28/03/2024 - Edição 540

Ponte Aérea

O grande nó da esquerda na defesa do identitarismo

Publicado em 16/09/2020 12:00 - Raphael Tsavkko

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O grande nó da questão é a mudança da esquerda na defesa de pautas ligada à minorias (anos 60-2000) para a defesa do identitarismo, que é por excelência supremacista, excludente e em muitos casos fascista. Além do que, é um fenômeno importado dos EUA sem tradução e sem respeito à quaisquer especificidades do Brasil.

Foi importantíssima a quebra da ideia falsa de universalismo da esquerda marxista que, no fim, era racista, machista e homofóbica (ou, pelo menos, ignorava tais pautas), mas depois de um breve período, a ideia de classe foi completamente abandonada ou ao menos deixada em segundo ou terceiro plano por uma luta identitária fratricida em que não se luta pelo reconhecimento da especificidade de grupos, mas do cancelamento, censura, apagamento de pessoas e grupos entendidos como "opressores" na base do "estou ofendido".

E por opressores podem ser gays diante de lésbicas, negros diante de negras, enfim, cria-se uma luta de todos contra todos em uma escala de opressão que não faz sentido algum. E a opressão não é econômica, ela é identitária. Um negro rico é, na visão desse pessoal, muito mais oprimido que um branco pobre.

Eu parto do princípio que não é preciso que um se cale para que o outro fale, todos podem falar e devem resolver suas diferenças de forma civilizada dentro dos marcos da democracia e dos direitos humanos.

Não surpreende que os stalinistas tenham adotado o identitarismo de ocasião como bandeira – os "stalinnials", como aquele moleque treteiro do Youtube amigo do Caetano. Defendem Gulag, extermínio, brutalidade, se opõem a quaisquer lutas por democracia (vide Hong Kong ou Belarus) mas se são criticados logo surge a carta do racismo para silenciar as críticas. O identitarismo se tornou a arma dos espertos para impedir críticas, reservar vagas (reserva de mercado, vejam a ironia) e ganhar espaço na marra.

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Eu acho fenomenal como "liberalismo" virou xingamento pra tudo que não é comunista ou que o Lula não gosta (ou finge não gostar). Conservadores viraram liberais. Fascistas viraram liberais. Até o esquerdista Pablo Ortellado virou liberal. Não repetiu "Olavo tinha razão", ops, "Leia Losurdo"? LIBERAL.

Isso sem levar em conta as imensas diferenças e correntes dentro do próprio liberalismo (como na esquerda). Esses neostalinistas são ou burros ou só tão de sacanagem. Ou ambas as alternativas.

Parece existir um processo de completa imbecilização da esquerda em curso.

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O movimento identitário é eminentemente de destruição e não de construção. Ele não combate o racismo, ele combate o "privilégio branco", por exemplo, onde o problema deixa de ser o preconceito e passa a ser o mero fato de alguém ser branco. A causa dos males não é o preconceito, não é uma ação preconceituosa, mas a mera existência do outro que é, em si, opressor. Daí a necessidade de silenciamento através de pastiches como "lugar de fala".

Você tem que "desconstruir". Abandona-se de vez a política pela identidade-tornada-política. Você é ruim, preconceituoso, não por suas ações, mas por ser branco, por ser homem, por ser hétero, etc, o que torna virtualmente impossível quebrar o ciclo – daí a necessidade de expiação, de implorar perdão por cirmes imaginários, etc. Não é preciso apontar o erro, basta apontar a "branquitude" e o erro estará claro (sic).

NOVO CLIPE DO SEPULTURA EM DEFESA DA AMAZÔNIA. QUE PORRADA!

Sepultura's new music video in support of the Amazon forest. Powerful!

#DefundBolsonaro #savetheamazon

The fight has started again
The blood is staining our hands
Selfish desires
Commence the killing again
Illusion of wealth
Stirring the rage
The fight has started again
Blood has been shed
Our earth
Our salvation
Slips through
Our hands are tied
We've sold our souls
There's no place to hide
Why, we closed our eyes
There's no second chance
Self destruction
By speaking the truth
We stay alive
It's where we all come from
Strong in our stance
The source of our life
There's no second chance
Total demise
Blinded by faith
Cold blooded murder
Now, reverse what we've done
Save our future
We'll never give in
Preserve our future
Never give up
Fight till the end
Never give up

ÀS VEZES UMA IDEIA MIRABOLANTE NÃO PASSA DE UMA IDEIA RUIM QUE NINGUÉM HAVIA PENSADO ANTES PORQUE… É RUIM.

O OneZero publicou um texto de Joshua Adams no qual ele argumenta que talvez o nosso problema não seja o de distopias em que inexiste liberdade de expressão, mas justo o contrário, talvez tenhamos liberdade de expressão (ou openess) demais e isso seria, em si, distópico – e ruim.

A ideia merece análise por mera curiosidade, mas os argumentos usados não sustentam a tese. E fogem totalmente ao tema.
Adams argumenta que “em tal cacofonia, a desinformação não só se espalha como é incentivada.” E ele tem alguma razão. A ideia de que a opinião de todos é igualmente valiosa ou que toda opinião deve ser proferida ou absorvida como válida é simplesmente absurda.

O argumento seguinte de Adams é igualmente impecável. “O que é diferente hoje em dia é que, através de tecnologias digitais como a Internet e as mídias sociais, as más ideias têm agora um alcance rápido e global. Embora a tecnologia crie o potencial para a disseminação de boas ideias, as piores ideias prosperam quando são comercializadas on-line.”

Um leitor ligado nos últimos debates sobre desinformação já teria entendido o caminho pelo qual Adams pretende seguir – e seu erro.

“Por exemplo, o conteúdo anti-vacinação compartilhado no Facebook poderia tornar mais difícil para os funcionários da saúde pública conter a disseminação do Covid-19. A desinformação sobre saúde recebeu quase quatro vezes mais visualizações no Facebook do que informações de fontes confiáveis. Os algoritmos do site estão orientando os usuários para a desinformação de forma confiável.”

E aí está o erro de Adams – o de confundir um problema que vem dos algoritmos com um problema ligado à liberdade de expressão. Redes sociais são desenhadas pra promover conflitos. Engajamento através do ódio, da raiva, da discordância que não chega a lugar algum é o cerne do funcionamento de tais redes.

O problema não está nas pessoas falaram, mas no que é filtrado e promovido.

Desinformação sempre existiu, mesmo em páginas de jornal, em rodas de conversa de amigos. Hoje a desinformação é amplificada, mas não apenas porque é atrativa, mas porque os algoritmos de redes sociais são desenhados para promover o pior e mais controverso conteúdo – e uma vez compartilhado, os esforços para desmentir fake News são virtualmente inócuos.

O “mercado de ideias” acaba vendendo barato ideias ruins e as ideias boas acabam deixadas de lado, jogadas fora. Claro, em muitos casos é difícil separar o que é uma opinião boa de uma ruim (ainda que em outros seja extremamente simples, como quando tratamos de ideias anti-vacina ou de negacionismo relacionado ao Covid-19), mas apenas evitar ou impedir a manipulação do algoritmo na promoção de conteúdo que potencialmente cause mais discussão já seria um começo no combate à desinformação e fake News.

A questão não é limitar liberdade de expressão, pelo contrário, é promover opiniões corretas, embasadas, cientificamente comprovadas e de fontes confiáveis. É por um fim ao tratamento igual de vozes desiguais, ou até pior, o tratamento especial a vozes que não merecem qualquer atenção, mas que, polêmicas, acabam dominando o debate.

Não se trataria de impedir a expressão, mas de não promover as piores expressões e, quando possível, promover aquelas com embasamento científico.

AQUELE RESUMO ABSOLUTAMENTE PERFEITO DA ATUALIDADE

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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