20/04/2024 - Edição 540

Comportamento

13 microagressões sofridas diariamente por quem é negro

Publicado em 11/08/2020 12:00 -

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O racismo toma várias formas – e isso inclui as microagressões. 

Derald Wing Sue, professor da Universidade Columbia que estuda a psicologia do racismo e do antirracismo, resumiu as microagressões raciais como “os insultos, as indignidades e as mensagens humilhantes passadas às pessoas não brancas” por indivíduos que não têm consciência da natureza ofensiva de suas palavras ou ações. As microagressões – termo cunhado pelo psiquiatra de Harvard Chester M. Pierce nos anos 1970 – podem atingir membros de qualquer grupo marginalizado, incluindo LGTQIA+, mulheres e portadores de deficiências. Aqui, vamos nos concentrar nas dirigidas à comunidade negra.

As microagressões podem ser divididas em três categorias: microataques, microinsultos e microinvalidações.

Microataques são os comportamentos mais óbvios e deliberados, como um caixa que passa um cliente branco na frente de um negro ou uma piada racista.

Já os microinsultos e microinvalidações tendem a ser inconscientes, não intencionais e menos óbvios. Na realidade, o responsável por esse tipo de comportamento muitas vezes é bem intencionado ao dizer, por exemplo, que um colega negro é tão “articulado”. Dois outros exemplos de microinvalidação: quando uma pessoa branca diz que é “daltônica” em relação à cor da pele (minimizando o sofrimento de quem lidou com o racismo), ou então afirmar que não existe mais racismo.

“É uma tarefa monumental fazer os brancos entenderem que têm esse tipo de comportamento, porque é uma ideia que dá medo”, disse Sue à American Psychological Association. “Isso ataca a imagem que eles têm de si mesmos como pessoas boas, morais e decentes e os faz perceber que, talvez inconscientemente, eles tenham pensamentos, atitudes ou sentimentos preconceituosos.”

O autor e até mesmo a vítima de uma microagressão pode querer fazer pouco desses comentários, mas o efeito cumulativo pode ser prejudicial à saúde física e mental. O estresse de ser constantemente exposto a esses incidentes está associado a depressão, trauma psicológico, ansiedade e hipertensão, entre outros problemas de saúde.

Veja abaixo relatos de negros sobre as microagressões que eles sofreram e por que elas são ofensivas:

1. Quando o funcionário da companhia aérea pergunta por que você está na fila da classe executiva

“Viajo muito para fotografar casamentos e, por causa das milhas acumuladas, quase sempre consigo upgrade para viajar de executiva. Os funcionários das empresas aéreas sempre perguntam se estou na fila certa. Eles querem que eu saiba que estou numa fila de privilégio. No começo, eu respondia que sim, mas comecei a reparar que em geral só perguntam para mim, especialmente se eu for o único negro na fila. Agora, questiono em alto e bom som por que estão perguntando aquilo para mim.” – Joshua Dwain, fotógrafo de casamentos.

2. Quando te dizem que você é tão bonita que ‘nem pensam em você como negra’

“O insulto deveria ser óbvio, mas muitas das pessoas bem intencionadas que fizeram esse ‘elogio’ pareciam não fazer ideia de como isso machuca. A ideia de que não é possível ser negro e bonito está enraizada neste país. Quando estava crescendo, todos os exemplos de beleza na mídia e nos meus livros eram de meninas ou mulheres brancas. Negras, especialmente as de cabelo parecido com o meu, em geral faziam o papel da melhor amiga desajeitada – isso se elas aparecessem no programa de TV, no filme ou no livro. Nada que eu tenha lido quando era criança me ensinou que o negro é lindo.” – Laura Cathcart Robbins, escritora e responsável pelo podcast “The Only One In The Room” 

3. Quando as pessoas acham que você entrou na faculdade por causa de uma bolsa para jogar algum esporte

“Estudei numa universidade privada e, quando me perguntavam se ganhei uma bolsa para jogar basquete, a implicação é que só tinha sido aceito como aluno por méritos atléticos, não acadêmicos. Muita gente acredita que negros são atléticos e fazem faculdade graças a essas bolsas. Nunca joguei em nenhum time e recebi uma bolsa parcial por causa do meu desempenho acadêmico.” – C.D., enfermeiro

4. Quando um funcionário te segue pela loja porque acha que você vai furtar

“Quando estou fazendo compras, tipo num shopping, e o funcionário me segue, perguntando ‘posso te ajudar a encontrar alguma coisa?’. Tudo bem perguntar uma vez, faz parte do bom atendimento. Mas sentir-se vigiado é uma microagressão comum. Acreditam que você vai furtar ou não tem dinheiro para comprar roupas naquela loja. Toda vez que passo por algo assim, decido não gastar meu dinheiro ali.” – Erlanger Turner, professor de psicologia.

5. Ou quando o funcionário te manda imediatamente para as peças em liquidação

“Alguns anos atrás, fui à Macy’s de Manhattan. Entrei na seção da Louis Vuitton para encontrar um presente para minha mãe. Assim que pisei no espaço, o vendedor me cumprimentou e me mostrou onde estavam os itens em liquidação. Fiquei pasmo. Não entendi, mas aí me dei conta de que era o único cliente negro ali e o único que não estava usando roupas de grife. Saí imediatamente. Perdi até a vontade de comprar o presente para minha mãe, e voltei para casa. Conversei com meu marido e com alguns amigos, mas nunca lidei de verdade com o fato de que aquilo me abalou.” – Jan-Kristòf Louis-Mansano, conselheiro escolar

6. Quando as pessoas pedem para tocar no seu cabelo – ou simplesmente o fazem sem pedir permissão

“Estava numa festa, e uma mulher branca que eu já tinha encontrado várias vezes antes perguntou se podia tocar no meu cabelo (ela nunca tinha pedido antes). Aí, antes que eu pudesse responder, ela colocou as duas mãos no meu afro. Ela fez aquilo para chamar atenção para mim e para me deixar sem jeito. Ela cresceu nos anos 1970 e provavelmente já viu mais afros que eu, mas ela se comportava como se esse tipo de cabelo fosse uma completa novidade. Além disso, ela invadiu meu espaço pessoal e me tocou sem meu consentimento, porque achou que tinha o direito. Isso é racismo.” – Valencia Morton, blogueira do Millionairess Mama.

7. Quando te fazem se sentir invisível

“Os brancos têm essa capacidade incrível de ignorar o que é diferente de suas normas. Minha presença foi ignorada em diversos espaços brancos simplesmente por causa da cor da minha pele. No trabalho, isso é desmoralizante e causa trauma racial.” – Renée Cherez, jornalista de viagens.

8. Quando eles dizem que você tem cabelo bom porque ‘não é crespo’

“Essa frase implica que, para ser bom, seu cabelo tem de ter características eurocêntricas. Cabelo ‘crespo’ não é considerado bonito pela sociedade e não é chamado de ‘cabelo bom’.” – C.D.

9. Ou quando te dizem que seu cabelo não é ‘profissional’

“Anos atrás, quando trabalhava num ambiente financeiro e extremamente corporativo, decidi cortar todo meu cabelo. Queria começar de novo e abraçar minha textura natural, em vez de tentar domá-lo à base de relaxamento todo mês. Lembro que quando minha supervisora soube dos meus planos, ela parou na minha mesa e disse: ‘Sei que você quer expressar sua individualidade, e todo mundo adora sua energia. Mas acho que cortar todo seu cabelo não vai cair muito bem aqui. Não é muito profissional’. Ela estava me dizendo que aparecer como meu eu verdadeiro – e meu eu mais saudável – não seria aceitável, talvez nem tolerado. Cortei o cabelo naquele fim de semana e alguns meses depois pedi demissão.” – Ashley Simpo, redatora e estrategista de conteúdo

10. Quando as pessoas ficam maravilhadas com sua capacidade de expressão

“Isso implica que é chocante que uma pessoa não branca seja capaz não só de articular seus pensamentos, mas também participar de uma conversa intelectual. Muita gente acredita que os não brancos sejam menos educados que seus pares.” – C.D.

11. Quando um branco te diz que ‘não enxerga cores’

“Se você olha para mim e não enxerga minha cor, está negando minhas experiências raciais e minha existência. Como negra, minha raça e minha feminilidade estão entrelaçadas. Sou as duas coisas ao mesmo tempo, o tempo todo. Ser daltônico é desconsiderar a minha humanidade e a de todos os negros.” – Renée Cherez, jornalista de viagens.

12. Quando esperam que você seja o porta-voz de toda a raça

“O movimento Black Lives Matter estava sendo discutido por pessoas brancas em sua maioria, e eu era o único homem negro. Basicamente virei um símbolo para uma das pessoas do grupo. Minhas experiências representavam as de todos os negros. A coisa mais maluca é que nem me dei conta disso até que duas outras pessoas apontaram isso para mim depois. Já nos acostumamos tanto a ser ‘o outro’ que nem percebemos quando viramos alvo.” – Kellan Mansano, assistente social

13. Quando se dirigem ao seu parceiro branco, não a você

“‘Deixe-me mostrar o espaço, senhor’. Não sei quantas vezes ouvi isso quando estávamos procurando uma casa, uns três anos atrás. O detalhe é que eu estava dando o sinal – mas os corretores sempre apertavam a mão dele primeiro e procuravam identificar os sinais emitidos por ele. Mesmo quando ele dizia: ‘Olha, melhor você conversar com ela sobre os detalhes financeiros’, os corretores ainda se dirigiam ao meu namorado. Sim, tem sexismo também, mas muitos dos casais brancos meus amigos que também compraram uma casa ficaram chocados. Esses corretores claramente não estão preparados para uma mulher negra responsável pelas decisões.” – Cathcart Robbins.

Você deve responder a uma microagressão?

Responder ou ignorar uma microagressão depende de você. Educar uma pessoa branca “frágil” exige uma certa energia emocional, e você pode não estar disposto. Para ajudá-lo a decidir se você deve reagir ou simplesmente deixar passar, considere o que diz Kevin Nadal, professor de psicologia do John Jay College. Nadal desenvolveu um guia para responder a microagressões: 

Sua segurança física estará em risco se você tocar no assunto?

A outra pessoa ficará na defensiva e/ou isso levará a uma discussão?

Mencionar o assunto vai afetar seu relacionamento com essa pessoa?

Se decidir ignorar, vai se arrepender depois?

Se deixar passar, isso significa você está OK com o que fizeram ou disseram?

Não existe uma maneira “certa” de responder. Algumas pessoas podem optar por fazer uma piada ou um comentário ou gesto sarcástico, como revirar os olhos, escreve Nadal. Outras podem explicar como o comentário os fez sentir e explicar ao agressor por que aquilo é considerado um insulto. E outras talvez precisem gritar, liberar a frustração reprimida. Sentir-se magoado por uma microagressão é seu direito. Mas saiba que rotular o agressor de racista provavelmente vai deixá-lo na defensiva e pode ser o começo de uma discussão. Portanto, é melhor concentrar-se – e falar em – comportamento racista, em vez de chamar o agressor de racista.

Outros podem optar por voltar a microagressão ao ofensor, como uma maneira de esclarecer o absurdo e a grosseria de seus comentários. A educadora Denise Evans, uma mulher negra, disse à revista Yes! que, quando uma pessoa branca lhe chama de “articulada”, ela diz: “Muito obrigada, você também”. Ela então pergunta à pessoa por que a chamou de “articulada” e sugere possíveis razões: o fato de ela ser mulher, ser negra ou ser nova-iorquina.

“E eu literalmente espero a resposta”, ela disse à Yes!. “Devolvo a microagressão e os preconceitos implícitos em uma linda caixinha, com um laço. Te entrego, e espero que você abra e me diga o que está vendo.”

Se você preferir evitar o confronto, tudo bem, também.

“Se optar por não se dirigir ao agressor, conversar com seu sistema de apoio pode ajudar a lidar e processar o ocorrido”, diz a conselheira Lois Kirk.

Se apontarem uma microagressão cometida por você, é seu dever pedir desculpas, ouvir as críticas e estar aberto a aprender. Não importa se você tinha boas intenções: elas são irrelevantes. E, se você testemunhar uma microagressão, pode intervir para ajudar a aliviar o fardo colocado sobre os negros.

“Nossos colegas não brancos sofrem muito por causa das microagressões e pelo estresse associado a elas”, disse à CNN a reverenda Carolyn Helsel. “Portanto, é importante que os brancos que não operam sob essas condições estressantes sejam ousados e se manifestem.”

As respostas foram ligeiramente editadas.

Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.


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