28/03/2024 - Edição 540

Mato Grosso do Sul

Em sete dias, queimadas destroem o equivalente a 34 mil campos de futebol em Corumbá

Publicado em 22/07/2020 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

Conhecido por suas planícies inundadas, o Pantanal assiste sua vegetação tomada por fogo e fuligem. Entre 1º de janeiro e o último dia 23, foram detectados mais de3.500 queimadas na região. É a maior quantidade verificada desde 1998, quando o monitoramento começou a ser realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Trinta e sete ONGs do Brasil, da Bolívia e do Paraguai, países onde o bioma se expande, estão promovendo reuniões para pressionar autoridades a investir no combate ao fogo.

A quantidade de focos de incêndio registrada entre 1º de janeiro e o último dia 23 é 190% maior do que a vista no mesmo período no ano passado. O dado é tão alarmante que o bioma foi incluído, junto com a Amazônia, na moratória decretada pelo governo federal que proibiu as queimadas por 120 dias.

As queimadas em Corumbá, por exemplo, já destruíram mais de 34 mil hectares do Pantanal – o equivalente a mais de 34 mil campos de futebol – apenas nos últimos sete dias. A estimativa é do Corpo de Bombeiros, que atua no combate as chamas na região, e já precisa selecionar onde a situação é mais grave para agir.

"Infelizmente a gente chegou nesse ponto de priorizar os locais que tem dado maior prejuízo à população para combater as chamas. A fumaça que cobre a cidade e dificulta a respiração tem atrapalhado muito a saúde pública, ainda mais em um momento de Covid-19", destacou o tenente coronel Luciano Lopes de Alencar, comandante do Corpo de Bombeiros em Corumbá.

O município criou o Comitê de Prevenção e Combate a Incêndio Florestal no Pantanal, com participação de vários órgãos públicos, para pedir ajuda ao governo federal. Nenhuma resposta foi enviada a Corumbá até a publicação desta reportagem. O tenente Isaque do Nascimento, presidente do Comitê, afirma que o auxílio é necessário.

"Temos que nos antecipar aos fatos, pois não podemos esperar a situação ganhar uma dimensão incontrolável. Por isso, buscar reforço externo requer uma marcha administrativa e é o que está acontecendo agora. Por vezes a resposta não vem na mesma velocidade que a gente deseja, então temos que aperfeiçoar nas ações, para que a gente consiga dar uma resposta mais ágil para cada situação", disse o tenente.

Trabalho árduo

O governo do Mato Grosso do Sul criou um gabinete de crise para conter os focos de incêndio. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) levou novos brigadistas ao Pantanal, mas sua chegada a algumas áreas isoladas com queimadas é um desafio, porque exige transporte fluvial ou aéreo.

Tanto o Ibama quanto o Corpo de Bombeiros de Corumbá já solicitaram o envio de aeronaves para fazer o reconhecimento das áreas, detectar a localização e traçar estratégias para combater os focos de incêndio, assim como para transportar as equipes. O tempo que se gasta para chegar ao local da ocorrência é crucial para o sucesso do trabalho. Atualmente as equipes se deslocam de barco e a pé, e com apoio de um helicóptero esse transporte seria muito mais eficiente e rápido.

Em todo o Pantanal, o combate a incêndios florestais é considerado árduo pelos bombeiros por causa de diversas condicionantes. “São locais de difícil acesso que dificultam a mobilidade do efetivo”, explica o comandante da Corporação em MS, coronel Joilson Alves do Amaral.

A grande quantidade de biomassa funciona como combustível para as chamas. As altas temperaturas e o baixo nível do Rio Paraguai são outros fatores que influenciam na proliferação dos incêndios florestais no Pantanal, já que áreas alagadas agora estão secas.

“Esse ano o período de estiagem está mais severo do que no ano passado, quando contamos com apoio dos bombeiros do Mato Grosso, Distrito Federal e São Paulo no combate aos incêndios. O próprio Exército e a Polícia Rodoviária Federal enviaram ajuda”, diz o comandante. 

Em 2020, as Forças Armadas devem ser as únicas a prestar apoio logístico ao Mato Grosso do Sul em relação aos incêndios no Pantanal. Isso porque a estiagem também castiga os estados vizinhos que costumam enviar ajuda, fazendo aumentar o número de incêndios.

No ano passado Mato Grosso do Sul perdeu mais de 1 milhão de hectares de vegetação e também lavouras em incêndios. Foi preciso montar uma verdadeira operação de guerra que contou com apoio de aeronaves e homens do Corpo de Bombeiros de outros estados, além de todo contingente dos bombeiros, PMA e brigadistas particulares.

Fogo é 'problema social', diz especialista

Outra preocupação da rede de ONGs internacionais, batizada Observatório Pantanal, é o dano à saúde humana provocado pela exposição à fumaça, como o agravamento de problemas respiratórios, irritação dos olhos e alergia. Os representantes da sociedade civil temem que os pacientes, ao procurar hospitais, tomem leitos destinados a pacientes com coronavírus. O Mato Grosso do Sul é um dos estados com maior média móvel de óbitos por Covid-19 na última semana.

Líder da Iniciativa Pantanal do WWF-Brasil, que integra o Observatorio Pantanal, Júlio César Sampaio destaca que o fogo faz parte da dinâmica natural do bioma, funcionando como a principal ferramenta para a renovação da pastagem nativa, e que seu uso controlado por proprietários rurais pode ser autorizado por lei em determinados períodos, caso não provoque danos ao ecossistema. No entanto, o atual registro dos incêndios mostra que eles estão sendo usados de forma criminosa no desmatamento e na limpeza e reforma de pastagens.

Além disso, a estiagem observada nos últimos meses na região contribuiu para o estrago causado pelos incêndios.

“O volume de chuvas ficou 50% abaixo do normal entre janeiro a maio. Estamos em um ano muito seco e de ventos fortes, o que facilita a ocorrência de queimadas, inclusive em locais onde não houve chuva suficiente para encher as áreas alagadiças. Veremos lagoas secando, jacarés buscando comida no meio do pasto”, explica Sampaio.

Sampaio destaca que o fogo tornou-se um “problema social”, especialmente para a preservação da saúde da população, e que seu impacto vai muito além do prejuízo econômico e das baixas na biodiversidade. Cientistas do observatório avaliam que as queimadas vão se intensificar nos próximos meses, já que a estação de seca do Pantanal ocorre entre julho e outubro. Também há a previsão de que o fenômeno climático La Niña chegue à região ainda este ano e reduza ainda mais as chuvas.

Felipe Dias, diretor executivo do Instituto SOS Pantanal, acrescenta que os rios não inundaram a planície como é esperado para esta época do ano.

“Deveríamos estar no nível de cheia máxima, principalmente no rio Paraguai. Agora, a área sem inundação está vulnerável a incêndios, especialmente diante da atual condição de baixa umidade do solo e do ar”, avalia.

Segundo Dias, o Pantanal vive hoje um retrato que será comum no futuro: a precipitação de chuvas na cabeceira dos rios pode ser reduzida ou até mantida no nível conhecido hoje, mas sua distribuição temporal será concentrada — ou seja, em alguns momentos a pluviosidade será intensa, seguida por outros períodos de longa estiagem, colocando em risco a conservação da maior área úmida tropical do planeta.

Danilo Bandini Ribeiro, professor do Laboratório de Ecologia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), considera que o atual estado da fiscalização do Ibama compromete o controle das queimadas.

“O Ibama sofreu uma redução orçamentária que comprometeu o combate a incêndios criminosos e o manejo do fogo”, lamenta.

O Procurado, o Ibama não respondeu aos pedidos de entrevista até a conclusão desta reportagem.

Ribeiro também preocupa-se com o fato de o Pantanal ser um bioma que atrai menos atenção, já que tem menor visibilidade internacional do que a Amazônia e ainda conserva mais de 80% de sua vegetação original nas planícies.

“A nascente dos rios, que fica no Cerrado, está muito degradada. Muitas pessoas esquecem que há uma conexão entre este bioma e o Pantanal. Devemos aproveitar este momento, em que há uma pressão para que o governo mude sua política ambiental, para mostrar os nossos problemas”, afirma.

Pior situação em 30 anos

"Estamos vivendo um momento triste da história do Pantanal de Mato Grosso do Sul". É o que afirma o Coronel Ângelo Rabelo, diretor do Instituto Homem Pantaneiro (IHP) e que trabalha combatendo a destruição no bioma há mais de 30 anos.

Segundo Rabelo, que roda a região de Corumbá, na fronteira de Mato Grosso do Sul com a Bolívia, com o IHP para combater os focos, se tornou habitual, nas últimas semanas, ver animais mudando a rotina. "Estamos observando macacos fugindo, aves desorientadas tentando encontrar um novo lar. Em mais de 30 anos trabalhando por aqui, nunca vi nada parecido, nessas proporções e condições climáticas", diz o coronel.

Apenas na região de Corumbá, mais de 13 mil hectares do Pantanal já foram consumidos pelo fogo neste ano. A cidade ainda é a recordista em focos de incêndio no Brasil em 2020, com 2370, sendo 152 nas últimas 48 horas. "A situação está incontrolável", afirma o coronel Rabelo.

Segundo o Corpo de Bombeiros, algumas queimadas são criminosas e outras surgem por conta de fatores climáticos. A grande dificuldade do trabalho dos bombeiros é que, apesar de visíveis, alguns dos focos ficam em área de difícil acesso ou em locais bem distantes, em que é necessário utilizar barcos e ainda percorrer parte do trajeto a pé, para o combate.

De acordo com o Tenente Lennon Sabino de Lima, do Corpo de Bombeiros de Corumbá, a região do Pantanal é atípica por possuir diversos tipos de solo, que propiciam maior "facilidade" para um incêndio propagar. "Em grande parte do Pantanal, encontramos um solo que possui muita biomassa acumulada, como fezes de animais, restos de madeira, restos de folhas secas e outras. Esses sedimentos vão se compactando, formando uma espessa camada de matéria orgânica. Muitas vezes combatemos um foco de incêndio, retiramos o oxigênio do fogo, mas momentos depois ocorre a reignição das chamas, já que ele continua queimando de forma subterrânea, graças a biomassa", explica.

Conforme o Tenente, em algumas ocasiões a fumaça ainda fica visível, mas o fogo não é aparente, nesses casos. Para Sabino de Lima, isso é um dos fatores que mais dificultam o trabalho dos Bombeiros. Segundo o Corpo de Bombeiros, são realizados levantamentos logísticos e de estratégia periodicamente para o combate das queimadas na região.


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *