28/03/2024 - Edição 540

Artigo da Semana

A lei que pode aumentar a corrupção

Publicado em 04/02/2014 12:00 -

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Ao lado da corrupção, a lei estabelece um rol bastante amplo de atos lesivos à administração, sendo certo que quaisquer deles poderão ensejar punições severas como o pagamento de multa de até 20% do faturamento da empresa ou, na impossibilidade de aferi-lo, de até R$ 60 milhões. Isso sem contar a publicação da decisão condenatória.

Apesar de estabelecer alguns critérios para a fixação da sanção, referido diploma legal não concatena o ato à punição, conferindo grande arbítrio à autoridade que decidirá acerca da ocorrência do ilícito e a resposta estatal.

O verdadeiro antídoto contra a corrupção é a adoção de normas claras, qualidade ausente na nova Lei Anticorrupção.

A insegurança é tanta que, para os mesmos atos que comina multas equivalentes ao confisco, a nova lei possibilita o ajuizamento de ações com o fim suspender as atividades da empresa, interditá-la e até dissolvê-la compulsoriamente. E o legislador ainda teve o requinte de dizer que essas medidas podem ser aplicadas cumulativamente!

O verdadeiro antídoto contra a corrupção é a adoção de normas claras, qualidade ausente na nova Lei Anticorrupção, que vem sendo inocentemente aplaudida nos meios de comunicação.

O quadro fica mais grave quando se constata que o legislador não estabeleceu qual será a autoridade competente para apurar e punir as supostas infrações. Fala-se, genericamente, na autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos três Poderes, sendo possível a delegação.

Ora, se não houver regulamentação restringindo essa competência, qualquer secretaria municipal poderá instaurar procedimento para aplicar multa passível de aniquilar uma empresa, prejudicando empregados e consumidores.

Pense no poder que terá um funcionário público corrupto diante de um leque tão amplo de condutas tidas como ilícitas e, pior, frente a tantas possibilidades de duras sanções. Mesmo sem dever nada, as empresas ficarão totalmente suscetíveis.

Pense no poder que terá um funcionário público corrupto diante de um leque tão amplo de condutas tidas como ilícitas.

Não se está afirmando que todo funcionário público é corrupto e que todo empresário é vítima. Sabe-se que há empresários que elegem trabalhar ilicitamente. No entanto, os agentes econômicos muitas vezes se veem obrigados a pagar para obterem os documentos necessários ao exercício de suas atividades ou para poderem fornecer aos entes públicos. Em certas localidades, a situação é tão institucionalizada que quem não se submete acaba alijado do mercado.

O empresário que aderir à leniência, com fulcro nessa nova lei, poderá, no dia seguinte, ser denunciado pelo crime que confessou.olho

Diante desse tipo de argumento, costuma-se questionar por qual motivo não denunciam. Primeiro, num país em que os escândalos são diários, vigora o sentimento de que todos conhecem a realidade e fazem vistas grossas.

Em segundo lugar, atualmente, são muitos os diplomas que preveem colaboração e acordos de leniência. Mas as regras são igualmente obscuras e o acordo feito diante da administração não necessariamente vincula o Ministério Público.

Isso significa que o empresário que aderir à leniência, com fulcro nessa nova lei, poderá, no dia seguinte, ser denunciado pelo crime que confessou. Percebe-se que o legislador nacional importa institutos estrangeiros sem consciência de que, no exterior, confere-se valor à palavra. O que é prometido é cumprido, até para que o sistema funcione.

Os entusiastas da nova lei têm dito que ela estimula as empresas a desenvolverem um setor de "compliance" (mecanismos internos de prevenção ao ilícito). A bem da verdade, esse efeito já decorre da legislação referente à lavagem de dinheiro. Ademais, não se pode negar que o "compliance" se transformou em um caro produto e que seus benefícios não parecem fazer frente aos malefícios que um diploma nebuloso pode trazer: o pior deles é justamente a corrupção. Parece brincadeira, mas é sério e triste.

Janaina Conceição Paschoal – Advogada e professora livre-docente de direito penal na USP


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