26/04/2024 - Edição 540

Entrevista

O PT precisa voltar a se relacionar efetivamente com sua base eleitoral

Publicado em 15/11/2014 12:00 -

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José Orcírio Miranda dos Santos, mais conhecido como Zeca do PT, é uma das principais lideranças do Partido dos Trabalhadores (PT) em Mato Grosso do Sul. Ex-governador e ex-deputado estadual no estado, com 64 anos, ele é colecionador de recordes eleitorais: foi o vereador mais votado da história de Campo Grande, em 2012, com mais de 13 mil votos. Em 2014, para o cargo de deputado federal, ele repetiu a façanha conquistando mais de 160 mil eleitores – cerca de 12,6% do total de votos, algo até então jamais. A menos de dois meses para sua posse no Congresso Nacional, em seu gabinete na Câmara de Vereadores de Campo Grande, Zeca do PT concedeu uma franca entrevista à Semana On, na qual comenta a segunda derrota consecutiva do PT na disputa pelo Governo do Estado e aponta os desafios do partido para seu fortalecimento até as próximas eleições.

 

Por Guilherme Cavalcante

O PT de Mato Grosso do Sul se vê diante de uma situação peculiar, que é uma derrota na disputa eleitoral do Governo do Estado e a sua expressiva votação para a Câmara Federal. A partir destes pontos, qual é a situação do partido no estado?

Se você considerar que a candidatura do Delcídio, no que pese todas as dificuldades que teve, de organização, de coordenação, dos erros cometidos ao longo da campanha, do antipetismo que atingiu o Brasil inteiro. Aliás, essa história é antiga, é desde o surgimento do partido. Nós sempre tivemos, historicamente, um percentual de eleitores que não votam no PT de jeito nenhum, seja por conta das características ideológicas ou das políticas. Essa realidade se acentua quando se conseguiu transferir ao PT o carimbo, a marca do partido da corrupção. Mas mesmo assim, as candidaturas de Delcídio e Dilma empatam. A gente tem que necessariamente concluir que o PT, mesmo num estado profundamente conservador no ponto de vista do pensamento do latifúndio e do agronegócio, é uma força política forte. Tanto é verdade que se você pegar o histórico do partido, ele só vem crescendo.

Como o senhor caracteriza esta política forte?

Antes temos que destacar que a história de Mato Grosso do Sul tem dois momentos: antes do PT, quando o estado foi criado com a bandeira de ser um estado-modelo, mas que foi marcado pelo revezamento das elites durante 20 anos e que faliu o estado – o “Pedrossianismo” e o “Wilssismo” do PMDB. E após o PT: durante minha gestão, o estado fugiu da polarização boi e soja, que atendia a todo latifundiário, à “fazenderada”. Fomos nós que começamos um novo ciclo de desenvolvimento por meio da industrialização. Foi no governo do PT que começaram a vir as grandes indústrias, de açúcar e de álcool; que veio a maior indústria de papel e celulose, e outros grandes que mudaram a matriz econômica do estado.

Quando ganhamos o Governo do Estado em 1998, absolutamente ninguém apostava na possibilidade daquela vitória. Herdamos um estado falido nos pontos de vista moral, administrativo e financeiro, mas em oito anos, fruto da capacidade de gerenciamento da equipe montada pelo PT e pelos seus aliados, entregamos um estado em pé, mas que tinha sido recebido com quatro folhas de salário atrasada, mais décimo terceiro. Oito anos depois pagava para a educação e para a segurança pública um dos melhores salários do Brasil…

É essa a força política. Em que pese as contradições de ordem econômica e política em função de conservadorismo de Mato Grosso do Sul, é essa força que em 2014 sai das eleições com uma grande bancada: quatro deputados estaduais e dois deputados federais, um deles o mais votado da história do estado, com condições ainda de se situar no tabuleiro do jogo político para as próximas disputas. O resultado, portanto, é que nós nos saímos bem.

O grande resultado e salto político [das eleições de 2014] é a retomada da rua por sua militância, anulando o discurso que por muito tempo ouvimos por aí, de que a militância petista tinha envelhecido e se burocratizado.

De toda forma, a derrota do PT no Governo do Estado também é um sintoma de como o partido vem trabalhando. O que deverá ser feito para que o partido se refortaleça?

Ocorre que o PT passou os últimos dez anos em função de um projeto chamado “Delcídio Governador”. Não deu, por razões que não cabem aqui aprofundar. Mas nós fomos derrotados quando tínhamos tudo para ganhar. Portanto, o debate que eu promovo no PT com a minha corrente, a CNB (Construindo um Novo Brasil), que é a corrente majoritária, é que primeiramente nós temos que repactuar os espaços internos do PT, por conta de termos vivido em função desse projeto que mencionei. E eu me preparo para fazer esse debate já em janeiro ou fevereiro, para lançar um projeto chamado “Toda Força ao PT”, porque mesmo perdendo essas eleições para governador, o grande resultado e salto político é a retomada da rua por sua militância, anulando o discurso que por muito tempo ouvimos por aí, de que a militância petista tinha envelhecido e se burocratizado, que só trabalhava “profissionalmente”, entendendo “profissionalmente” com o sentido mais perverso do esquema, da grana.

Quando o PT percebeu que corria risco e que precisava estar presente na rua, nós vimos centenas, senão milhares de pessoas, de todas as idades, carregando a bandeira e fazendo o trabalho da militância política em Campo Grande e em várias cidades do interior. Estou me referindo à reconquista desse espaço, visto que anteriormente um dos maiores problemas enfrentados por nós foi a ausência dos militantes nas ruas, o que começou a legitimar esse discurso de que “o PT envelheceu”. Eu faço uma constatação e ela é necessária para percebermos que o PT precisa voltar a se relacionar efetivamente com sua base eleitoral, com os movimentos sociais, com a militância.

Por que houve essa desarticulação do partido com as bases?

A partir do momento que o PT vinha, ao longo das décadas, conquistando governos e cadeiras no Legislativo, passamos também a ter dificuldade de distinguir o papel do governo e o papel do partido. Isso se confundiu e é profundamente prejudicial para o PT, que de fato, se burocratizou em função dos desafios do governar, afastando-se da militância política e dos movimentos sociais, quase que amordaçando esses movimentos, esquecendo-se da formação política. Em determinado momento dessa caminhada, a gente começa a perceber a necessidade e a importância de se separar o papel do Estado e o papel do partido. Tanto é que, como eu mencionei, nestas eleições se reacendeu o desejo de mobilizar o companheiro que está acomodado em sua realidade para voltar a militar, para ir à rua, para achar sua bandeira vermelha e pegar sua estrelinha e colocar no peito. Eu repito que essa é a grande conquista da disputa eleitoral de 2014, não só no Brasil, mas em Mato Grosso do Sul também.

Esta é a maior conquista e ao mesmo tempo o maior desafio…

Sim. O resultado político dessas eleições em Mato Grosso do Sul que nós acendemos de novo o toquinho de vela que restava da militância do PT. O que nós temos que fazer é oxigenar essa vontade, devolver à militância a responsabilidade de discutir o seu futuro. Eu tenho falado isso com algumas lideranças, falei com o Delcídio, falei com o Lula, nós temos alguns desafios, internos e externos, para os quais nós temos que preparar o partido para o debate, para fazer novamente grandes disputas, como a de 2016 pela prefeitura e 2018 para o Governo do Estado, mas entendendo que o PT não pode viver só em função de disputa eleitoral, mas ser um partido militante. Então, primeiro temos que devolver essa capacidade de militar. Segundo, temos que nos reaproximar dos movimentos sociais. E terceiro, voltar a ter, como o partido de esquerda que é, a preocupação com a formação política. Eu, como candidato a deputado federal, vi a aproximação desta campanha, centenas de jovens de Campo Grande e do interior. Por mais pequena que seja a cidade, a moçada de 15, 16, 17 anos se aproximou e demonstrou interesse pelo partido. Nós temos que dar para esse grupo é embasamento teórico para que eles não se transformem meramente em cabos eleitorais, mas militantes atuantes na construção da nossa sociedade.

Nestas eleições se reacendeu o desejo de mobilizar o companheiro que está acomodado em sua realidade para voltar a militar, para ir à rua, para achar sua bandeira vermelha e pegar sua estrelinha e colocar no peito.

Mesmo com a derrota na disputa pelo Governo do Estado, o senhor teve votação expressiva e inédita para a Câmara Federal. A que o senhor atribui isso?

Com toda humildade, eu atribuo a algumas coisas importantes, que certamente grupos internos do PT em Mato Grosso do Sul nunca conseguiram ler, ou conseguiram, mas tentaram desconstruir. A verdade é que, durante os oito anos do que eu comandei o estado, nós criamos no imaginário do povo uma coisa nunca vista aqui antes, uma relação muito forte com o partido, a partir da ideia de que governar é o ato de fazer estradas, de investir maciçamente na modernização do serviço público, de pagar salário justo e em dia, de avançar na geração de empregos, da mudança do perfil socioeconômico do estado sem descartar o papel do boi e da soja. A arte de governar é ter um olhar generoso para aqueles que não têm absolutamente nada. E foi a partir daí que ficou clara, para boa parte dos sul-mato-grossenses, a vocação do PT, inclusive com programas assistenciais e de transferência de renda. Com eles, chegamos a proteger praticamente 100 mil famílias no estado, que tiveram a chance de recuperar um patamar mínimo de dignidade e de cidadania. Isso antes da chegada de Lula, ainda durante o governo FHC. Esses programas só foram possíveis com a moralização da arrecadação do estado. E é bom dizer que subimos uma arrecadação de 40 milhões e oito anos depois entregamos o Governo do Estado com arrecadação de 280 milhões por mês só de ICMS, sete vezes mais, sem nenhum terror fiscal e sem aumentar a alíquota do imposto.

 Existem então obstáculos internos no partido quanto à sua liderança?

O que eu posso dizer é que os nossos internos tentaram desconstruir esta minha relação sólida com os eleitores ou não perceberam isso durante a votação de 2010. Naquela ocasião, fui candidato a governador contra o André Puccinelli no auge dele, que era candidato à reeleição, e com a Simone Tebet como vice, com os Trad na Prefeitura da capital, com Londres Machado (PR-MS), com o DEM do Murilo Zauith… Mas quando abrem as urnas, fizemos 43% dos votos, os mesmos 43% que o Delcídio faz em 2014, mesmo com um grande “arco da aliança”, inclusive com o setores mais conservadores da sociedade. Quatro anos depois! Em 2012, o nome natural para disputar a Prefeitura de Campo Grande era o meu, mas existem esses vetos internos no PT. Foi então lançado o Vander (Loubet), numa tentativa de constrangê-lo. Quando eu percebi isso, eu vim para a capital e anuncio minha candidatura a vereador, conquistando 13 mil votos, o mais votado da história de Campo Grande. De novo, os setores internos não percebem que isso é uma relação construída com esse povo mais pobre que foi protegido com seriedade. Essa minha votação expressiva, como disse, tem a ver com esta relação fortalecida com os setores mais pobres da sociedade, e aí estou falando de quilombolas, índios, assentados e a população periférica atualmente desprotegida das cidades. Também se deve a meu jeito de ser, de me comportar como cidadão que sai andando a pé pela cidade e também a essa relação que construí com nossa militância desde que fundamos o partido em Mato Grosso do Sul.

 O PT teve participação durante o governo de Alcides Bernal (PP) na Prefeitura de Campo Grande. Com a cassação de Bernal, é possível dizer que o PT também aprendeu uma lição?

Não sei se o PT aprendeu uma lição, mas tentamos transferir a experiência com a cassação do prefeito Alcides Bernal. Como vereador eleito, em março de 2013, eu chamei o Bernal para conversar e disse: “Bernal, você está errando. Está errando com a tua relação com a Câmara e está errando com a tua relação com os partidos políticos que ajudaram e te eleger no segundo turno. Você tem que construir a tua governabilidade, que é algo que se faz com os partidos. Você tem que parar de falar dos governadores, achar que todo mundo não presta. São 29. Escolha 15, os menos piores que você achar”. Foram esses os termos que usei com ele. A construção da governabilidade é uma ação própria e inerente ao processo democrático. Na época eu até brinquei com ele: “um dia eu vou comprar para você o livro do François Mitterrand (ex-presidente da França), que finalmente se elegeu presidente depois de várias tentativas e viu que não tinha maioria no Parlamento, mas mesmo assim fez um belíssimo trabalho para conquistá-la”.

Quem não tem a maioria não aprova as ideias que apresenta, e o Bernal tinha ideias belíssimas. Aliás, eu sempre o respeitei e o tratei com muito carinho. Disse a ele: “o último que se atreveu a fazer o que você está fazendo foi o Collor”. Ele ficou até chateado comigo, achando que eu estava o comparando com o Collor. Mas o que eu quis dizer foi que o Collor não soube se relacionar e entender a lógica de ter essa governabilidade. Mas enfim, Bernal não fez isso, e a partir do momento que ele começou a se desgastar, eu percebi na Câmara Municipal que o PMDB “tradista” e “andrezista” começa a se articular para dar um golpe. Aquilo foi um golpe político, uma armação montada com o atual prefeito, Gilmar Olarte (PP). Talvez tenha sido, ao longo da minha trajetória política, o dia mais triste. Quando o Bernal chegou desesperado pedindo para fazer a defesa dele, eu fui para a tribuna, mas já sabia que ali o fim dele já estava sacramentado. Certamente, esta foi uma experiência amarga, para qualquer um aquilo foi um belo aprendizado de que não se pode facilitar as coisas com esse pessoal.

Ele [André Puccinelli] é o câncer que a política desse estado tem. André não tem nenhum princípio democrático, o André é “ele”, absolutamente “ele”, quase que um psicopata, se não for de verdade, que faz de tudo para governar, como dono absoluto da verdade.

A que pessoal o senhor se refere?

À figura política do André Puccinelli. Ele é o câncer que a política desse estado tem. André não tem nenhum princípio democrático, o André é “ele”, absolutamente “ele”, quase que um psicopata, se não for de verdade, que faz de tudo para governar, como dono absoluto da verdade, que põe de quatro a Assembleia Legislativa, que constrange o Judiciário, vai dentro do Tribunal dar ordem a desembargador, não sou eu que estou dizendo, desembargador que me diz, envergonhado do que percebe lá com alguns. O Puccinelli domina o Ministério público, literalmente. O Ministério Público serve a André Puccinelli, eu tenho elementos para provar, é só me chamarem que eu provo, Portanto, é uma pessoa nociva, que manipula os recursos do estado de acordo com o próprio interesse. É um coronel moderno, daqueles que a gente tinha há 50 anos na política. Com esse povo não dá para brincar.

Como o senhor analisa os seus dois anos como vereador em Campo Grande?

Eu sabia que meu mandato seria de curto período, dois anos. Eu não tinha exatamente um projeto de me lançar, eu sabia que o PT iria me requisitar. Eu sou uma pessoa que nunca teve um projeto pessoal, nunca tive. Quando sai candidato em 1990, eu tinha projeto de sair de Campo Grande – continuar no PT, mas trabalhar no interior, tentar terminar minha faculdade, como bancário, como advogado… Mas quando o PT me requisita, eu não me neguei. Naquela eleição, quase como um azarão dentro da pequena chapa do PT e aliados, eu fui eleito o primeiro deputado estadual do PT. E nos anos seguintes sempre me candidatei para puxar mais gente. Mas eu sempre tive na cabeça que eu não devia ser um profissional da política, eu poderia ser deputado estadual até hoje. Ou poderia ser senador. Eu não tenho essa vocação. No caso, eu sabia que seria requisitado este ano e que minha candidatura a deputado federal iria ajudar a eleger o três companheiros, quase o quarto. Em 2016 ou 2018 também estarei à disposição, mas acho que o PT tem outros nomes.

Quais são esses nomes?

O Ricardo Ayache é um bom nome. Pedro Kemp sempre foi uma figura forte do PT, boa presença, boa atuação, bom discurso, boa formação teórica. Thaís Helena, como vereadora, também é uma boa figura, tem um belíssimo mandato. E a própria Gilda, minha companheira, é sempre bem lembrada. Tem um conjunto de figuras que podem ser bons candidatos. Mas antes de pensarmos na cobertura, temos que preparar a motivação da militância, organizar o partido, trazer quadros para que o PT tenha uma bela chapa de vereadores, construir alianças compatíveis ideologicamente com a história do partido, para que em 2016 a gente ganhe a prefeitura em Campo Grande.


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