28/03/2024 - Edição 540

Ponte Aérea

Uma esquerda sem rumo

Publicado em 21/10/2020 12:00 - Raphael Tsavkko Garcia

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Sempre que eu acho que a esquerda não consegue mais me surpreender negativamente ela vai lá e ri da minha cara apresentando algum novo absurdo.

Samuel Patty, um professor francês de 47 anos foi decapitado (vou repetir, DECAPITADO) por um terrorista islâmico em uma cidade próxima a Paris.

Qualquer pessoa normal ficaria absolutamente revoltada, mas parte da esquerda não. Na verdade tentaram justificar a DECAPITAÇÃO do professor porque, vejam que horror, ele mostrou caricaturas do Maomé para seus alunos.

Segundo essa esquerda, os muçulmanos são oprimidos, logo, o professor DECAPITADO talvez não tenha sido exatamente uma vítima. Acreditem, eu li incontáveis "argumentos" exatamente como esse. A culpa, claro, é da vítima, que ousou usar sua liberdade de expressão (que, sabemos é uma deturpação burguesa e liberal, logo fascista) para mostrar caricaturas de Maomé, o fundador de uma religião oprimida – como bem observamos na Arábia Saudita.

Alguns comentaristas (e não apenas da esquerda brasileira) também se revoltaram pela polícia ter matado o terrorista – que portava uma arma falsa e a faca que usou para DECAPITAR o professor.

São poucas as ocasiões em que fico sem palavras, mas devo admitir que diante da quantidade de comentários assustadores de certa esquerda eu fiquei sem resposta, apenas observando, pasmado, enquanto pessoas que dizem defender os direitos humanos culpavam um homem DECAPITADO pelo crime que sofreu e se colocavam contra o direito à liberdade de expressão porque aparentemente criticar o islamismo (ou sequer debater sobre charges) equivale a pedir para ser morto.

A mesma esquerda que se revolta (e com razão) quando culpam uma mulher estuprada pela roupa que usava é a que defende um terrorista islâmico porque ele seria supostamente oprimido após arrancar a cabeça de um professor de escola.

Usou saia curta e foi estuprada? Ninguém mandou ser livre e sair de casa vestida como p*.

Mostrou uma caricatura de Maomé e foi DECAPITADO? Ninguém mandou exercer sua liberdade de expressão e agir como opressor.

Dizem que eu critico demais a esquerda, mas o que eu posso fazer quando eu vejo o meu lado ideológico se comportando como o pior dos bolsominions e se colocando contra os direitos humanos, a liberdade de expressão e qualquer noção de dignidade e respeito?

Fica a dúvida se defender direitos LGBT's também é uma forma de islamofobia ou de opressão, afinal sabemos muito bem como a maioria dos países islâmicos trata essa população. Direito das mulheres também está proibido? Ou mesmo liberdade religiosa, afinal tornar-se ateu também garante pena de morte em várias partes do mundo islâmico. Coerência. A esquerda vai apoiar os pais fundamentalistas que, no Reino Unido se opunham ao ensino de tolerância aos LGBTs na escola? Ou só pode protestar se for fundamentalismo cristão, mas o islâmico está ok?

Existe uma diferença gritante em reconhecer os males do colonialismo ou que existe realmente islamofobia em algumas situações e justificar a decapitação de um professor por se expressar ou abandonar os direitos humanos com justificativas pífias (bem, qualquer justificativa seria pífia).

Por mim eu colocaria caricaturas do Maomé em cada esquina da França como forma de mostrar aos fundamentalistas que a liberdade de expressão está acima do ódio deles e que numa democracia você tem que viver com opiniões e posições contrárias a sua. O fundamentalismo religioso tem que ser combatido, seja ele islâmico ou cristão (que cada vez se mostra mais ativo no Brasil dos neopentecostais) e não há nada pior do que ver a esquerda passando a mão na cabeça de fundamentalismo com a desculpa esfarrapada de "opressão".

Ao invés dessa esquerda debater medidas necessárias para garantir a democracia e o respeito aos direitos humanos e à liberdade de expressão, ela se coloca ao lado da censura, da violência e do fundamentalismo. A extrema-direita agradece.

#JeSuisCharlie #JeSuisSamuel

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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