19/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

Sobre abutres e carniça

Publicado em 30/09/2020 12:00 - Victor Barone

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"Já tomou muita tubaína comigo", disse Jair Bolsonaro sobre Kassio Marques, indicado para o Supremo Tribunal Federal. "Tinha uns dez currículos na minha mesa. Alguns excelentes currículos. Mas eu nunca tinha conversado com ele. Não vou botar uma pessoa só por causa do currículo. Com todo respeito que eu tenho a esta pessoa. Tinha que ter um contato a mais comigo." A quem será fiel o novo titular da Suprema Corte, ao seu currículo ou à tubaína?, eis a pergunta que o tempo responderá.

É natural que um presidente da República selecione para o Supremo alguém que tenha sintonia com a sua visão de mundo, de país e de sociedade. O que torna a escolha de Kassio polêmica é a sensação de que Bolsonaro confunde afinidade com compromisso pessoal ou partidário. A situação é marcada por peculiaridades. Há processos e inquéritos que roçam o presidente, sua família e parlamentares aliados.

O nome de Kassio foi avalizado pelo investigado Flávio Bolsonaro, celebrado por réus como Ciro Nogueira e abençoado por dois ministros anti-Lava Jato do Supremo: Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Não é a primeira vez que uma pessoa é indicada para o Supremo na expectativa de que seja fiel ao presidente e aos seus interesses de curto prazo. Nem sempre funcionou. Caberá ao doutor Kassio informar se pretende aproveitar sua passagem pela Suprema Corte para lustrar o currículo ou para se consolidar como um bebedor de tubaína.

Por Josias de Souza

A indicação do próximo ministro do Supremo pode ‘ter o dedo’ de Flávio Bolsonaro. Kassio Nunes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), é conhecido por decidir causas contrárias ao meio ambiente, à saúde e às populações tradicionais. 

No ano passado, ele suspendeu a liminar que obrigava a desintrusão da terra indígena Jarudore, em Mato Grosso. O local foi reconhecido como território dos Bororo num longínquo 1912, mas hoje tem mais de 90% da sua área ocupada por não indígenas. Segundo o desembargador, retirar os 2,5 mil intrusos causaria “vultosos prejuízos” à ordem, à segurança e à economia da cidade.

Mas essa não foi a única decisão desfavorável aos povos indígenas. Em 2014, Nunes decidiu em favor da Funai que arrastava o processo de reconhecimento do território Sawré Muybu, ocupado pelo povo Munduruku, no Pará. Isso porque, como reconheceu a própria presidente da Fundação na época, a demarcação impediria o desenvolvimento da hidrelétrica de Tapajós, uma prioridade para o governo Dilma. O desembargador considerou que mesmo que a incerteza sobre a demarcação estivesse provocando conflitos com madeireiros e garimpeiros, a delimitação seria ainda pior… Até hoje, o território não foi demarcado, apesar da papelada que embasa o procedimento estar pronta há sete anos.  

Em 2018, o desembargador derrubou outra liminar, desta vez voltando atrás na suspensão do registro de produtos à base de glifosato e outros agrotóxicos sobre os quais pesam evidências científicas de que sejam cancerígenas. Mas Nunes ficou conhecido por liberar, a pedido da Advocacia Geral da União, a compra de vinhos e lagostas em uma licitação que atendia o STF. Sua justificativa foi a de que os caros produtos seriam oferecidos “às mais graduadas autoridades nacionais e estrangeiras”.  

No último dia 29, ele esteve com Bolsonaro no Palácio do Planalto para uma conversa, segundo revelou o colunista Lauro Jardim. No mesmo dia, o presidente levou Nunes a tiracolo para uma conversa ao vivo com dois ministros do Supremo – Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Ambos sinalizaram positivamente. Mas a indicação parece não ser do agrado do atual presidente da Corte, Luiz Fux. De acordo com Mônica Bergamo, ele tem uma preferência pessoal: Luís Felipe Salomão, do STJ. Ao Valor, um auxiliar do presidente disse “é prematuro apostar todas as fichas” em Nunes, mesmo que Bolsonaro pareça, por ora, ter batido o martelo. A aposentadoria de Celso de Mello está marcada para o próximo dia 13.

Por Outra Saúde

MAIS VIOLÊNCIA

Nunca houve dúvidas de que as invasões e os danos às comunidades indígenas aumentariam no governo Jair Bolsonaro. O relatório anual do Cimi, o Conselho Indigenista Missionário, constata o tamanho desse crescimento: a ocorrência de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio” mais do que dobrou em 2019, em comparação com 2018. Foi um aumento de 135%. No ano passado houve 256 registros em pelo menos 151 terras indígenas espalhadas por 23 estados. Em 2018, haviam sido 109. Os imensos incêndios florestais, é claro, precisam ser lidos nesse contexto.

E esse é só um dos três tipos de ‘violência contra o patrimônio’ relatadas pelo Cimi. Houve também 35 conflitos relativos a direitos territoriais e nada menos que 829 registros de omissão e morosidade na regularização de terras. Pois é: Bolsonaro não apenas vem cumprindo sua promessa de não demarcar nenhum centímetro de terra como também está emperrando os processos de regularização  já em curso. No primeiro semestre de 2019, o governo federal devolveu 27 processos à Funai para que fossem revistos. “Esses dados explicitam uma tragédia sem precedentes no país: as terras indígenas estão sendo invadidas de modo ostensivo e pulverizado de Norte a Sul. Em alguns episódios descritos no relatório, os próprios invasores mencionavam o nome do presidente da República, evidenciando que suas ações criminosas são incentivadas por aquele que deveria cumprir sua obrigação constitucional de proteger os territórios indígenas, patrimônio da União”, narra o documento.

O relatório analisa ao todo 19 categorias de violência. Houve crescimento em 16 delas, incluindo na morte de crianças de zero e cinco anos por falta de assistência. Esse número subiu de 591 casos para 825 – e o dado ainda é parcial, sujeito a atualizações. A maior parte dessas mortes aconteceram no Amazonas, em Roraima e no Mato Grosso do Sul. “As doenças são, em grande maioria, tratáveis. O que acontece é que quando as comunidades sofrem restrições, as crianças são as mais afetadas. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, quando o governo interrompe o fornecimento de cestas básicas, em 15 dias elas estão no pronto-socorro desnutridas. Não há equipamento, equipe ou políticas de saúde no Amazonas. É inadmissível”, diz a antropóloga Lucia Helena Rangel, organizadora do relatório, n’O Globo. A alta também tem uma relação muito provável com o desmonte do programa Mais Médicos, que acabou deixando comunidades inteiras desassistidas.. 

Quando se olha para a violência praticada contra a pessoa indígena, os registros passaram de 110 ocorrências para 276, o que dá um crescimento de 150%. O número de assassinatos caiu levemente, de 135 para 113. Mas as ameaças de morte subiram: foram de oito para 33. Houve ainda 34 ameaças variadas, 24 tentativas de assassinato, 20 homicídios culposos, 16 atos de racismo e discriminação étnico cultural, 13 lesões corporais dolosas, 13 caos de abuso de poder e dez violências sexuais. O número de suicídios – cujas taxas entre indígenas já são mais altas do que no resto da população –  foi de 101 para 133.

Em tempo: finalmente, Bolsonaro editou ontem uma medida provisória com critérios para o estabelecimento de barrerias sanitárias para proteger áreas indígenas da covid-19. Ela estabelece que as barreiras serão “compostas por servidores públicos federais, prioritariamente, ou por militares” e que a “Funai será responsável pelo planejamento e pela operacionalização das ações de controle”.

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ENQUANTO ISSO…

A taxa de desemprego brasileira atingiu no trimestre encerrado em julho o pior resultado da série histórica do IBGE, iniciada em 2012, afetando 13,8% da população economicamente ativa. Segundo uma consultoria chamada IDados, a situação é ainda pior, com a taxa sendo a maior desde 1992. 

Os dados do Instituto apontam que havia 13,1 milhões de desempregados. Eles fazem parte de uma multidão de 52 milhões de pessoas que sofrem com as condições do mercado de trabalho, num grupo que inclui desalentados (desistiram de procurar emprego) e subutilizados – ou seja, pessoas que trabalham menos horas do que gostariam.  

Para rebater a notícia ruim, o Ministério da Economia divulgou dados de agosto que apontam que houve abertura de mais de 249 mil vagas com carteira assinada, sendo o segundo mês seguido em que o número de contratações superou o de demissões. Paulo Guedes também anunciou que o programa de suspensão de contratos e redução de jornada e salário será prorrogado até dezembro.

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PARECER E CANETA

Primeiro, o governo diminuiu a participação da sociedade civil no Conama, o Conselho Nacional do Meio Ambiente. O principal órgão consultivo da pasta comandada por Ricardo Salles tinha 96 conselheiros. Em maio do ano passado, esse número foi reduzido a 23 com a justificativa de que a mudança traria “melhor foco”. Hoje, poderemos ver um bom exemplo do que significa esse foco. Na pauta da reunião do Conama, está a revogação de uma norma que define as áreas de preservação permanente. Estão em jogo nascentes de água, veredas, morros, dunas e chapadas, mas segundo veículos da imprensa, principalmente restingas e manguezais.

“São áreas de preservação permanente nas proximidades do litoral brasileiro que despertam interesse do setor imobiliário e de carcinicultores, os produtores de camarão”, explica a reportagem do El País, que pediu à ONG Mapbiomas para calcular o tamanho do prejuízo. São nada menos do que 1,6 milhão de hectares de restingas e manguezais que, de uma hora para outra, poderão ser atropelados pela boiada de Salles.

A norma vigente é a resolução do Conama n. 303, aprovada em 2002. Ela estabelece diversos limites de proteção: 50 metros ao redor de nascentes, cem metros para encostas e topos de morros, 300 metros para restingas, manguezais, dunas e praias onde se reproduz a fauna silvestre… Em março deste ano, a consultoria jurídica do Ministério do Meio Ambiente defendeu a revogação integral do texto. Alega que as regras caducaram depois da aprovação do Código Florestal. Só que isso não é verdade, segundo Carlos Bocuhy, do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental: “Não há nenhuma outra norma brasileira que confirma proteção às restingas como essas resoluções do Conama, que continuam a definir limites até hoje”, disse ele ao Estadão. O Ministério Público Federal já se posicionou contra, mas embora tenha uma vaga no conselho, ela não garante o direito ao voto.  

FUSÃO 

Segundo o Estadão, Ricardo Salles deu início à concretização de um sonho do governo: fundir Ibama e ICMBio. O Instituto Chico Mendes de Biodiversidade foi criado em 2007, durante a gestão de Marina Silva. A autarquia cuida de 334 unidades de conservação federal existentes no país, e encabeça discussões sobre liberação de cultivos transgênicos, por exemplo. Já o Ibama é responsável por um conjunto de coisas, desde autorização para importação de agrotóxicos a fiscalização ambiental. Um grupo formado por funcionários do Ministério do Meio Ambiente e dos órgãos na mira do ministro do Ibama terá 60 dias para elaborar uma análise da fusão. Mas a proposta precisará passar pelo Congresso. 

ANÚNCIO DESASTROSO

O anúncio foi objetivo, e também simbólico do grau de dependência que o governo tem hoje em relação ao Centrão. Em jogral com parlamentares aliados, o presidente Jair Bolsonaro anunciou as fontes de financiamento do seu programa social. Por um breve momento, parecia que a novela iria acabar. Mas a proposta foi recebida com indignação por oposição, órgãos de controle, juristas, especialistas em diversas áreas e – o que pesou mais para o Planalto & cia – pelos agentes do mercado financeiro. “Calote”, “empréstimo compulsório”, “bola de neve fiscal”, “contabilidade criativa” e “pedalada” são algumas das definições que tentam passar a pratos limpos a ideia de represar o pagamento de precatórios e sequestrar parte dos recursos do Fundeb para criar o programa Renda Cidadã, antigo Renda Brasil. 

São muitos os problemas apontados, então vamos por partes, começando pelo Fundeb. O governo e o Centrão propõem desviar 5% do recurso do fundo para o Renda Cidadã. Esse dinheiro serviria para que beneficiários do programa mantivessem os filhos na escola, disse o senador Marcio Bittar. Acontece que essa mesmíssima proposta já tinha sido apresentada por Paulo Guedes em agosto, e foi rejeitada no Congresso. Os parlamentares aprovaram a ampliação dos repasses federais para este que é o principal mecanismo de financiamento da educação básica. A previsão é que as transferências da União cheguem a R$ 19,6 bilhões no ano que vem – mas esse total vai mais que dobrar nos próximos seis anos.

Nas contas do Todos pela Educação, a captura dos recursos do Fundeb chegaria a R$ 8 bilhões. Para a entidade, que vocaliza as bandeiras empresariais na área, 17 milhões de estudantes, “principalmente aqueles das creches e pré-escolas”, seriam os principais prejudicados, e a retirada impactaria 2,7 mil municípios mais pobres do país “uma vez que a complementação da União é direcionada justamente para as redes de ensino mais vulneráveis”, 

Entrando na esfera do debate sobre a legalidade da proposta, a Rede Brasileira de Renda Básica aponta que o uso de verba do Fundeb com assistência social é inconstitucional e vai também contra a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que determina o que pode e o que não pode ser compreendido como recurso da área. A Rede, que reúne 160 entidades, argumenta ainda que qualquer programa de complementação de renda não pode substituir direitos sociais, especialmente serviços universais como saúde e educação. “A possibilidade de usar recursos do Fundeb para o Renda Cidadã já foi derrotada nas votações do Congresso Nacional. Políticas de promoção social, em qualquer país do mundo, são essenciais, mas com recursos da assistência social”, disse, por sua vez, o presidente da Comissão de Educação do Senado, Flavio Arns (Podemos-PR).

Há ainda um terceiro ponto, e esse tem mais a ver com a reação negativa do mercado. É que assim como acontece com o Fundo Eleitoral, os repasses da União ao Fundeb são excluídos da regra do teto de gastos, que impede que as despesas primárias cresçam mais que a inflação do ano anterior. Filipe Salto, da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado, definiu a ideia como uma solução péssima por ser um “bypass” do teto

DEVO, SÓ PAGO QUANDO QUISER

A questão dos precatórios é ainda mais complexa. Precatórios são valores que devem ser pagos pelo Estado a pessoas ou empresas depois de decisões definitivas na Justiça. Para se ter uma ideia, nos 12 meses até julho, esses gastos ficaram em R$ 49,7 bilhões, de acordo com o Tesouro. E 40% desse bolo foi para o pagamento de direitos previdenciários. Uma menor parte do total, R$ 1,3 bi, foi inclusive para o BPC.  

A proposta do governo é limitar do pagamento de precatórios a 2% das receitas correntes líquidas. O que isso quer dizer? A proposta orçamentária para 2021 prevê R$ 54,75 bilhões para os precatórios. Já a receita corrente líquida é projetada em R$ 804,5 bi. Conclusão: cerca de R$ 38 bilhões seriam desviados dos precatórios para o Renda Cidadã no ano que vem. 

Acontece que há uma fila de pessoas que ganharam causas na Justiça e aguardam sua vez de receber o que têm direito. Muitas delas são idosas. Nesse sentido, o Supremo já decidiu que essa proposta é inconstitucional por afrontar cláusulas pétreas da Constituição, como a de garantia de acesso à Justiça. Em 2009, estados e municípios foram autorizados pelo Congresso a fazer exatamente o que o governo federal agora propõe: limitar a 2% das receitas o pagamento de precatórios. Mas o prazo dado pelo STF para que isso se encerre é… o final deste ano. Nesse sentido, a OAB observou que a proposta do governo “já nasceria inconstitucional”.

Há outro argumento contrário, que gera uma interessante discussão sobre a transparência e qualidade do endividamento público. Isso porque os precatórios são uma despesa obrigatória. O governo pode adiar e prejudicar quem quiser, mas é obrigado pela Lei de Responsabilidade Fiscal a incorporar tudo aquilo que não é pago à dívida pública. O Estadão ouviu técnicos do Congresso, e um deles explica que esse aumento da dívida consolidada da União aconteceria de forma “pouco transparente e ainda oneraria os cofres públicos com os juros e a correção monetária para pagar o precatório mais adiante. Além disso, a proposta fere a LRF ao criar despesa obrigatória de caráter continuado sem previsão de aumento permanente de receita ou redução permanente de despesa.

Detalhe: mesmo com recursos do Fundeb, precatórios e os R$ 35 bilhões programados para o Bolsa Família, o valor do benefício do Renda Cidadã não deve chegar nem aos R$ 300 que Bolsonaro tinha determinado antes, ao longo das discussões do Renda Brasil. E o escopo também é bem tímido: a ideia é incorporar dez milhões de pessoas. A Rede Brasileira de Renda Básica lembra que só o contingente que estava na fila do Bolsa Família somava mais de dois milhões. Ou seja, é um cobertor curtíssimo de proteção social ainda em meio à pandemia.

A Rede defende a flexibilização do teto. Outros especialistas apontam que o pior dos mundos é fingir que está tudo normal. “As propostas de contabilidade criativa têm surgido porque aparentemente não se quer enfrentar o problema de frente: se o objetivo é manter o teto, tem de reduzir despesa obrigatória. Se não quer manter o teto, tem de deixar claro. As escolhas a serem feitas são duras, mas simples. Não deveriam complicar”, resumiu para O Globo Alexandre Manoel, que fez parte do governo Michel Temer e continuou até março deste ano na equipe de Guedes. Segundo a Folha, até entre integrantes da equipe econômica do ministro, a solução encontrada é vista como uma “pedalada”.

EXPLICAÇÕES AO MERCADO

Esse misto de calote com endividamento oculto e drible do teto é o que pegou para o mercado. A Bolsa, que operava em alta de mais de 1% até o início da tarde, fechou em queda de 2,4%, a 94.666 pontos, menor valor desde junho. O dólar subiu 1,5%, a R$ 5,6390, maior valor desde 20 de maio. Os juros futuros dispararam. “Completamente absurda“, foi a definição dada pelo gestor do Opportunity, Marcos Mollica, à proposta do governo. 

Toda essa repercussão negativa gerou um episódio curioso. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), pediu uma conversa com agentes do mercado financeiro. A teleconferência reuniu aproximadamente cem representantes de bancos e gestoras de investimentos, como Itaú e XP. Barros foi tentar acalmar os ânimos do mercado, mas saiu sem entender nada, segundo relatos feitos por participantes do encontro.

“A reação foi porque criaram um gasto e simplesmente não cortaram nada. Só empurraram gastos para frente e os articuladores não têm a mínima noção do que causou a reação adversa do mercado”, disse uma dessas fontes ao UOL. “O fato de não ter a contrapartida e de o governo sequer reconhecer que há, sim, uma flexibilização do teto amplia o ambiente de aversão ao risco”, resume o Valor, que continua: “A conversa, no entanto, não foi capaz de trazer qualquer alívio aos preços dos ativos. Segundo relatos de participantes desse encontro, Barros apenas reconheceu que uma parte do Renda Cidadã vai ser financiada pelo Fundeb e estará, portanto, fora do limite do teto de gastos. E atribuiu a piora do mercado à falta do anúncio dos gatilhos e da reforma [tributária]”. 

VOLTA ATRÁS

O anúncio repercutiu tão mal que o governo já estuda abortar a apresentação do Renda Cidadã ao Congresso. De novo. Segundo a comentarista Ana Flor, assessores próximos de Bolsonaro começaram a defender uma mudança no programa e o senador Marcio Bittar (MDB-AC) estava pensando em desistir de apresentar o novo texto da PEC Emergencial. Isso aconteceria até amanhã. Mas agora talvez seja preciso buscar outras fontes de recursos. 

SEM CONSENSO

Já a reforma tributária segue sem consenso entre governo e Centrão. Aparentemente, a proposta do governo será a de não aumentar a carga tributária. A ideia da equipe econômica continua sendo a criação da nova CPMF, com alíquota de 0,2%. O tributo seria um jeito de compensar a desoneração na folha de pagamento em todos os setores da economia, segundo o líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO).

MAIS MENTIRAS

A mesma Secretaria de Comunicação (Secom) que inventou o “placar da vida” para fazer marketing com os escandalosos números brasileiros nesta pandemia voltou suas baterias para o meio ambiente. No sábado, a Secom afirmou que “mesmo com os focos de incêndio que acometem o Pantanal e outros biomas brasileiros, a área queimada em todo o território nacional é a menor dos últimos 18 anos”. Em 2020, o estrago ambiental já é maior do que no mesmo período dos anos de 2008, 2009, 2011, 2013, 2014, 2015, 2017 e 2018, apurou a Folha com base nos dados do Inpe citados pelo governo para espalhar a fake news.

DE CASO PENSADO

Na semana passada, foi lançado o livro escrito pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. “Um paciente chamado Brasil” é um relato sobre a resposta do governo federal na pandemia escrito por alguém que participou ativamente do início dela. Deve ser lido com um grão de sal – ainda mais porque o autor tem pretensões presidenciais –, mas parece trazer alguns bastidores factíveis.  

Entrevistado pela Folhaele repete algo que já tinha dito: Bolsonaro sabia das projeções sobre as mortes, que davam conta de 180 mil cadáveres. Mas preferiu dar ouvidos a Osmar Terra e entusiastas da cloroquina, como a médica Nise Yamagushi. “Ele fez uma decisão não irracional, pensada”, garante o ex-ministro.

“No que se refere à cloroquina, Mandetta é taxativo: Bolsonaro nunca se interessou pela sua capacidade de curar ninguém. Queria que, com a caixinha de cloroquina no bolso, os brasileiros voltassem a trabalhar, morresse quem morresse”, escreve Celso Rocha de Barros. Ele também chama atenção para uma avaliação do ex-ministro, que a essa altura do campeonato ainda acredita que Bolsonaro pode ser domado. “Já é outro animal”: é a frase que ficou famosa em um perfil de Paulo Guedes escrito pela jornalista Malu Gaspar ainda na campanha. Não é preciso nem lembrar quem está sendo dobrado nessa história… Mas o fato é que Mandetta lamenta o fato de o DEM não ter endossado Bolsonaro em 2018 por acreditar que o partido teria tido um efeito moderador. “(…)à luz do que Mandetta conta no livro, parece que o DEM teve razão em não bancar Bolsonaro em 2018: ele não parece aceitar moderação nenhuma. Permanece, entretanto, o fato de que nem a direita tradicional nem os militares nem Guedes nem Moro se mobilizaram com o ânimo necessário para forçar Bolsonaro a agir como um adulto responsável durante a maior crise sanitária do Brasil em cem anos, ou para puni-lo por não tê-lo feito”, analisa Barros.

Por Outra Saúde

MICHEQUE

O vídeo com a música “Micheque”, da banda de rock Detonautas, não parecia destinado a virar um campeão de audiência no Youtube quando ali foi postado no último dia 4. De autoria de Tico Santa Cruz, vocalista da banda, a letra da música foi inspirada pela descoberta de que Fabrício Queiroz depositou 89 mil reais na conta de Michelle Bolsonaro.

Mas aí, na quinta-feira dia 25, a primeira-dama prestou queixa na Delegacia de Crimes Eletrônicos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC), em São Paulo. Ela quer que sejam processados por calúnia, injúria e difamação todos os que passaram a chamá-la de “Micheque” nas redes sociais, inclusive os roqueiros da banda. Resultado? Foi um tiro no pé. Até a quinta-feira, a sátira dos Detonautas somava quase 700 mil visualizações. No início desta madrugada, ultrapassou a marca de 1 milhão e 330 mil. Um sucesso!

Não foi a música que colou em Michelle o apelido de “Micheque”. O apelido foi replicado quase 9 milhões de vezes no Facebook, Twitter e Instagram entre 22 de agosto e 21 de setembro.

A banda apenas surfou na onda e se deu bem. O que espanta é que ninguém no governo, nem mesmo o presidente Jair Bolsonaro, tenha aconselhado Michelle a não fazer o que fez.

A ira da primeira-dama é justa. Ela nada teve a ver com o dinheiro depositado em sua conta. Foi usada. Ao que tudo indica, o dinheiro era um negócio particular entre Queiroz e seu marido.

Bolsonaro poderia ter poupado a mulher do constrangimento a que se vê exposta. Por que não se apressou em esclarecer o motivo pelo qual Queiroz depositou 89 mil reais na conta dela?

Que tipo de vantagem política imagina extrair da iniciativa que teve Michelle de procurar a polícia? Por que insiste em permanecer calado? Está com medo do quê?

A VERSÃO DO PLANALTO

O governo federal repassou ao programa Pátria Voluntária, da primeira-dama Michelle Bolsonaro, R$ 7,5 milhões doados pela Marfrig exclusivamente para a compra de testes rápidos de covid-19. O caso teve uma repercussão imensa. O PSOL e o PCdoB afirmaram que pretendem acionar o TCU (Tribunal de Contas da União), e a bancada do PSOL na Câmara anunciou que pediria ao Ministério Público Federal que apure o caso. O MP deve mesmo entrar em ação: o subprocurador-geral Lucas Furtado já pediu a abertura de uma investigação

Mas o Planalto se defendeu. afirmando que não há nada de errado. Em nota à imprensa, a Secretaria de Comunicação disse que o repasse foi legal. Contrariando a versão da Marfrig, a Secom diz que, em maio, o Ministério da Saúde recusou a doação porque “porque não precisava mais dos equipamentos” para os testes; a empresa teria então procurado o Pátria Voluntária para oferecer a verba para a compra de alimentos e produtos de higiene. A Marfrig nega, dizendo que a mudança na destinação dos recursos só ocorreu em julho, depois do depósito.

MAU SINAL OU UM SINTOMA?

Só 23% dos brasileiros acreditam muito nas atitudes dos cientistas, enquanto 36% confiam pouco ou nada neles – a informação é de um levantamento do americano Pew Research Center, resumido na Piauí. A pesquisa foi feita com entrevistas em 20 países antes da pandemia e tem outros dados preocupantes. Por aqui, 54% das pessoas acreditam que os cientistas se baseiam estritamente em fatos para decidir sobre um assunto, mas só 41% acham que decisões devem ser tomadas por especialistas. E a autoestima brasileira em relação à ciência é a mais baixa do mundo: só 8% dos entrevistados acreditam que as realizações dos cientistas no Brasil estão acima da média internacional. No geral, a população acha que o país está abaixo da média em empreendimentos tecnológicos, conquistas científicas e no ensino de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Como não poderia deixar de ser, a matéria relaciona esses números à falta de investimento. Para o ano que vem, o MEC confirmou um corte de quase R$ 1 bilhão no ensino superior. 

TRUMP ESTÁ COM COVID-19

Via Twitter, o presidente dos Estados Unidos anunciou que ele e a primeira-dama Melania Trump estão com covid-19. Na publicação, ele disse que ambos começariam a quarentena (na verdade, o termo correto seria isolamento) “imediatamente”. Um memorando da Casa Branca confirmou a notícia em seguida.

O casal fez exames logo depois que uma assessora próxima a Trump, Hope Hicks, recebeu diagnóstico positivo. Ela viajou com o presidente várias vezes esta semana e estava no debate de terça-feira –  em que o candidato à reeleição zombou de seu oponente, Joe Biden, por ele sempre aparecer publicamente usando máscaras. Aliás, a própria Hicks estava sem proteção no debate, ao menos em parte dele. E também foi fotografada sem máscara dias atrás em um comício na Pensilvânia, batendo palmas ao som de Village People’s.

Nenhuma surpresa quanto a isso, já que a comitiva de Trump não é grande adepta dos equipamentos de proteção. Vários de seus eventos de campanha, em locais fechados e lotados de gente sem máscara, são potenciais fontes de transmissão. Logo após um dos comícios, o ex-candidato republicano à presidência Herman Cain contraiu o coronavírus e morreu. Até demorou para o presidente se infectar, considerando o grande número de pessoas próximas que já foram contaminadas.

O médico de Trump disse que ele passa “bem”. Por sua idade e peso, ele faz parte do grupo de risco. Porém, obviamente terá à sua disposição o melhor atendimento médico que alguém poderia desejar.

O diagnóstico chega a apenas 33 dias da eleição e muda radicalmente os planos da campanha eleitoral. Afinal, mesmo que Trump não tenha sintomas, precisa ficar isolado por 14 dias, segundo as diretrizes do Centro de Controle e Prevenção de Doenças do país. Se vier a adoecer, ressalta o New York Times, isso pode até mesmo levantar dúvidas sobre se sua candidatura deve ser mantida. Em caso de agravamento, a recuperação pode levar semanas.

Há indagações interessantes sobre a linha do tempo que antecede o diagnóstico positivo de Trump. A suspeita principal é que Hope Hicks tenha lhe passado o vírus. Mas como os diagnósticos vieram com apenas um dia de diferença (e como Hicks precisava ser testada diariamente para viajar com Trump), pode ser que ambos tenham se infectado por outra fonte comum, considerando o que se sabe sobre a transmissão do SARS-CoV-2. Estaria aí uma bela oportunidade para fazer um rastreamento retroativo de contatos.

Em tempo: um estudo da Universidade Cornell aponta que Donald Trump é, em todo o mundo, o maior disseminador de fake news sobre o coronavírus. O levantamento foi feito a partir da análise de 38 milhões de notícias em inglês entre janeiro e maio, e as menções a Trump estão em quase 40% dos conteúdos com informações falsas.

Por Outra Saúde

GENTE DE BEM

Circula nas redes sociais um vídeo que mostra o momento em que um casal gay é vítima de um ataque homofóbico dentro de uma clínica veterinária em Birigui, no interior de São Paulo. Nas imagens, a mulher que ofende o casal usa uma camiseta com o nome escrito ‘fé’. Em nota, a clínica veterinária afirma que repudia o ato de descriminalização e preconceito ocorrido no dia 25 de setembro e esclarece que não foi praticado por qualquer integrante da equipe ou diretoria. A Polícia Civil informou que nenhum boletim de ocorrência foi registrado sobre o caso. Até a publicação deste texto, a mulher permanece foragida.

FRASES DA SEMANA

“Estive com Bolsonaro. Ele pegou no meu braço e disse: ‘Celso, cuide de São Paulo!’ Vou cuidar, vou dar o Auxílio Paulistano, porque sou amigo do Bolsonaro”. (Celso Russomano. E assim nasceu o Auxílio Paulistano, filho da Renda Brasil, sobrinho da Renda Cidadã, órfã de recursos)

“O que alguns ainda não entenderam é que o Brasil mudou. Hoje, seu presidente, diferentemente da esquerda, não mais aceita subornos, criminosas demarcações ou infundadas ameaças”. (Bolsonaro, em resposta a Joe Biden, candidato do Partido Democrata a presidente dos Estados Unidos)

“A ideia, a pessoa, a figura, o mito Lula já foi vencido na eleição de 2018 quando seu candidato, com todo o seu apoio [perdeu]. Lula já é história”. (Hamilton Mourão, general e vice-presidente da República)

“Não existe isso de amigo de presidente. Ok, eu sou amigo do Clinton. Mas isso é muito difícil. E para ser amigo precisa pelo menos saber falar a mesma língua”. (Fernando Henrique Cardoso, sobre a suposta amizade de Bolsonaro com Trump) 

“Há outro vírus que ronda as eleições, capaz de comprometer não a saúde pública, mas a democracia. Trata-se das notícias falsas, das campanhas de desinformação. Uma causa que precise de mentiras, de ódio, de agressões não pode ser boa.” (Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo)

“Uma coisa é pegar um texto que contém calúnia, difamação, injúria, algo reprovável, e entrar com uma ação. Outra é pegar uma manifestação que não tem [nada disso] e processar. Soa como intimidação”. Tico Santa Cruz, dos Detonautas, banda de rock que lançou a música ‘Micheque’)

“Penso também na perigosa situação da Amazônia e de seus povos indígenas. Eles nos lembram que a crise ambiental está intimamente ligada a uma crise social”. (Papa Francisco, em discurso na Assembleia Geral da ONU)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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