS.

Uma interpretação corrente entre sanitaristas é que o Sistema Único não ganhou corações e mentes como aconteceu com outros sistemas públicos universais, sendo o NHS britânico o bom exemplo nesse sentido. Seria assombrado pelo “fantasma da classe ausente”, tendo muitos defensores nas universidades, por exemplo, e poucos entre as massas de trabalhadores que têm contato com todas as dimensões do SUS, incluindo a assistencial. Confrontados com a escolha entre SUS e planos de saúde, optariam sempre pela segunda alternativa. Os sindicatos representam muito bem o dilema já que, depois de 1988, continuaram lutando por cestas de benefícios que têm como cereja do bolo os convênios médicos.  

Há quem concorde com a análise, e quem a rebata no âmbito acadêmico. Mas, a despeito da posição que se adote nesse debate, um cavalo selado parece estar passando. A pandemia teve o condão de despertar o orgulho pelo SUS em uma parcela significativa da população. É visível que, hoje, há muito mais ‘formadores de opinião’ dispostos a se mobilizar em favor do direito à saúde do que antes. As entidades da reforma sanitária que, por muito tempo, gritaram sozinhas contra os ataques ao Sistema hoje têm aliados nos recônditos mais inusitados. Não seria má ideia aproveitar essa onda de popularidade e fazer uma campanha nacional pelo SUS público, universal e de qualidade.

Bolsonaro Disse que o “espírito do decreto” ia no sentido de “permitir” que usuários do SUS buscassem “a rede privada com despesas pagas pela União”. Se o decreto visava o fomento de parcerias público-privadas apenas para unidades básicas de saúde, isso não faz muito sentido. Mas se a gente lembrar de uma proposta do seu programa de governo – o “credenciamento universal” dos médicos, o que permitiria às pessoas “maior poder de escolha” – e uma ideia de seu ministro da Economia – os vouchers dados pelo Estado para consultas privadas – as coisas se encaixam um pouco melhor. 

No mais, o presidente e alguns de seus correligionários trataram a ampla reação ao decreto como fruto de “fake news”. Segundo Bolsonaro, “em momento algum” o texto “sinalizava para a privatização do SUS”. 

O Ministério da Economia divulgou uma nota que buscava atenuar a investida privatizante, garantindo que os serviços seguiriam “sendo 100% gratuitos para a população”. E há mesmo uma confusão entre privatização e desembolso direto do cidadão para usar a assistência no SUS. A primeira pode acontecer sem a segunda. Já acontece, aliás. 

E foi justamente nesta tecla que os membros da equipe econômica bateram, defendendo o decreto à luz do atual grau de privatização do Sistema – que, convenhamos, é avançado (mas não terminal como gostaria o governo). 

O secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade no Ministério da Economia, Geanluca Lorenzon, afirmou que “a maior parte dos procedimentos do SUS já são executados pelo setor privado (Santas Casas)” e que as PPPs em saúde “já existem”. No caso do atendimento hospitalar, o SUS de fato herdou do Inamps a cultura de compra de procedimentos. Notamos, porém, que as Santas Casas recebem bilhões em empréstimos do governo federal justamente por se venderem não como ‘setor privado’, mas como filantrópicas. 

À coluna Painel, gente da equipe econômica também lembrou que a gestão privada de unidades básicas existe na cidade de São Paulo, “onde o Sírio-Libanês e o Einstein administram parte da rede com recursos públicos”. Isso é verdade – mas há outra inconsistência que revela mais um nó atado no SUS. O Sírio tem uma Organização Social (OS) e o Einstein é qualificado como uma. E é via OSs que a gestão de algumas unidades paulistanas foi terceirizada, como acontece em diversas outras cidades. Além disso, ambos os lucrativos hospitais foram considerados pelo Ministério da Saúde como ‘filantrópicos de excelência’ e não pagam impostos. 

Já Martha Seillier, secretária especial do PPI, escolheu fazer propaganda das parcerias público-privadas citando Belo Horizonte e o Hospital do Subúrbio, na Bahia. “Não estamos inventando nada novo. Tudo já existe, mas em raros exemplos. Queremos multiplicar no Brasil todo“, declarou ao Estadão. Ela também deu detalhes de para onde caminhariam os estudos sobre criação de “modelos de negócios” nas unidades básicas. A PPP poderia ser “bata cinza”, o que inclui construção da infraestrutura, manutenção, operação, limpeza e segurança. Ou “bata branca”, quando há contratação de profissionais de saúde.

Diante da repercussão negativa, o Ministério da Economia divulgou que a ideia de incluir as unidades básicas no PPI partiu do Ministério da Saúde. Quem conhece as posições de Erno Harzheim, ex-secretário da Atenção Primária da pasta, não se surpreendeu. 

PARA ENTRAR NO RADAR

Pelo menos sete ministros do Supremo já sinalizaram nos bastidores que, se necessário, tomarão posição pela obrigatoriedade da vacina contra o coronavírus por entenderem que o direito coletivo à saúde se sobrepõe à liberdade individual. Mas isso pode acontecer não no âmbito das ações que alguns partidos moveram diante do novo cavalo de batalha do presidente Jair Bolsonaro, e sim no julgamento de outro caso, do qual já falamos por aqui

Trata-se de uma disputa que vem sendo travada desde 2019 por pais de uma criança e o Ministério Público de São Paulo. Eles se recusaram a vacinar o filho, então com três anos, por serem “adeptos da filosofia vegana”. O MP entrou na Justiça para obrigá-los a cumprir o calendário da vacinação infantil. 

O recurso dos pais chegou ao STF em maio. Em setembro – portanto antes da crise atual da vacina, mas já depois das primeiras declarações de Bolsonaro na direção da não obrigatoriedade de imunização transformadas em propaganda pela Secom –, os ministros decidiram que esse julgamento deveria ter repercussão geral. Ou seja, o que ficar decidido vai passar a valer para todos os casos similares no país.

Esse caso precisa entrar no radar por duas razões. Em primeiro lugar, e como nota o Estadão, nenhuma das ações movidas pelos partidos pede explicitamente que se decida sobre a obrigatoriedade da vacinação no Brasil. Elas miram nacos mais restritos desse universo. 

O PTB pede que o Supremo declare inconstitucional o trecho da lei sancionada este ano pelo próprio Bolsonaro que prevê a compulsoriedade da vacinação como parte das medidas de enfrentamento da crise sanitária. O partido é base do governo. Já o PDT quer que o STF reconheça a competência de estados e municípios para determinar ou não a vacinação compulsória da população. O caso da criança paulista, ao contrário, aponta para uma discussão mais ampla: as vacinas infantis previstas no Programa Nacional de Imunizações devem ser compulsórias? 

A segunda razão para prestarmos atenção é que esse julgamento pode acontecer antes (até porque, segundo apurações da imprensa, tem gente no Supremo que prefere evitar o embate com Bolsonaro enquanto ainda não há vacina aprovada pela Anvisa). O relator do caso é Luís Roberto Barroso, que já declarou que sua visão será a de “valorização da ciência e do conhecimento técnico”.

De todas as quatro ações movidas por partidos, a do PDT é a que rende mais pano para manga do ponto de vista de quem se interessa por políticas de saúde. O partido quer que o Supremo siga o mesmo entendimento de abril, quando definiu que fazia parte da esfera de competências locais decretar quarentenas. Agora, prefeitos e governadores poderiam ter diante de si o poder de estabelecer se a campanha de vacinação contra o novo coronavírus será compulsória ou não. 

Segundo o Estadão, “nos bastidores do STF, a leitura é que o tribunal deverá, no mínimo, abrir caminho para que estados e municípios imponham a vacinação obrigatória – mas também é possível que já seja tomada uma definição no sentido da obrigatoriedade da vacina de covid-19, se e quando houver um imunizante com eficácia garantida”. Ou seja, a ação pode levar a uma interpretação mais ampla por parte dos ministros. Mas se a corte se restringir ao escopo do que pede o PDT teremos um dilema pela frente. 

Isso porque, como lembra o sanitarista Reinaldo Guimarães, o Programa Nacional de Imunizações tem uma lógica vertical desde que foi criado, em 1973. “Historicamente, todas as campanhas nacionais de vacinação são verticalizadas, tendo o PNI no topo da coordenação. Campanhas estaduais quando o alvo é nacional ocasionarão uma imensa confusão e desperdício. Se houver a autorização estadual para a definição de obrigatoriedade ou não de tomar a vacina, a confusão se completará”, escreve no site da Abrasco. 

A razão para isso é simples: as pessoas circulam. Mudam de cidade, passeiam, trabalham num local e moram em outro. As doenças preveníveis por vacina não teriam sido controladas no passado se a cobertura de um imunizante variasse muito, sendo de 95% em um local e 50% em outro. 

De um certo ponto de vista, pode parecer positivo que a decisão pela obrigatoriedade desta futura vacina seja local. Mas isso pode fazer com que campanhas que já funcionam nacionalmente há décadas sejam sabotadas por este ou aquele chefe de Executivo. E num momento em que as coberturas vacinais estão em vertiginosa queda por vários motivos (apenas 35% das crianças foram vacinas contra pólio até agora no Brasil).  

Pensando especificamente na covid-19, há outro fator que devemos levar em consideração – e que foi ressaltado pelo jornalista Álvaro Pereira Jr no podcast O Assunto. É que as primeiras vacinas a serem aprovadas emergencialmente provavelmente não serão aquelas com os maiores níveis de eficácia. Os imunizantes estão na faixa dos 50%, ou seja, a cada cem pessoas vacinadas, só metade estará efetivamente protegida do vírus. Isso tem repercussões para o restante das ações de enfrentamento – que não podem ser simplesmente abandonadas em nome do ‘velho normal’ – e para o índice de cobertura vacinal.

Então, mesmo que seja obrigatória, uma vacina com 50% de eficácia deixa uma margem considerável de suscetíveis. Se a decisão sobre vacinar ou não for fragmentada, o nível de proteção coletiva tende a ficar ainda mais instável. 

Em outros tempos, o esperado seria investir muito em comunicação para convencer as pessoas sobre a importância de tomar a vacina. Com o presidente jogando contra, tudo fica mais difícil. 

REFORÇANDO O VIÉS

Jair Bolsonaro voltou a falar sobre vacina. Em uma transmissão feita por um canal pró-governo, declarou a apoiadores: “Não pode um juiz decidir se você vai ou não tomar a vacina. Isso não existe”. Como diria o general Ramos, depois de esticar a corda, o presidente se faz de inocente…

Tem mais: “Eu dou minha opinião pessoal: não é mais fácil e barato investir na cura do que na vacina? Ou jogar nas duas, mas também não esquecer da cura? Eu, por exemplo, sou uma testemunha. Eu tomei a hidroxicloroquina, outros tomaram a ivermectina, outros tomaram Annita e deu certo”, propagandeou pela milésima vez. 

O presidente também voltou a incidir sobre um debate que seria muito razoável – a necessidade de não se apressar a aprovação de uma vacina – do seu jeito peculiar, colocando em dúvida o esforço científico internacional para criar a tecnologia em tempo recorde: “Pelo que tudo indica, todo mundo diz que a vacina que menos demorou até hoje foram quatro anos, não sei por que correr em cima dela.”

É preciso medir se o esforço que Bolsonaro vem construindo desde terça passada para desacreditar a vacinação impactou na disposição dos brasileiros em tomar um imunizante. O Datafolha de agosto mostrava que 89% estavam dispostos a se vacinar. 

Mas uma pesquisa mostra que Bolsonaro pode contribuir para aumentar temores já instalados em uma parcela da população, dado sua campanha para difamar a vacina desenvolvida pela chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.

Levantamento da UnB feito entre 23 de setembro e 2 de outubro – portanto, antes da crise – mostra que já existia um viés em relação à CoronaVac. Quando perguntados sobre intenção de se vacinar, sem indicação da origem do imunizante, 78% dos entrevistados responderam que sim. Mas quando a pergunta incluiu a China como origem, a intenção diminuiu em 16,4%. 

Curiosamente no caso da vacina russa – que, de fato, ainda precisa de mais transparência nos resultados dos testes – a queda é ligeiramente menor, de 14,1%. As menos rejeitadas são vacinas com origem nos EUA (-7,9%) e a vacina de Oxford/AstraZeneca (-7,4%) – que é a principal aposta do governo federal. Foram ouvidas 2.771 pessoas.

EM SITUAÇÃO PRECÁRIA

Como sabemos, as ações do governo federal para proteger a população indígena foram quase nulas; quando houve, aconteceram com enorme atraso, e sob pressão do STF. No começo de julho, Bolsonaro sancionou uma lei vinda do Congresso aprovando um plano emergencial. Entre outros pontos, o texto estabelecia a garantia de segurança alimentar e nutricional e determinava que a distribuição de cestas básicas seria feita principalmente pelo poder público. Só agora, três meses depois, o presidente editou uma medida provisória abrindo crédito para a compra de alimentos para indígenas, quilombolas e pescadores artesanais. A verba vai garantir o abastecimento de 612 mil famílias por três meses.

Desde o começo da pandemia, era esperado que o garimpo e o desmatamento abrissem caminho para o coronavírus nas aldeias. Uma pesquisa trouxe dados concretos e comprovou essa hipótese, ao cruzar dados da Sesai com informações do Deter (o sistema do Inpe que capta o desmatamento na Amazônia em tempo quase real). Os resultados indicam que essas duas atividades geraram pelo menos 22% de todos os casos de covid-19 confirmados em povos indígenas até o fim de agosto. “Nos municípios que têm desmatamento e mineração ilegal, os casos de covid sobem 179%, em média”, diz o  economista Humberto Laudares, autor do estudo e pesquisador da Universidade de Genebra, na Suiça.

Por Outra Saúde

CONTA EXCLUÍDA

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, apagou uma mensagem no Twitter em que criticava o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Salles disse que foi avisado de que alguém utilizou indevidamente sua conta no Twitter durante a noite e que, apesar de diferenças de opinião, sempre manteve relação cordial com o presidente da Casa. Pouco depois, a conta de Salles apareceu como "excluída" do Twitter. Na noite de quarta-feira (28), ao responder críticas feitas pelo parlamentar à sua gestão no final de semana por Maia, Salles atribuiu o apelido de "Nhonho" ao parlamentar fluminense, o que gerou imediata repercussão nas redes sociais. Nhonho é um dos personagens do seriado mexicano Chaves.

BARROS STRIKES AGAIN

Quem acompanhou a passagem de Ricardo Barros pelo Ministério da Saúde teve uma sensação de déjà-vu. Ficou famosa a entrevista que ele concedeu à jornalista Claudia Collucci logo que tomou posse como ministro do governo Temer. Nela, o político usava o exemplo grego para defender uma nova Carta Magna. “A Constituição Cidadã, quando o Sarney promulgou, o que ele falou? Que o Brasil iria ficar ingovernável. Por quê? Porque só tem direitos lá, não tem deveres. Nós não vamos conseguir sustentar o nível de direitos que a Constituição determina. Vamos ter que repactuar, como aconteceu na Grécia, que cortou as aposentadorias, e em outros países que tiveram que repactuar as obrigações do Estado porque ele não tinha mais capacidade de sustentá-las”, disse na época.

Inspirado pelo plebiscito chileno – que, aliás, deve resultar em diretrizes constitucionais que ampliem o direito à saúde –, Barros voltou a advogar a ideia. “Acho que devemos fazer um plebiscito, como fez o Chile, para que possamos refazer a Carta Magna e escrever muitas vezes nela a palavra deveres, porque a nossa Carta só tem direitos e é preciso que o cidadão tenha deveres com a nação”, disse, completando depois que o governo não dá conta de “entregar todos os direitos que a Constituição decidiu em favor de nossos cidadãos”.

Barros, mais uma vez, ocupa uma posição de poder e é líder do governo na Câmara dos Deputados. Quando tinha a caneta no ministério, tentou emplacar na ANS uma resolução que buscava contornar a legislação dos convênios médicos para criar ‘planos de saúde populares’, cortando financiamento público e empurrando a população para o mercado nos moldes do Chile de Pinochet.

SOB FOGO CERRADO

No último dia 21, o Ibama paralisou o combate aos incêndios no Pantanal. No dia 23, retomou os trabalhos – embora com número menor de brigadistas. Entre uma coisa e outra, estourou uma crise dentro do governo. O embate acontece entre Ricardo Salles (Meio Ambiente) e a ala militar. 

El País contextualiza bem o problema. Segundo fontes ouvidas pelo site, Salles teme sofrer impeachment pela omissão no combate aos incêndios nas matas brasileiras. Uma forma para justificar a letargia é alegar que faltam recursos. E para pressionar pela liberação, o ministro tem determinado a paralisação das atividades dos brigadistas. A estratégia foi usada em agosto e, novamente, na semana passada. Em ambos os casos, o Ministério da Economia liberou mais recursos. “Tudo parece um jogo de cena. Parece que querem deixar o ministro como uma espécie de herói, que ele não é”, afirmou um servidor antigo do Ibama.

Só que o jogo de cena acaba irritando os militares, que resolveram se colocar de biombo na área ambiental. A colunista Bela Megale publicou na quinta-feira uma nota dizendo que Salles estava esticando a corda com os fardados. O ministro do Meio Ambiente reconheceu as digitais de Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) na notícia. O general gosta dessa expressão: ficou famosa uma entrevista à Veja em que ele afirma que falar em golpe militar seria ultrajante, mas que não se deveria “esticar a corda”. 

Na noite do dia 22, Salles tuitou que o militar estava agindo como ‘Maria fofoca’ e postou – para logo depois apagar – uma imagem do desenho animado Banana de Pijama, ironia dirigida ao general, que passou para a reserva do Exército há pouco tempo. Tudo isso foi replicado pelos bolsonaristas atuantes na rede, inclusive por Eduardo Bolsonaro.  

No campo das reações críticas, entraram Hamilton Mourão (caracterizando o tuíte como “péssimo”), Rodrigo Maia (que acusou Salles de além de destruir o meio ambiente, tentar destruir o governo) e até o anódino Davi Alcolumbre (que observou que não é saudável que um ministro ofenda publicamente outro). 

No início da tarde do dia 25, o ministro do Meio Ambiente recuou, anunciando que pediu desculpas a Ramos. A ordem teria partido de Bolsonaro, interessado em colocar panos quentes no atrito. Nos bastidores, porém, a história parece ser outra. Segundo Lauro Jardim, os conflitos “permanecem em temperatura alta”, “nada está pacificado” e “a ala militar está trabalhando unida contra o ‘grupo ideológico’  e vice-versa”. 

ESPERA QUEIMAR

O governo federal tem gastado com prevenção apenas 6% da verba destinada a controle de fogo em unidades de conservação. A conclusão é de um estudo da UFMG, que analisou de forma inédita dados da atuação do ICMBio na Amazônia e no Cerrado entre 2012 e 2016 (último ano em que as informações necessárias à modelagem estariam disponíveis, segundo os pesquisadores). Em média, a Amazônia teve 318 brigadistas e orçamento de R$ 1,55 milhão por ano para atuar nessas áreas. Já o Cerrado teve 526 agentes a um gasto anual de R$ 2,7 milhões. Nas áreas públicas da Amazônia, as ações dos brigadistas reduziram os estragos do fogo nas unidades de conservação em mais de 63% em relação às UCs que não receberam socorro. No Cerrado, mais pessoal e recursos, o impacto foi menor: 11,6%.

Por Outra Saúde

ARROZ

Jair Bolsonaro se irritou com um homem que pediu a redução do preço do arroz durante um passeio do presidente pelo Distrito Federal. "Bolsonaro, baixa o preço do arroz, por favor. Não aguento mais", disse o homem que o abordou enquanto ele se preparava para subir em sua moto, segundo relato da Folha de S. Paulo. "Tu quer que eu baixe na canetada? Você quer que eu tabele? Se você quer que eu tabele, eu tabelo. Mas você vai comprar lá na Venezuela", respondeu o presidente. Puxada pelo aumento no preço de alimentos, a prévia do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15) registrou alta de 0,94% no mês de outubro. O índice, que serve como uma prévia da inflação no país, registrou a maior alta para o mês de outubro em 25 anos e já acumula alta de 2,31% desde janeiro e 3,42% nos últimos 12 meses.

CARRO LINGUIÇA

Carro da linguiça no Rio, veraneio em São Paulo, carro prata no Pará, a barca em Goiânia, motoqueiro fantasma no Rio Grande do Norte. Por todo o país, ataques de criminosos contra alvos específicos que não veem problemas em atingir também quem estiver por perto deixam dezenas de mortos e feridos e não são nem considerados um problema pelas autoridades de segurança. Apenas na região metropolitana do Rio, aconteceram 91 ataques desse tipo nos últimos dois anos deixando 128 mortos e 115 feridos.

BALANÇO DO COVIDÃO

Chega a R$ 2 bilhões as verbas públicas que podem ter sido desviadas durante a pandemia. A conta é da Controladoria Geral da União e serve de base para as investigações da Polícia Federal sobre fraudes em licitações, compras de insumos com empresas de fachada e superfaturamento na aquisição de equipamentos. Desde abril, já foram deflagradas 52 operações em 19 estados – ações que somaram 11 prisões preventivas, 120 detenções temporárias e 929 mandados de busca e apreensão. Sozinho, o Rio de Janeiro pode ter sido responsável por quase metade do valor desviado no país: R$ 835 milhões estão sob suspeita. Sempre bom lembrar que as operações também acontecem em um contexto de polarização entre governo federal e gestores estaduais e municipais, e logo chamou atenção terem sido antecipadas pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) que batizou o conjunto da obra de ‘Covidão’.

Por Outra Saúde

BOIOLAGEM...?

O presidente Jair Bolsonaro pediu desculpas após ter feito uma piada preconceituosa ao tomar o Guaraná Jesus, refrigerante cor-de-rosa popular no Maranhão, durante visita ao estado nordestino.

— Pessoa, fiz uma brincadeira. Se alguém se ofendeu, me desculpa aí, tá certo. O Guaraná Jesus, devido à cor dela, cor-de-rosa — disse Bolsonaro, durante transmissão ao vivo nas redes sociais, enquanto bebia o produto.

Mais cedo, ao visitar o Maranhão, o presidente tomou o refrigerante e questionou se teria virado "boiola", devido à cor da bebida.

— Agora, eu virei boiola igual maranhense, é isso? Olha o guaraná cor-de-rosa do Maranhão ai ó. Quem toma esse guaraná vira maranhense — disse, rindo, enquanto mostrava o copo com a bebida.

Cerca de um minuto depois, Bolsonaro volta a falar de "boiolagem" ao citar a cor do refrigerante.

— Guaraná cor-de-rosa do Maranhão, fudeu, fudeu. É boiolagem isso aqui — afirma.

Ao comentar o episódio, ele afirmou que o interlocutor levou a brincadeira "na esportiva" e disse ver "maldade" nas críticas que recebeu nas redes sociais.

— A brincadeira que eu fiz não foi televisão, não. Tava conversando com o cara "Pô, o guaraná é cor-de-rosa aqui". Falei uns troços lá, alguém pegou, divulgou, não sei o que, como se eu tivesse ofendendo aí quem quer que seja no Maranhão. Muito pelo contrário. Com quem eu tava brincando era um maranhense, que levou na esportiva. Agora, a maldade está aí — disse o presidente.

A declaração de Bolsonaro foi criticada pelo governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), que faz oposição ao presidente e prometeu processá-lo.

"Bolsonaro veio ao Maranhão com sua habitual falta de educação e decoro. Fez piada sem graça com uma de nossas tradicionais marcas empresariais: o guaraná Jesus. E o mais grave: usou dinheiro público para propaganda politica. Será processado.”

ESTÁ SUSPENSA

A ministra do STF Rosa Weber derrubou ontem a decisão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que permitia a exploração de manguezais e restingas. A decisão veio em liminar, por conta da ação movida pelo partido Rede Sustentabilidade. Agora, a medida agora fica suspensa até que o mérito seja julgado no STF. 

PELO FIM DAS ISENÇÕES

Começou um importante julgamento no STF: o que vai avaliar a inconstitucionalidade de determinados benefícios fiscais para agrotóxicos. Hoje esses produtos têm redução de 60% da base de cálculo do ICMS e, fora isso, alguns deles têm ainda isenção total do IPI. Todo ano o Brasil perde em torno de R$ 8 bilhões por conta de tais regalias. E isso é só os que os governos deixam de arrecadar –  tem ainda o que o SUS gasta com intoxicações e adoecimentos decorrentes do uso desses produtos. 

O que está em pauta no Supremo é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, ajuizada pelo PSOL em 2016.  Ao lado do partido, a Procuradoria-Geral da República e entidades da saúde e da agricultura familiar pedem a extinção dos benefícios; defendendo a manutenção, estão a União e representantes do agronegócio. O julgamento corre no plenário virtual e está previsto para terminar no dia 10 de novembro, mas, se houver pedidos de vista ou destaques – o que é bem provável –, tem que ser reiniciado no plenário presencial, com data a ser marcada pelo presidente Luiz Fux. Nesse caso, é difícil prever um fim para essa história: a ADI já entrou duas vezes na pauta do plenário presencial, e em ambas o julgamento foi adiado por falta de tempo. 

Quem defende a manutenção do ‘bolsa-veneno’ argumenta que ela é necessária para manter baixo o preço dos alimentos no Brasil. Só que não é bem assim, já que o grosso dos agrotóxicos vai para culturas voltadas à exportação. E esses preços não são ditados pelos produtores, mas pelo mercado internacional. As pequenas propriedades são as que mais produzem alimentos para consumo interno e, ao mesmo tempo, as que menos usam venenos. Seriam, portanto, pouco afetadas.  

Para oferecer os benefícios fiscais, o Estado se vale do princípio da seletividade tributária, que permite isenções a produtos essenciais à vida. O PSOL argumenta que este não é o caso dos agrotóxicos; se as isenções fossem voltadas aos produtos alimentícios propriamente, aí sim, a população estaria mais protegida… Mas isso não está sequer no horizonte. “O critério da essencialidade aplicado para os agrotóxicos é mais uma das injustiças fiscais com as quais a gente convive. (…) Em contrapartida, o que é essencial para a vida do povo é o alimento, que não se encaixa neste mesmo critério”, nota Juliana Acosta, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Por Outra Saúde

GENTE DE BEM

Pai do Diogo Mainardi, Enio Mainardi, falando do negro nos comerciais (anos 80).

GENTE DE BEM 2

A governadora interina de Santa Catarina, Daniela Reinehr (sem partido), se esquivou de responder se compactua ou não com pensamentos neonazistas e negacionistas do Holocausto. Ela foi questionada sobre o tema por jornalistas durante sua primeira coletiva de imprensa como chefe de governo estadual, após tomar posse No dia 27– Reinehr assumiu o cargo temporariamente após o afastamento do governador Carlos Moisés (PSL), que é alvo de um processo de impeachment. A pergunta não foi à toa. O pai dela, o professor de história Altair Reinehr, é conhecido por defender ideias neonazistas e por negar o genocídio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Seus pensamentos foram expostos em textos em que ele relativiza o nazismo e teriam sido propagandeados até mesmo em sala de aula.

GENTE DE BEM 3

Autor do bárbaro assassinato de um morador em situação de rua em São Luis, no Maranhão, o empresário Geucimar Lima Duarte Junior, conhecido como “Capoeira”, é autor de pelo menos outro assassinato na capital maranhense e tem uma extensa ficha corrida, com ao menos 7 processos. Geucimar assassinou Carlos Alberto Santos, supostamente por ter furtado marmitas de seu restaurante, arrastando o homem por uma corda amarrada em sua caminhonete Hilux. As imagens divulgadas pela polícia são fortes. Nelas, é possível observar que o dono do restaurante tortura o homem ao arrastá-lo pelas ruas de maneira fria. Ele, inclusive, para o carro em um determinado momento para pegar água com o vigilante, bebe tranquilamente e segue com o crime. Além de arrastar Santos pelo asfalto, o empresário deu marcha-a-ré e passou com o veículo por cima do homem.

FRASES DA SEMANA

“Lula é um homem generoso, de coração grande. Mas penso que qualquer aproximação com Ciro Gomes passa por um pedido público de desculpas dele ao Lula e ao PT, pelo que ele disse”. (Gleisi Hoffmann, presidente do PT, que pode pensar o que quiser, mas só faz o que Lula mandar)

“Cemitério de propostas de 2020: 1. PEC Pacto Federativo; 2. PEC Reforma Tributária; 3. PEC Reforma Administrativa; 4. CPMF; 5. Congelar aposentadorias; 6. Acabar com abono do PIS; 7. Privatizar o SUS. O que mais inventarão até o fim do ano?” (Flávio Dino, governador do Maranhão)

“É a primeira vez que se tem uma relação não de estado a estado, mas uma relação quase pessoal, de governante a governante. Esse tipo de relação desaparece se desaparecer Trump. Será então necessário reconstruir uma relação de Estado”. (Rubens Ricupero, embaixador aposentado) 

“Tu quer que eu baixe na canetada? Você quer que eu tabele? Se você quer que eu tabele, eu tabelo. Mas você vai comprar lá na Venezuela”. (Jair Bolsonaro, em resposta a um dos seus devotos que reclamou do preço alto do arroz) 

“O ministro Ricardo Salles, não satisfeito em destruir o meio ambiente do Brasil, agora resolveu destruir o próprio governo”. (Rodrigo Maia, presidente da Câmara, em defesa do general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo, chamado por Salles de Maria Fofoca)

“O senhor está fazendo uma campanha muito consistente. Achei legal botar a Erundina ali do lado, ela foi uma prefeita muito boa. […] Lembrei-me da minha avó. E não tem coisa mais legal que a imagem da avó. Erundina inspira honestidade.” (De Luiz Datena para Guilherme Boulos)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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