28/03/2024 - Edição 540

Brasil

Medidas do governo para bancar Renda Cidadã têm cara de Reforma Trabalhista

Publicado em 08/10/2020 12:00 -

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É tanta proposta que vem sendo analisada pelo governo Bolsonaro para tirar dos pobres para dar aos mais pobres que a impressão é estarmos vivendo em uma grande pegadinha. Tipo, em algum momento, vai aparecer o Ivo Holanda e dizer "é brincadeira, é brincadeira, olha lá a câmera escondida". Ou que o Sérgio Mallandro vai sair de trás de alguma moita e gritar: "Rá! Peguei vocês! Era zoeira! Acharam que haveria um governo tão sem noção assim?"

A equipe econômica segue sua saga para garantir a continuidade do pagamento do auxílio emergencial a uma parte dos beneficiários a partir do ano que vem. Como? Aumentando o valor e o número de pessoas que recebem o Bolsa Família, que será rebatizado como Renda Cidadã, Renda Brasil, Renda Queiroz, Renda Anauê, seja lá como for.

De uma coisa o governo Bolsonaro não pode ser acusado: falta de criatividade. Quase todo o dia surge uma proposta nova para que trabalhadores pavimentem, com sua dignidade, o caminho para a reeleição do presidente. Sim, o céu de Brasília está todo colorido de balões de ensaio da equipe econômica, sugerindo formas diferentes de fazer uma redistribuição de renda – apenas do andar de baixo, claro.

Limitar o acesso ao abono salarial, ao seguro-defeso pago aos pescadores e ao salário-família.

Dificultar o recebimento do Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos em situação de miséria.

Liberar o FGTS em parcelas para trabalhadores demitidos antes de começar a desembolsar o seguro-desemprego.

Suspender por dois anos os reajustes de aposentadorias, pensões e auxílios.

Bloquear o pagamento de precatórios, que significa calote em aposentados e pensionistas credores do INSS.

Reduzir salários e jornadas de servidores públicos, lembrando que temos mais professores e enfermeiros que ganham pouco do que juízes e procuradores.

Transferir a responsabilidade pelo pagamento de auxílio-doença aos empregadores, que abateriam o valor do que pagam ao INSS – o que é mais uma opção para fraudes, segundo os sindicatos.

Com base em propostas como essa, o governo está aproveitando a oportunidade criada pelo Renda Jair Messias para passar um misto de nova fase da Reforma Trabalhista ou com próxima etapa da Reforma da Previdência.

Isso sem contar o descaramento. Como propor desviar dinheiro do Fundeb (o fundo que banca a educação pública básica no Brasil), acabar com gastos obrigatórios em educação e saúde e eliminar o desconto simplificado de 20% do Imposto de Renda. Essas três doideiras também atingem, claro, trabalhadores pobres e a classe média baixa.

Era preferível que tudo fosse coisa do Ivo Holanda ou do Sergio Mallandro. Porque o que estamos vendo não tem graça. Muito além de um descolamento da realidade por parte dos governantes aliado a doses cavalares de insensibilidade, isso é um capítulo da reengenharia social que significa a redução do papel do Estado em garantir qualidade de vida aos cidadãos. Ou suma, estão fazendo capucheta da Constituição Federal de 1988 na cara dura. Com o requinte de sadismo de usar a justificativa de que precisamos sacanear os pobres para levar comida aos mais pobres.

Limitado pelo teto de gastos (que impede o aumento dos gastos públicos acima da inflação, mesmo com a criação de novos impostos), o governo tenta cortar do orçamento para bancar o programa e permitir a reeleição de Bolsonaro. Narrativa que, básico, exclui os mais ricos na hora de passar a fatura.

Há propostas que tiram de quem tem mais? Sim, como aquela que pega tudo o que está sendo pago de remuneração mensal a magistrados, procuradores e demais servidores públicos acima do teto do funcionalismo (que é o salário de ministros do STF, ou seja, R$ 39,3 mil) e destina ao programa. De setembro de 2017 a abril deste ano, o Poder Judiciário pagou R$ 100 mil (ou 500 lobos-guarás) a mais de 8 mil juízes ao menos uma, vez segundo levantamento da Folha de S.Paulo.

Isso garante o que o Renda Bolsonaro precisa para funcionar? Não, mas pelo menos disfarçaria um pouco a pornográfica desigualdade. Adentramos, contudo, o campo da ficção científica. Porque é mais fácil comprovarmos a existência de vida na atmosfera de Vênus do que uma proposta como essa ser efetivamente colocada em prática.

Ou o governo revisa o teto de gastos, que não é levado a sério quando os interesses são as categorias de Estado bem remuneradas, ou deveria se virar para cortar gastos que beneficiam os mais ricos – sejam eles como pessoas físicas, seja os subsídios dados a suas empresas que não se traduzem necessariamente em estabilidade de empregos.

O que não dá é para torturar a classe trabalhadores, vazando esse tipo de proposta quase que diariamente, para ver se cola.

Não haverá uma massa de gente indo às ruas para protestar contra isso, ainda mais durante uma pandemia assassina que (potencializada pelo presidente) matou quase 150 mil brasileiros. O que não significa que os indivíduos, ao perceberem que foram tungados, não vão dar o troco nas urnas em 2022.

Que o papel destinado aos trabalhadores na grande suruba chamada Brasil é fazer a faxina depois que os ricos gozarem, isso é sabido. A questão agora é matemática básica: os futuros beneficiados pelo programa vão ficar realmente tão gratos a Bolsonaro por receber 300 mangos no ano que vem que compensarão a perda de votos junto àqueles que perceberão que sua vida ainda ficou mais difícil por causa disso?

Inflação

A inflação sentida pela população de baixa renda acelerou em setembro, segundo dados divulgados pela Fundação Getulio Vargas (FGV). O Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC-C1) – que mede a variação de preços de produtos e serviços para famílias com renda entre um e 2,5 salários mínimos – ficou em 0,89% no mês passado, contra 0,55% em agosto.

Com o resultado, o indicador acumula alta de 3,13% no ano e 4,54% nos últimos 12 meses.

Já o IPC-Br, que mede a variação de preços para famílias com renda de um a 33 salários mínimos mensais, ficou em 0,82% em setembro, vindo de 0,53%. Com o resultado, acumula alta de 3,62% em 12 meses, permanecendo em um nível abaixo da inflação sentida pelos mais pobres.

A principal diferença entre o IPC-C1 e o IPC-Br está na ponderação da cesta de produtos e serviços para chegar ao indicador final. Para famílias mais pobres, por exemplo, alimentação costuma ter maior relevância, e educação particular, menor, dentro do total de despesas.

No acumulado no ano, a inflação para famílias mais pobres está mais que o dobro do que o registrado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15), considerado uma prévia da inflação oficial do país.

Dos 8 grupos de componentes do índice, 3 tiveram alta na passagem de agosto para setembro: Alimentação (0,76% para 2,23%), Educação, Leitura e Recreação (0,09% para 2,44%) e Vestuário (-0,42% para 0,12%).

Entre os itens com maior alta no mês, destaque para arroz e feijão (1,02% para 10,64%), passagem aérea (2,77% para 39,19%) e roupas (-0,54% para 0,12%).

Por outro lado, houve queda nos preços dos grupos Saúde e Cuidados Pessoais (0,61% para -0,10%), Despesas Diversas (0,58% para 0,26%), Habitação (0,61% para 0,54%), Comunicação (0,12% para 0,04%) e Transportes (0,68% para 0,61%). Nestas classes de despesa, os destaques foram os itens: médico, dentista e outros (0,57% para -1,49%), serviços bancários (0,81% para 0,08%), tarifa de eletricidade residencial (1% para 0,22%), mensalidade para tv por assinatura (0,44% para 0,07%) e gasolina (2,68% para 1,67%).


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