29/03/2024 - Edição 540

Viver Bem

Por que é bom dedicar tanto tempo e esforço ao sexo

Publicado em 11/08/2020 12:00 -

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O sapo que não para de coaxar durante semanas, o pombo que se exibe com o peito inchado o máximo possível, o vaga-lume que voa a noite toda iluminando a escuridão… Que esforço enorme fazemos para atrair o sexo oposto! Como o sexo é custoso para nós!

A energia que indivíduos de diferentes espécies animais investem na reprodução sexual é estabelecida em vários níveis. Em primeiro lugar, devemos tornar a genitalidade atraente para o sexo oposto.

A esse plano inicial de atração anatômica juntam-se os invisíveis, mas irresistíveis recursos fisiológicos, liderados pelos feromônios, que atordoam quem não enxerga muito bem ou a quem a quimiorrecepção estimula mais.

E se essa exibição de encantos ainda não for suficiente, alguns táxons, como pássaros e mamíferos, levaram o acasalamento e os namoros nupciais a um ponto de sublimação absoluta.

O resultado é que não há indivíduo na maioria das espécies que pode resistir à combinação fatal de anatomia avassaladora, fisiologia envolvente e etologia elaborada e sofisticada (como as valsas do escorpião, às quais a dança dos sete véus não chegam aos pés).

Se somarmos a tudo isso a variável "tempo investido no acasalamento" e, portanto, na fecundação dos óvulos e na obtenção de uma nova geração para a espécie, confirmamos nossa hipótese inicial.

Ou seja, a quantidade de moléculas de ATP (trifosfato de adenosina, a moeda energética da vida) que é investida nos variados mecanismos de reprodução sexual dos animais é extraordinariamente alta.

A reprodução sexual, portanto, não é custosa, é muito custosa. Sobretudo se for comparada com a simplicidade da fisipartição de uma ameba ou do brotamento de um pólipo, ambos mecanismos de reprodução assexuada.

Os 'outros custos' do sexo

Além de estruturas reprodutivas complexas e longas atividades de corte (alguns até as classificariam como cansativas), os organismos que se reproduzem sexualmente o fazem por meio de óvulos e espermatozoides.

Ambas, vamos lembrar, são células haplóides, ou seja, com uma única dotação cromossômica, ao contrário do resto das células do corpo (células somáticas) que são duplamente dotadas de cromossomos.

Em outras palavras, os organismos cortam seu potencial genético pela metade quando se reproduzem sexualmente.

Em contraste, quando um animal recorre a alguns dos vários mecanismos de reprodução assexuada, ele o faz sem se privar de qualquer riqueza genética.

Resumindo: por um lado, os animais sexuais investem uma grande quantidade de energia e, por outro, desperdiçam metade do seu potencial genético.

Sexo é, portanto, um desperdício e restritivo. Então, por que prosperou do ponto de vista evolucionário?

A razão do sucesso do sexo

Não há maior vantagem para uma espécie, evolutivamente falando, do que ter um grande pool de genes.

É a maneira de ter várias opções (genótipos) potencialmente adaptativas diante das mudanças imprevisíveis do meio ambiente que a vida neste planeta acarreta.

Assim, diante de alterações nas condições externas, haveria mais indivíduos potenciais que poderiam sobreviver e se reproduzir, garantindo assim a continuidade da espécie.

Ou seja, tudo que gera diversidade de genótipos será uma ferramenta de ouro para uma espécie, a seleção natural vai considerar isso bom e não vai eliminá-la.

Deste ponto de vista, o surgimento do sexo foi uma pechincha, porque é uma verdadeira fábrica de produção de variabilidade genética. Vamos ver como.

Em um primeiro nível, como óvulos e espermatozoides são gerados por um processo de meiose, eles sofrem uma redução na dotação cromossômica e a recombinação de genes entre os cromossomos das linhas paterna e materna durante sua formação.

Esse cruzamento de genes ocorre ao acaso, tanto em número quanto em seções de cromossomos afetados. O resultado é que óvulos e espermatozoides são geneticamente diferentes uns dos outros.

Por outro lado, o acaso novamente intervém em um segundo nível no momento em que um certo esperma (e não outro) fecunda um certo óvulo (em vez de outro).

O resultado de tudo isso é que o sexo aumenta brutalmente as possibilidades de geração de indivíduos geneticamente diferentes na espécie e, com isso, suas chances de sobrevivência e diversificação disparam.

Se o compararmos com o acúmulo de mutações não letais — o lento caminho de crescente diversidade de espécies que só se reproduzem assexuadamente —, o sexo levou à rápida multiplicação do potencial de geração de descendentes geneticamente diversos e à expansão exponencial do leque de opções potencialmente adaptável a diferentes ambientes da espécie.

Em outras palavras, o sexo alimentou a evolução.

Para aqueles que ainda não estão suficientemente impressionados com os benefícios da reprodução sexual, verifica-se que ela oferece alguns benefícios extras.

Especificamente, permite neutralizar os efeitos negativos de muitas mutações prejudiciais geradas pelo acaso.

O pool genético duplo torna possível para o alelo bom neutralizar o alelo deletério no cromossomo homólogo. Pelo mesmo motivo, cria-se a possibilidade de que as raras mutações vantajosas que surgem em indivíduos separados possam ser combinadas em um único ser.

Mas ainda há mais. Sir Ronald Fisher sugeriu há um século que o sexo poderia facilitar a disseminação de genes vantajosos, permitindo-lhes escapar melhor de seu ambiente genético se surgissem em um cromossomo com genes prejudiciais.

Um argumento final é fornecido pelos autores que sugerem que o sexo ajudaria os indivíduos a resistir aos parasitas.

Nesta nova interpretação biológica do paradoxo da Rainha Vermelha de Lewis Carroll, os hospedeiros sexuados estariam continuamente correndo (adaptando-se) para permanecer em um lugar (resistindo a parasitas).

Veja, o sexo é uma invenção real, evolutivamente falando.

E isso sem que eu tenha feito alusão a todos os detalhes em que não tenho dúvidas todos os leitores estão pensando…

*A. Victoria de Andrés Fernández é professora titular do Departamento de Biologia Animal da Universidade de Málaga (Espanha).

Este artigo foi publicado originalmente em The Conversation.


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