26/04/2024 - Edição 540

Campo Grande

CCZ de Campo Grande é centro de extermínio de animais, diz veterinário

Publicado em 04/08/2020 12:00 -

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Médico-veterinário, advogado e professor universitário, André Luís Soares da Fonseca faz críticas incisivas à política de extermínio de cães, promovida pelo Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) em Campo Grande. Reconhecido por suas pesquisas no tratamento de animais com leishmaniose, Fonseca chegou a ser cogitado para assumir o Centro no início da atual gestão municipal. Para ele, é preciso abrir a “caixa preta” sobre o número de animais sacrificados anualmente na cidade. Além disso, sustenta, a política de abate é arcaica e não surte efeito no controle de zoonoses. Ele propõe que o CCZ deixe o âmbito da secretaria de Saúde e migre para a secretaria de Meio Ambiente, para que a questão animal na capital deixe de ser tratada como um problema de saúde pública e passe a ser observada sob o prisma do bem estar animal.

 

O Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Campo Grande é um espaço de bem estar animal?

Não, efetivamente não é. Primeiro por que ele está alocado junto à Secretaria de Saúde, e não é atribuição desta pasta fazer bem estar animal. O bem estar animal deveria estar alocado em uma sub secretaria veiculada à Secretaria do Meio Ambiente, pois questões relativas aos animais de estimação são competência do meio ambiente. Dizer que se trata de um local para o bem estar animal é uma maneira de camuflar e deixar mais simpática a imagem do CCZ perante a população. Em segundo lugar, o CCZ não tem vocação para isso, não gostam de fazer isso. Na verdade eles trabalham com o extermínio de animais.

E por que isso acontece?

Historicamente os Centros de Controle de Zoonoses foram criados entre 1650 e 1700, para fazer controle das pragas na Europa, numa época em que não havia anestesia, nem uma visão mais moderna dos animais de estimação. A Medicina Veterinária moderna tem pelo menos 150 anos, e o controle de animais ainda continua sendo pelo abate. Sendo que, sabidamente, o controle de animais via abate não controla as doenças zoonóticas. Um exemplo clássico é que a raiva canina, que só foi controlada na década de 70 com o uso de vacinas.

Para que o CCZ de Campo Grande fosse, de fato, um espaço de bem estar animal o que seria necessário?

Existe uma incompatibilidade entre o CCZ e o bem estar animal. São competências diferentes. O CCZ não tem vocação para bem estar animal. Bem estar animal deveria estar locado no Meio Ambiente. Hoje, quando alamos de meio ambiente, penamos apenas em rios e plantas, mas não nos animais de estimação. É um erro. Fazendo uma analogia, quando capturamos um animal silvestre em uma rodovia, ele é levado para um Centro de Recuperação de Animais Silvestres (CRAS), e o animal de estimação é levado pro CCZ. Não tem sentido. Essa é uma visão tacanha, que coloca os animais de estimação como um problema de saúde pública, o que não é verdade.

Você disse que Campo Grande tem implementado uma política de extermínio no CCZ. Desde quando isso ocorre?

Campo Grande sempre implementou políticas de extermínio em relação aos animais de estimação. Tanto que não há transparência sobre o número de animais eutanasiados anualmente na cidade. Apesar de se falar da necessidade de diminuir a eutanásia canina, estes números não são públicos. Nem o Conselho de Veterinária tem acesso a estes números relativos ao extermínio. Se você perguntar para o Conselho Federal de Medicina Veterinária quantos animais são abatidos anualmente no Brasil à título de controle de zoonoses, eles não sabem dizer. Portanto, a eutanásia canina não é um método científico no Brasil para controle de zoonoses.

Este tipo de política é ineficaz?

Certamente. É uma política adotada sem eficácia científica comprovada. Pelo contrário. O que se tem observado é que, quanto mais se pratica a eutanásia canina, maior é a incidência de algumas zoonoses. Um exemplo clássico é a própria leishmaniose. Em Campo Grande, até 2013 tínhamos cerca de 190 casos leishmaniose humana por ano. Conseguimos uma liminar em 2013 acabando com a obrigatoriedade do abate de animais com leishmaniose, fazendo com que ele ocorrese somente com a autorização expressa do proprietário. Hoje, a leishmaniose humana em Campo Grande é inferior a 50 casos por ano.

Há um parágrafo na Lei de Vigilância Sanitária do município que diz que é permitido o tratamento de animais com leishmaniose canina com qualquer droga, a não ser as de uso exclusivo humano. O problema é que quando o animal tem leishmaniose e é levado pelo tutor ao CCZ, há uma pressão para o abate. Com desinformação, apavoram as pessoas, que acabam entregando o animal para a eutanásia.

Hoje, não há mais aquela política de recolhimento de animais de rua, isso não existe mais. Não se recolhe animais de rua para abater no CCZ. O Centro recolhe apenas animais violentos, que atacaram alguma pessoa ou os que tem alguma doença. O problema está na desinformação, que substitui o tratamento pela política de abate quando o tutor leva o animal doente.

Este tipo de política é uma regra no país?

Sim. É uma política adotada pelo Governo Federal, que não está muito preocupado com números estatísticos ou com a realidade cientifica. O Brasil é um dos poucos países do mundo que adota a eutanásia como forma de controle da leishmaniose. E você não tem números de quantos animais são eutanasiados e qual o impacto no ser humano. Isso não existe.

Há exceções? Como elas funcionam?

Sim. Exceções muito exemplares. Uma deles é o que ocorre na cidade de São Carlos (SP), onde não tem CCZ, mas um Centro de Bem Estar Animal que é exemplo pro resto do país. Eles conseguem fazer controle de zoonose sem a política de abate.

O que fazer para que o bem estar animal seja, de fato, implementado em CG? Que tipo de políticas públicas seriam necessárias?

Precisamos colocar representantes na Câmara de Vereadores que tenham, de fato, um compromisso claro com o bem estar animal.  Um compromisso claro com a compartimentação da competência do CCZ coma questão do bem estar animal. O CCZ deveria fazer controle de zoonose, cuidar das doenças transmitidas por morcego, pombo, escorpião. Animais de estimação deveriam ser de competência da Secretaria do Meio Ambiente. É preciso mudar a política de saúde pública, e o cidadão tem que pressionar no sentido de que o bem estar animal seja um parâmetro de qualidade de vida e controle das zoonoses. A partir do bem estar animal e da posse responsável, o animal deixa de ser um risco para saúde pública e passa ser um indicativo de qualidade de vida

É preciso deixar de perceber animais de estimação como pragas urbanas…

Exato. Infelizmente, a saúde pública, de modo geral no Brasil, ainda é muito tacanha quando se fala em controle de zoonose. Aqui, o animal ainda é considerado uma praga urbana. Apesar de todo o desenvolvimento da Medicina Veterinária e das suas técnicas e tecnologias, ainda assim a visão é arcaica, do século retrasado. É preciso informar de maneira adequada e o cidadão interessado no tema tem que se engajar para que políticas públicas positivas sejam implementadas no sentido do desenvolvimento do bem estar animal.


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