19/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

DNA autoritário

Publicado em 05/08/2020 12:00 - Victor Barone

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Em um furo espetacular, a repórter Monica Gugliano conta com riqueza de detalhes como Jair Bolsonaro decidiu mandar tropas ao Supremo e intervir em outro poder da República. A decisão não se concretizou, como sabemos. Mas a apuração ilustra bem os riscos que a democracia brasileira corre nesse governo.

Os fatos se desenrolaram no dia 22 de maio, quando o presidente foi informado que o ministro Celso de Mello havia consultado a PGR sobre se deveria determinar ou não a apreensão do celular de Bolsonaro. A consulta, que se deu em resposta a uma notícia-crime movida por partidos e já foi exaustivamente caracterizada como corriqueira por analistas, foi recebida como um ataque pelo presidente. 

“Bolsonaro queria mandar tropas para o Supremo porque os magistrados, na sua opinião, estavam passando dos limites em suas decisões e achincalhando sua autoridade. Na sua cabeça, ao chegar no STF, os militares destituiriam os atuais onze ministros. Os substitutos, militares ou civis, seriam então nomeados por ele e ficariam no cargo ‘até que aquilo esteja em ordem’, segundo as palavras do presidente. No tumulto da reunião, não ficou claro como as tropas seriam empregadas, nem se, nos planos de Bolsonaro, os ministros destituídos do STF voltariam a seus cargos quando ‘aquilo’ estivesse ‘em ordem’. A essa altura, ele já tinha decidido também que não entregaria seu celular sob hipótese alguma, mesmo que tivesse que descumprir uma ordem judicial”, revela a reportagem publicada no site da Piauí, que ouviu duas fontes que testemunharam a reunião.

Pior: Luiz Eduardo Ramos que naquele momento era general da ativa do Exército, transferido para a função de ministro da Secretaria de Governo, concordou com o golpismo do presidente. Coube aos generais da reserva Braga Netto (Casa Civil) e Augusto Heleno (Assuntos Estratégicos) colocar que haveria consequências. Os ministros palacianos se uniram aos titulares de órgãos como AGU e Ministério da Justiça para buscar uma saída ‘constitucional’ para a intervenção – que se daria a partir da interpretação de Ives Gandra Martins do artigo 142. Segundo essa leitura que o bolsonarismo quer emplacar há tempos, as Forças Armadas teriam “poder moderador” de intervir caso um poder se sinta “atropelado por outro”.

A reportagem conta que o ímpeto golpista só se acalmou depois que Augusto Heleno acenou com a divulgação daquela fatídica ‘nota à nação brasileira’ em que, na prática, ameaça o STF caso o ministro decidisse apreender o celular de Bolsonaro: “O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional.” Na tarde daquele dia, o mesmo Celso de Mello autorizou a divulgação do vídeo da reunião ministerial em que Bolsonaro insta os integrantes do seu governo a desregulamentar normas e armar o povo.

Por Outra Saúde

Apesar de tudo isso, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, preferiu não reagir. Não houve negativa oficial nem do Planalto nem de nenhum dos ministros citados ao conteúdo da reportagem da. O silêncio diante de uma denúncia de algo tão grave também atingiu a cúpula do Congresso e a Procuradoria-Geral da República. As únicas cobranças vieram individualmente de parlamentares da oposição, que tentam fazer passar nas comissões do Legislativo convites ou convocações para que os ministros sejam ouvidos a respeito do teor da reportagem. Toffoli não vai se manifestar diante de uma reportagem construída “toda em off”, segundo aliados do presidente do STF disseram. Seria ajudar a incendiar o ambiente, algo que o ministro tem evitado em se tratando dos choques institucionais entre a corte e o Executivo. Mas alguns integrantes do Supremo avaliam que ele deveria, sim, cobrar explicações do Planalto e das Forças Armadas, que, de acordo com a revista, teriam sido consultadas sobre formas de fazer a intervenção e participado com teses jurídicas a respeito da possibilidade de serem usadas nesse caso.

Por Vera Magalhães

Na quinta (6), dos 11 ministros do Supremo, o jornal El País conseguiu contato com seis deles ou seus interlocutores. Há uma espécie de consenso entre esse grupo de que o pior momento já passou na crise institucional provocada pelo Palácio do Planalto. A síntese feita por um deles foi de que as “bravatas do presidente” foram banalizadas e que, sempre que Bolsonaro ameaçava, falando para sua claque, os ministros militares estavam negociando com o Supremo e botando panos quentes na história. Por essa razão, agora fizeram uma espécie de “ouvidos moucos”. Outro ministro ainda falou que, apesar de o tema ser grave, era difícil se manifestar quando não havia registros oficiais do encontro, apenas relatos coletados por uma reportagem.

Entre as lideranças partidárias no Legislativo, apenas os opositores demonstraram algum incômodo com a fala destacada pela reportagem da Piauí. Procurados, os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não emitiram qualquer opinião sobre o tema. “Se confirmado o que foi relatado, é incompatível com regime democrático e com a Constituição brasileira a continuação do Governo Bolsonaro”, disse o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (REDE-AP). Ele apresentou um pedido de convocação dos ministros Braga Netto, Heleno e Mendonça para apresentarem seus relatos sobre os fatos.

A bancada do PSOL na Câmara, por sua vez, enviou um requerimento de informações para Casa Civil, GSI e Secretaria de Governo solicitando cópias dos e-mails de convocação da reunião, atas, registros fotográficos e em vídeo da reunião do dia 22. O objetivo final é embasar um pedido de impeachment, caso se confirme

Nas redes sociais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal liderança do PT, criticou o silêncio de Maia e cobrou que ele dê andamento a um dos pedidos de impeachment que há contra Bolsonaro na Câmara. “Quem leu a Piauí sabe que o Bolsonaro considerou dar um golpe no STF. Ele acha que o Brasil é dele. Já passou do tempo de se votar o impeachment. São mais de 46 pedidos e o Rodrigo Maia não coloca nenhum em votação”, afirmou o petista no Twitter. Os líderes do Governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE) e no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO) não atenderam à reportagem.

Por Afonso Benitez

IMPEACHMENTS

Se o processo de afastamento de Jair Bolsonaro não vem porque o presidente da Câmara não vê motivos para isso, nos estados os impeachments abertos depois da pandemia estão fazendo água. O governador de Santa Catarina Carlos Moisés (PSL) foi beneficiado com uma liminar do TJ daquele estado que suspende a tramitação do impeachment. O desembargador Luiz Cézar Medeiros argumentou que o processo tinha “fortes indícios de ilegalidade” por suprimir fases referentes à ampla defesa do governador. A estratégia de apelar ao Judiciário também fez Wilson Witzel (PSC) ganhar tempo, depois que o ministro Dias Toffoli decidiu que a Assembleia do Rio precisaria formar uma nova comissão especial para analisar o afastamento.

Na semana passada, Wilson Lima (PSC) obteve uma vitória no campo político ao virar o jogo na Assembleia Legislativa do Amazonas, que aprovou o relatório do deputado Doutor Gomes, também do PSC, que prevê o arquivamento do processo. Mas a decisão definitiva cabe ao plenário da Casa, que vota hoje

E a Câmara de Porto Alegre aprovou a abertura do impeachment de Nelson Machezan (PSDB). O processo se baseia em uma decisão do prefeito de retirar R$ 3,1 milhões do Fundo Municipal da Saúde para aplicar em ações de publicidade.

DIZER O QUÊ?

“A gente lamenta todas as mortes, está chegando a 100 mil, vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”. O comentário de Jair Bolsonaro em sua transmissão ao vivo de ontem não é nada além do esperado. A marca das cem mil mores deve ser atingida no fim de semana –. Na quainta (6) foram registradas mais 1.226, levando o total a 98.644. As infecções conhecidas já são 2.917.562. 

Mais cedo, ele assinou a MP que destina R$ 1,9 bilhão para o acordo entre a Fiocruz e a AstraZeneca, para a compra de 100 milhões de doses da futura vacina e para a transferência de tecnologia que vai possibilitar a produção na Fiocruz. De forma completamente irresponsável, disse que, quando a vacina puder ser produzida (“em dezembro, janeiro”) levará poucas semanas para que “este problema” esteja “vencido”.

Na ocasião, aproveitou para afirmar que está “com a consciência tranquila” e que fez “o possível e o impossível” para salvar vidas. Como um disco engasgado, obviamente voltou a defender o uso precoce da hidroxicloroquina. Mas a falta de noção atingiu novos patamares: “Tínhamos um protocolo do ministro primeiro da Saúde [Luiz Henrique Mandetta] que mandava aplicar apenas em estado grave a hidroxicloroquina. É jogar comprimido fora. Não precisa ter conhecimento nem cérebro para entender que é jogar comprimido fora e perder vidas”. Difícil comentar.

Por Outra Saúde

INDÍGENAS SOB ATAQUE

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, obrigar o governo Jair Bolsonaro a adotar medidas para proteger a população indígena durante a pandemia. Na verdade, o Executivo já deveria estar atuando nesse sentido (mesmo que não por iniciativa própria). Uma decisão liminar em favor da ação julgada ontem já está valendo desde o dia 8 de julho. Por coincidência, foi nessa data que o presidente retalhou um projeto de lei aprovado no Congresso com o objetivo de proteger não só indígenas, mas também quilombolas e outros povos tradicionais na crise sanitária. A caneta de Bolsonaro riscou, por exemplo, a obrigação de fornecer água potável a esses territórios. O PL, que se tornou o mais vetado da história brasileira, previa a execução de um plano emergencial com várias ações, como testagem e controle do acesso às terras indígenas.

Por isso, a decisão do Supremo está sendo considerada outra derrota para o governo, obrigado a cumprir um papel constitucional que recusa.  Entre as ações impostas, está a elaboração de um plano de enfrentamento à pandemia voltado para os povos indígenas, a criação de uma sala de situação para monitorar mortes e casos, a instalação de barreiras sanitárias para proteger aldeias em isolamento e o desenho de outro plano, desta vez para retirar ocupantes ilegais de áreas protegidas. 

Esse último ponto causou divisão entre os ministros do STF. A ação movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em conjunto com partidos políticos pedia a retirada de invasores de sete terras. No território Yanomami, por exemplo, a situação chegou ao limite, e há cerca de 20 mil invasores atraídos pelo garimpo ilegal. Até ontem, já havia 227 casos de indígenas infectados por lá. Edson Fachin defendeu que a retirada deveria ser imediata, dado o risco de contaminação pelo vírus. O restante votou com o relator da ação, Luís Roberto Barroso, entendendo que a União precisa planejar a desintrusão para depois executá-la. 

É de se duvidar que o plano saia do papel num contexto em que o órgão federal criado para proteger os indígenas prioriza o licenciamento de uma linha de energia ao invés da proteção de índios isolados. O repórter André Borges revela que o presidente da Funai enviou uma carta aos indígenas Waimiri Atroari, de Roraima, em que argumenta que “não dá para esperar o fim da pandemia” para enviar tradutores ao local. Esse trabalho é necessário para que a ligação entre o estado e o sistema de transmissão de energia nacional seja feita – “e o presidente Jair Bolsonaro cobra a liberação desde que entrou no Palácio do Planalto”, ressalta a matéria. Os indígenas tiveram de responder o óbvio a Marcelo Xavier: “Não vemos novas alternativas eficientes que impeçam essa doença de chegar à terra indígena senão o isolamento social e respeito à quarentena”.

Xavier completou um ano de Funai. Sua atuação segue o script bolsonarista de colocar em postos-chave pessoas que atuam contra a missão dos órgãos que comandam: “Nos 365 dias em que esteve à frente da Funai, ele seguiu à risca a promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro de não demarcar ‘nenhum centímetro’ de terra indígena e não deu sequência a nenhum processo de homologação de terras indígenas. Mais: o órgão vem desistindo de processos de demarcações em disputa na Justiça, mesmo quando há decisão favorável aos indígenas em instâncias anteriores”, resume o site De Olho nos Ruralistas, que desencavou uma história e tanto.

Em 2014, Xavier foi afastado da coordenação das ações de desintrusão da terra indígena Marãiwatsédé, no Mato Grosso, depois que interceptações telefônicas mostraram que ele colaborava com os invasores. Mais tarde, Xavier atuaria como consultor dos ruralistas na escandalosa CPI da Funai e do Incra aberta no Congresso para criminalizar indigenistas.

FORÇA AO GARIMPO

O ministro do Meio Ambiente se reuniu com garimpeiros clandestinos (dentre eles indígenas), e defendeu a atividade ilegal, que vem sendo combatida nas últimas semanas pelo Ibama no oeste do Pará. “É importante que a gente faça esse debate de maneira aberta. Parem de fazer de conta de que os indígenas não querem garimpar ou produzir lavoura, ou que não querem fazer atividades ligadas ao setor madeireiro florestal como se isso fosse verdade absoluta”, disse Ricardo Salles.  

Após a reunião com o ministro, os garimpeiros se sentiram fortalecidos a ponto de invadir uma pista do aeroporto de Jacareacanga e impedir a decolagem de uma aeronave da FAB que estava no local para auxiliar uma operação do Ibama na terra indígena Munduruku. 

MILITARES E SALLES

O Ministério do Meio Ambiente queria extinguir “urgentemente” a meta de redução de desmatamento nos biomas brasileiros. O plano plurianual é recente: foi aprovado em dezembro passado pelo Congresso e sancionado por Jair Bolsonaro. Nele, a União prevê uma diminuição de 90% no desmatamento e nos incêndios florestais precisa ser alcançada até 2023. Os planos de Ricardo Salles para a Amazônia – objeto de preocupação internacional – incluem não uma meta, mas um teto para o desmatamento, que não poderia avançar sobre 390 mil hectares da vegetação nativa. O despautério mereceu um breque do Ministério da Economia, que observou em uma nota técnica obtida pelo Estadão que a proposta protegeria apenas 0,07% da cobertura vegetal amazônica. 

No El País Brasil há outra reportagem que dá conta do fracasso do governo em preservar a Amazônia – ou do sucesso em favorecer o desmatamento, dependendo do ponto de vista. O foco é o papel do Exército nessa história. A Operação Verde Brasil 2, coordenada pelo vice Hamilton Mourão, mobilizou milhares de militares e centenas de recursos, mas não nos lugares certos, segundo fontes do Ibama ouvidas pelo repórter Gil Alessi. Isso porque há cinco áreas que concentram quase 45% do desmatamento da região. Os militares até estão atuando nelas, mas priorizam ações que não atacam os focos do desmatamento e queimadas ativos, tampouco os garimpos ilegais. Eles preferem bloquear rodovias e enxugar gelo, apreendendo madeira já derrubada.

VETO À INDENIZAÇÃO

O Brasil deve chegar ainda hoje (7) à marca de cem mil mortes pelo novo coronavírus. Em julho, o país liderou o ranking mundial, acumulando 32.919 vítimas fatais da pandemia. Sabemos há algum tempo que nossa liderança macabra também se estende às mortes dos profissionais de saúde. A categoria mais atingida é a enfermagem, que já perdeu ao menos 325 trabalhadores, segundo seu conselho federal. 

Nesse sentido, uma das primeiras iniciativas a ganhar fôlego no Congresso durante a pandemia foi o projeto de lei 1.826. Apresentado pelos deputados Fernanda Melchionna (PSOL/RS) e Reginaldo Lopes (PT/MG) em meados de abril, o texto previa o pagamento de indenização para trabalhadores da saúde que tenham ficado permanentemente incapacitados devido à infecção pelo Sars-CoV-2 enquanto atuavam na linha de frente. Depois, o Senado incluiu também os dependentes desses profissionais. 

Na época, o Ministério da Economia se manifestou contrariamente à aprovação do projeto, prevendo um impacto de R$ 1,7 bilhão a R$ 3,7 bilhões no orçamento da previdência social. O PL foi aprovado no último dia 14 e dependia da sanção presidencial.

Pois, ontem (6), Jair Bolsonaro vetou integralmente o projeto. A Presidência, contudo, não lança mão do estudo feito pela pasta da Economia, mas justifica que o texto foi barrado por falta de estimativa do impacto orçamentário por parte do Congresso. Também menciona “questões jurídicas”. Primeiro, porque o PL criaria uma despesa a ser paga também por estados e municípios a seus servidores (embora o texto fale que a despesa seria de responsabilidade da União). Segundo porque o PL violaria a lei de calamidade pública que veda a criação de despesas continuadas durante seu prazo de vigência. Fica a dúvida sobre se isso faz sentido, já que o projeto circunscreve a compensação financeira ao período de emergência sanitária. 

O texto previa indenização de R$ 50 mil pela incapacitação ou óbito; a cobertura das despesas com funeral; e criava um adicional de, no mínimo, mais R$ 50 mil no caso de o profissional morto deixar dependentes com deficiência.    

A MORTE DA JOVEM INDÍGENA

Cinco agentes públicos se tornaram réus por negar atendimento a uma jovem indígena. Joice tinha 14 anos, morava na Reserva Indígena de Dourados (MS) e foi vítima de uma parada cardíaca no ano passado durante uma atividade esportiva no colégio. Ao buscar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), a diretora da escola e a médica da unidade básica de saúde da reserva ouviram não. Ao apelar para o Corpo de Bombeiros, também. A adolescente morreu. 

O caso foi investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) que concluiu que, entre 2012 e 2019, vigorou no Samu de Dourados a proibição ilegal de que ambulâncias e profissionais de saúde entrassem na reserva, onde moram 15 mil indígenas. A ordem teria sido formalizada pelo ex-coordenador do órgão, Eduardo Antônio da Silveira, e seguida pelos seus sucessores no posto: Jony Santana e Renato Vidigal. Todos discriminaram apenas a reserva indígena sob a alegação de que as equipes de saúde não estariam seguras se lá entrassem. E ainda por cima afirmavam que a decisão tinha respaldo do MPF – alegação que o órgão diz ser mentirosa. 

Além deles, se tornaram réus a atendente do Samu e o sargento do Corpo de Bombeiros que também recusou atendimento, desta vez sob a justificativa de que a responsabilidade seria da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do governo federal. 

O episódio não é isolado e lideranças relatam que acabaram aceitando que os próprios indígenas transportassem pacientes até o lado de fora da reserva, onde a ambulância do Samu aceitava estacionar. “É perigoso manusear um paciente em estado grave e transportá-lo em um veículo não adequado. Além disso, quando esperávamos o aparato policial, por vezes, levavam horas para chegar. Quando é urgência, um minuto de atraso já coloca em xeque a vida da pessoa. Fizemos isso por anos. Sempre nos trataram com muita negligência”, constata Fernando Souza, do conselho distrital de Saúde Indígena, em entrevista à Agência Pública. “A única justificativa é a discriminatória, racista. Não há outra explicação. É entender que pessoas têm menos direitos do que outras. Se a mesma situação tivesse ocorrido em qualquer outro bairro da cidade, em especial, algum de classe média alta, isso não teria ocorrido”, avalia por sua vez o procurador Marco Antônio Delfino.

Por Outra Saúde

O QUE OS UNE?

Após Onyx Lorenzoni conseguir se livrar de um processo que apurava uso de caixa dois em suas campanhas eleitorais, a deputada Tabata Amaral (PDT-SP) classificou o imbróglio todo como “inacreditável”. “Corrupção parece ser o que une os membros do governo e da família Bolsonaro!”, disse a parlamentar. Onyx foi beneficiado pelo chamado acordo de não-persecução penal (ANPP), aprovado pelo Congresso no final do ano passado. O ministro admitiu que foi beneficiado por caixa dois e irá pagar R$ 189 mil como prestação pecuniária para encerrar a ação.

Por Equipe BR Político

PIADA PRONTA

O vídeo em que o prefeito de Itajaí (SC) defende a aplicação de ozônio pelo ânus para pacientes com covid-19 poderia ter se tornado apenas meme – e, talvez, queimado a reputação de Volnei Morastoni (MDB) junto de seus eleitores. 

Mas a história é outra. O Estadão mostrou que, horas antes de a gravação ir ao ar, o ministro interino da Saúde havia recebido um grupo de defensores da prática, liderado pela médica Maria Emília Gadelha Serra. O encontro foi largamente documentado nas redes sociais pelos seus participantes – entre eles, o deputado Giovani Cherini (PL-RS), segundo o qual já há hospitais do Rio Grande do Sul oferecendo a ozonioterapia como “tratamento” contra o vírus.

O detalhe é que uma resolução do Conselho Federal de Medicina proibe a categoria de prescrever esse tratamento em consultórios e hospitais, a não ser experimentalmente, com ensaios clínicos validados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Morastoni afirmou ter inscrito a cidade na Conep para integrar um protocolo de pesquisa sobre o ozônio, mas não há outras informações sobre isso. O Ministério Público de Santa Catarina encaminhou, ainda na terça, uma recomendação para que o prefeito não disponibilize ozônio no tratamento do coronavírus.

Aliás, Itajaí é aquela cidade que, na pandemia, ganhou algumas manchetes depois de gastar R$ 4,4 milhões para distribuir ivermectina à população.

“COVIDÁRIO”

Em menos de um mês, o número de infecções registradas entre funcionários da Presidência da República aumentou 65%. O boom coincide com o diagnóstico do próprio presidente Jair Bolsonaro, confirmado em 7 de julho. Pouco antes, no dia 3, havia 108 registros. No dia 31 de julho, já eram 178 casos. Isso significa que 5% das pessoas que trabalham por lá já foram contaminadas. Segundo O Globo, alguns servidores apelidaram o Planalto de “covidário”. Ironicamente, ontem Jorge Oliveira se tornou o oitavo ministro diagnosticado com o vírus. Ele é o titular da mesma Secretaria-Geral da Presidência que divulgou os dados. 

ENLOUQUECE, OLAVÃO!

A plataforma PayPal, que oferece serviço de pagamentos online, anunciou na quarta-feira (5) que cortará o acesso de Olavo de Carvalho aos seus serviços. A decisão foi tomada pela sede estadunidense da empresa e teria sido provocada pela denúncia da organização Sleeping Giants, sobre o financiamento de grupos ou pessoas ligadas a redes de disseminação de fake news. O astrólogo e guru do bolsonarismo utiliza o serviço para vender cursos de filosofia e pedir doações aos apoiadores. Sem esta ferramenta, ele passará a contar apenas com o serviço PagSeguro. Segundo o jornalista Leandro Demori – um dos primeiros a comentar a notícia em sua conta de Twitter –, o bloqueio deverá começar dentro de 48 horas.

Como resultado, o guru voltou a atacar o presidente Jair Bolsonaro, e a exigir que as Forças Armadas intervenham contra os “comunistas”. De maneira irônica, Olavo abre a série de e-mails afirmando estar “gostando de ver, senhor presidente, como as suas malditas Forças Armadas garantem a minha liberdade e a de tantos brasileiros que se sacrificaram pelo seu governo”. O guru bolsonarista voltou a afirmar que a denúncia foi obra de comunistas: “Imaginem só a valentia heróica desses comunistas, escondendo-se por trás de uma organização estrangeira anônima para destruir social e economicamente, sob pretextos lindinhos, um velho trabalhador autônomo, sem partido nem protetores”. Ao final, ele afirma em caixa alta que “para combater o comunismo, é preciso ANTICOMUNISMO, não ISENTISMO”. “Estou gostando de ver, senhor presidente, como as suas malditas Forças Armadas garantem a minha liberdade e a de tantos brasileiros que se sacrificaram pelo seu governo.

GENT DE BEM 1

No programa “Pampa Altitudes”, da TV Pampa (RS), Gustavo Victorino chamou Felipe Neto de pedófilo e depravado e ainda afirmou que tinha provas das acusações. Usuários do Twitter fizeram com que o vídeo chegasse ao conhecimento do influencer. “Eu trago aqui, seis, sete vídeos deles [se referindo aos irmãos Neto] e duvido que a direção da Pampa deixe eu tocar um deles [vídeos]”, disse Victorino. “Ele é sim, um jeito que prega sexo entre crianças e, na minha opinião, um depravado, um pedófilo e tinha que estar na cadeia.”

“Será processado cível e criminalmente”, escreveu o youtuber. “Muito obrigado, Edu.”

A equipe de advogados de Felipe Neto tem muito trabalho pela frente. Além de Antônia Fontenelle, ele se envolveu em outro embate com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). Os ataques ao youtuber se intensificaram depois de um vídeo para o jornal americano “New York Times”, no qual ele diz em inglês que Bolsonaro é o pior líder mundial no combate contra a pandemia do novo coronavírus. Uma montagem liga seu perfil em uma rede com uma mensagem, que ele nunca escreveu, fazendo apologia a pedofilia. De acordo com um estudo realizado pelo próprio youtuber, em sites de busca seu nome já aparece ligado à palavra “pedófilo”.

Sobre o caso no Rio grande do Sul, a assessoria de Felipe Neto divulgou a seguinte nota:

“A assessoria de Felipe Neto informa que todos aqueles que proferirem conteúdo difamatório, criarem ou compartilharem material que o relacione ao cometimento de crimes serão responsabilizados judicialmente, em âmbito cível e criminal. Felipe Neto reafirma a defesa da liberdade de expressão, desde que obedecidos os limites legais. Todos aqueles que cometerem os crimes de calúnia, injúria e difamação, responderão por seus atos.

Ele afirma que não irá se pronunciar publicamente sobre qualquer acusação relacionando sua imagem a crimes, bem como afirmações mentirosas, levianas e irresponsáveis. As medidas tomadas e o desenrolar das mesmas serão realizadas somente através da Justiça, por meio de seus advogados.

Os meios de comunicação não são terra sem lei e há de se ter compromisso e responsabilidade com aquilo que se fala”.

GENTE DE BEM 2

Um apoiador do presidente Jair Bolsonaro presente no cercadinho do Palácio do Alvorada disse que o ex-capitão não foi infectado pelo novo coronavírus, mas foi vítima de uma “bruxaria” feita por “africanos”.  Em resposta, Bolsonaro apenas disse que “está curado”. “Tô bem, tô curado já”, declarou.

GENTE DE BEM 3

O youtuber Gabriel Monteiro foi expulso da Polícia Militar do Rio por deserção. A decisão foi publicada no Boletim da PM desta terça-feira. Gabriel era lotado no 34º BPM (Bangu) e faltou o serviço para o qual foi escalado no dia 22 de julho deste ano. O youtuber permaneceu até o dia 31 sem dar qualquer satisfação sobre seu paradeiro à corporação e completou mais de oito dias de ausência, o que configura o crime de deserção previsto no artigo 187 do Código Penal Militar. Ainda segundo informações do processo de deserção de Monteiro, houve tentativas de encontrá-lo no endereço fornecido por ele à corporação, mas o atual morador do imóvel informou que o PM não residia naquele local.

Gabriel já respondia a um processo administrativo disciplinar desde março deste ano, ocasião em que teve o porte de arma suspenso. O soldado, que tem mais de três milhões de seguidores nas redes sociais e é conhecido por defender o governo Bolsonaro, cometeu uma "transgressão disciplinar de natureza grave", de acordo com a corregedoria da PM, ao tratar "de forma desrespeitosa" o ex-comandante geral da PM coronel Ibis Silva Pereira. O processo administrativo também poderia levar à expulsão de Gabriel.

GENTE DE BEM 4

A 7ª Vara Cível de São Bernardo do Campo identificou quem são os administradores de três perfis nas redes sociais que foram utilizados para atacar o ex-presidente Lula na ocasião do falecimento de seu neto de apenas 7 anos, em março do ano passado. O caso que mais chamou a atenção foi o da suposta blogueira Alessandra Strutzel, que classificou a morte do menino Arthur como  “uma notícia boa”. De acordo com a Justiça paulista, no entanto, não existe nenhuma blogueira. Quem fez o ataque foi um homem morador de Campo Grande, no Rio de Janeiro, identificado como L.A.S pelo portal UOL – seu nome foi preservado pelo fato de ele ainda não ter se manifestado no processo.

Donos de outros dois perfis que usaram da morte do neto de Lula para promover críticas ao ex-presidente também foram identificados pela Justiça: um deles é usava o perfil Hudson Du Mato, e é morador de Belo Horizonte (MG). Neste caso, o petista pede indenização de um salário mínimo.  O outro, identificado como Wellington Melo Castro, se escondia atrás do perfil fake com nome de Fernanda de Carvalho da Silva. Ele alegou à Justiça que a sua conta telefônica associada ao perfil foi utilizada de maneira indevida e que não seria ele quem controlava o perfil em questão.

GENTE DE BEM 5

O perfil Vigilantes Brasil publicou vídeo, na manhã desta sexta-feira (7), onde um motoboy é humilhado e sofre preconceito do morador de um condomínio de luxo em Valinhos (SP), aonde foi fazer entrega. O morador, bolsonarista e seguidor de Olavo de Carvalho, insulta o motoboy, o chama de lixo, semianalfabeto e diz que o mesmo tinha inveja do condomínio em que ele mora e da sua cor, com gesto racista característico apontando o braço. O morador diz ainda que nasceu rico e que o nome dele está escrito na bíblia.

FRASES DA SEMANA

“Falar em 6 de agosto lembra da bomba de Hiroshima. 1945. 90 mil a 160 mil mortes na 2ª Guerra Mundial. E um país que quer paz, Pazzuelo, tem que fazer o que?” – perguntou Bolsonaro em sua live no Facebook. “Prepare-se para a guerra”, respondeu o general Eduardo Pazzuelo.

“Não dá para continuar muito porque, por mês, custa R$ 50 bi. A economia tem que funcionar. E alguns governadores teimam ainda em manter tudo fechado”. (Jair Bolsonaro, sobre o pagamento aos brasileiros mais pobres do auxílio emergencial por conta da pandemia do coronavírus) 

“O parlamentar diz não ter convicções para apoiar um processo de impeachment contra um genocida como Bolsonaro, mas não se furtou a defender meu afastamento do governo, mesmo sem crime de responsabilidade”. (Dilma Rousseff, sobre o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara)

“É inaceitável a inação do governo federal em relação a invasões em terras indígenas. Inclusive porque elas vêm associadas à prática de crimes ambientais como desmatamento, queimadas, extração ilegal de madeira e a degradação da floresta”. (Luís Roberto Barroso, ministro do STF)

“A gente está vivendo hoje no Brasil um momento de validação do negacionismo, do obscurantismo, de pessoas e ideias que sempre ficaram no esgoto da opinião pública. E que de repente saíram dos esgotos, como ratos pela cidade, contaminando todo mundo”. (Felipe Neto, youtuber)

“Estamos próximos do macabro número de 100 mil mortes pelo vírus. O Brasil só não chegou a resultados piores graças ao SUS e às ações dos governadores que foram extremamente pro-ativos, daí a importância do federalismo”. (Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal) 

“Quando tivermos condições de conversar com a dignidade, sem a fake news, sem a covardia, sem a traição, sem a mentira propiciada por aqueles que estão aqui na Casa, eu acho que teremos paz”. (Augusto Aras, Procurador-Geral da República, em conflito com seus colegas procuradores)

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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