18/04/2024 - Edição 540

Comportamento

Estes são os efeitos que o racismo causa ao corpo e à mente, segundo pesquisadores

Publicado em 21/07/2020 12:00 -

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No estudo e tratamento de saúde mental, a análise do impacto do racismo sobre o cérebro e o corpo é um território muito pouco mapeado. Nos últimos anos, os profissionais que defendem o estudo do trauma relacionado ao racismo avançaram no estudo do tema, mas a maioria dos currículos de estudos de saúde mental ainda não inclui esse tópico.

O trauma do racismo abrange os efeitos e consequências mentais e físicas sofridos por negros, indígenas e outras pessoas não brancas após exposição ao racismo. Isso não ocorre apenas quando uma pessoa sofre racismo diretamente – também é um fenômeno de segunda mão, que pode ser transmitido de geração em geração.

“O que é realmente singular no trauma gerado pelo racismo é o impacto intergeracional”, comentou a psicóloga Maryam Jernigan-Noesi, que estudou no Institute for the Study and Promotion of Race and Culture, do Boston College. “Não é só você mesma, sua vida e o que você pessoalmente viveu – são os relatos feitos por seus familiares, é você testemunhar o que acontece com seus colegas e pares, e agora, com as redes sociais e os mecanismos sociais de pessoas compartilhando vídeos, é também testemunhar coisas que você talvez não tenha vivido diretamente.”

Enquanto o racismo e a desigualdade continuam a provocar autorreflexão entre pessoas não negras, o termo “trauma do racismo” vem sendo evocado com mais frequência e está virando uma área de tratamento cada vez mais necessária no campo da saúde mental.

Para que as pessoas negras possam encarar sua experiência de frente e buscar a superação, é preciso que o trauma do racismo seja reconhecido e inserido nos estudos de saúde mental. Isso porque, segundo destacaram especialistas com quem conversamos, o trauma do racismo possui seus desafios próprios e exerce impactos específicos sobre suas vítimas.

O trauma do racismo provoca padrões de sono irregular

Lillian Comas-Diaz, psicóloga clínica de Washington especializada em trauma e questões multiculturais, conta que tem vários pacientes que estão enfrentando fadiga provocada por trauma de racismo.

“O sono é uma questão psicológica, além de fisiológica”, disse a psicóloga. “Quando você não dorme bem, isso se torna fonte de ainda mais estresse, porque você se preocupa por estar dormindo mal. É um ciclo que vai se reforçando.”

Ela destacou também que problemas como pesadelos, terrores noturnos e insônia contribuem para as dificuldades que pessoas que já enfrentaram muito racismo ou discriminação podem ter para dormir.

Ele leva ao consumo de comida em excesso ou insuficiente

O termo “comfort food” existe por um motivo. Quando as pessoas estão deprimidas, frequentemente buscam determinados alimentos para se reconfortar. A mesma coisa ocorre com pessoas quando tentam superar o trauma provocado pelo racismo.

“Algumas pessoas acabam comendo mais do que comeriam normalmente. Há pesquisas que sugerem que determinados tipos de comida desencadeiam reações no organismo que melhoram nosso humor – são coisas como doces e carboidratos”, disse Jernigan-Noesi.

Do outro lado do espectro há pessoas que comem menos porque estão tão impactadas pelo trauma de racismo. O estresse avassalador que sentem as leva a ignorar os cuidados físicos com o próprio corpo, e isso afeta sua ingestão alimentar.

É desencadeado por experiências de constante reexposição

Uma pessoa não precisa estar presente a um acontecimento perturbador para ser afetada por ele. Ao ser expostas a vídeos de brutalidade policial ou a clipes de enfrentamentos racistas nos noticiários e nas redes sociais, as pessoas são obrigadas a vivenciar racismo e discriminação indiretamente. É inescapável. E, para quem já sofre de trauma de racismo, a constante reexposição ao racismo gera mais estresse e as expõe a gatilhos inesperados.

“O trauma racista indireto, que hoje vivenciamos graças à tecnologia, difere de muitos outros tipos de estresse”, comentou Comas-Diaz. “Para as pessoas não brancas, isso acrescenta mais uma camada de trauma. As vivências de segunda mão estão afetando inúmeras pessoas que já têm trauma de racismo.”

Qualquer pessoa que assista a vídeos perturbadores que estão por toda parte online pode ser sujeita a trauma de racismo de segunda mão – não apenas quem já vivenciou esse trauma pessoalmente, mas também as que testemunham o racismo numa tela.

Eleva os níveis de cortisol, o hormônio do estresse

Segundo Comas-Diaz, as pessoas atingidas direta ou indiretamente pelo trauma do racismo sofrem uma elevação do cortisol, o hormônio do estresse. Quando uma pessoa enfrenta muito estresse, o corpo vai liberando quantidades maiores do hormônio.

“O cortisol pode nos ajudar a enfrentar desafios, especialmente em situações de risco à sobrevivência, mas um volume constante de cortisol não é bom nem saudável”, comentou a psicóloga.

Ela destacou que cortisol elevado leva a ganho de peso, fraqueza muscular, recuperação física mais lenta e muitos outros problemas de saúde. Uma resposta de estresse também eleva o ritmo cardíaco, e estudos indicam que o estresse pode intensificar os riscos associados às doenças cardiovasculares.

Ele intensifica sintomas de ansiedade, depressão e hipervigilância

Segundo Jernigan-Noesi, a experiência de discriminação pode provocar estresse corporal resultando não apenas em certas doenças crônicas prevalentes na comunidade negra, mas também em problemas de saúde mental diagnosticáveis como depressão e ansiedade.

“Experiências significativas de discriminação racial têm consequências negativas para a saúde mental”, ela explicou. “As pessoas relatam coisas como ansiedade aumentada, sintomas ligados à depressão e hipervigilância intensificada.”

A psicóloga destacou que, especialmente à luz de acontecimentos recentes como o assassinato sem sentido de Ahmaud Arbery quando ele estava praticando corrida na rua, as pessoas negras são obrigadas a ficar hipervigilantes, sempre atentas para onde estão. A comunidade negra é obrigada a lembrar sempre que o racismo está ligado a potenciais ameaças e insegurança física.

O corpo humano registra a experiência com o racismo como “estresse tóxico”

“Quando começamos a analisar o trauma de racismo, especialmente o trauma cumulativo, vemos que o racismo e a discriminação racial geralmente não são experiências singulares para muitas pessoas”, comentou Jernigan-Noesi.

“E essas experiências raramente são resolvidas. Podemos sobreviver a elas, mas, quando acontece a próxima experiência, ela pode nos fazer lembrar de experiências anteriores que sofremos, então nosso corpo também as registra como estresse.”

“Quando o corpo está estressado, o que acaba acontecendo é que ao longo do tempo o estresse prolongado pode levar ao que descrevemos como estresse tóxico.”

As consequências mentais e físicas do estresse tóxico levam à hiperatividade de partes do cérebro associadas à resposta de medo, ansiedade ou impulso. Mas, acrescentou Jernigan-Noesi, também há pesquisas que indicam que o estresse tóxico pode levar à redução da atividade, afetando o raciocínio, comportamento e planejamento das pessoas.

“Ao mesmo tempo que você tem essa consciência intensificada que pode estar se manifestando em seu corpo, ela perturba seu desempenho das atividades cotidianas”, disse a psicóloga. “Diante de tudo isso que acontece no corpo, você não consegue retornar a um estado tranquilo. O racismo é algo que é onipresente.”

Ele molda as pessoas antes do nascimento.

“Somos expostos a diferentes tipos de racismo, historicamente, coletivamente, institucionalmente, sistemicamente, de modo interpessoal e geracional”, disse Comas-Diaz.

“Muito disso é herdado. Para os negros, em especial, o estresse racista é algo que ocorre ao longo da vida. Para muitos, lamentavalmente, já ocorre antes do nascimento. São os efeitos intergeracionais do trauma do racismo. Os filhos de pais expostos ao trauma de racismo são mais sensíveis ao racismo.”

Estudos de caso mostram que em alguns casos, pais que passaram por traumas que resultaram em alterações epigenéticas – ou seja, alterações de expressão genética que podem ser herdadas – podem transmitir essas alterações a seus filhos.

Mesmo que o filho não seja diretamente exposto ao trauma de racismo, ele terá sensibilidade maior a histórias de discriminação, a racismo e a opressão sistemática testemunhados.

Em outras palavras, é um ciclo vicioso e incessante.

Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.


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