28/03/2024 - Edição 540

Brasil

O controle sobre a violência da PM é uma piada: e o MP é cúmplice

Publicado em 16/07/2020 12:00 -

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O domingo, 16 de março de 2014, amanheceu como muitos outros dias no Rio de Janeiro: com operação policial. Foi assim no Morro da Congonha, em Madureira, no subúrbio do Rio. Por volta de 9h, uma viatura do 9º BPM, de Rocha Miranda, desceu a Estrada Intendente Magalhães com o porta-malas aberto. Ali conhecemos, da pior forma, Cláudia Silva Ferreira que, vítima de uma bala perdida durante operação, foi arrastada pelas ruas do bairro, presa pela roupa ao veículo da PM.

Era fim da linha para ela, mas não para o capitão Rodrigo Medeiros Boaventura, que responde pela morte de Cláudia. Seis anos após o crime, Boaventura foi considerado pela PMERJ “apto” para julgar seus pares, igualmente acusados de crimes militares na Justiça.

Isso mesmo que você leu acima. A PMERJ colocou o nome do capitão em uma lista com nomes de oficiais, encaminhada à Auditoria Militar do Tribunal de Justiça do Rio para fazer parte do Conselho Especial de Justiça, que tem a responsabilidade de julgar militares no estado.

A Auditoria não tem uma regra que impeça a indicação de servidores que respondem a processos como Boaventura. A PM deveria fazer esse filtro, não faz, e a Auditoria não acha ruim. Vida que segue.

Seis policiais são acusados de matar Cláudia. Dois policiais se aposentaram, e quatro – entre eles Boaventura – seguem trabalhando. Nenhum foi julgado ou punido por matar Cláudia e arrastar seu corpo pelas ruas de Madureira. Os PMs Adir Serrano Machado e Rodney Miguel Archanjo, envolvidos no crime, responderam, entre 2000 e 2014, por 62 “autos de resistência”

O fim da vida de Cláudia cruza, seis anos depois, com o fim da vida de João Pedro, morto em operação policial dentro de casa no Morro do Salgueiro, em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio. Dois dos três policiais investigados pela morte do adolescente já responderam por alterar a cena de crime durante uma outra operação, em 2012. E o que aconteceu agora? A mesma coisa, a cena foi alterada. João Pedro foi retirado do local após ser baleado,  assim como ocorreu com Cláudia, igualmente “socorrida”.

Preste atenção nas aberrações da investigação do assassinato de João Pedro: 1) um policial investigado pela morte do menino ficou com material apreendido na operação; 2) policiais recolheram cartuchos antes da perícia chegar e alteraram versões sobre os disparos; 3) um dos policiais investigados só entregou o fuzil para perícia uma semana depois; 4) e para coroar o processo: o delegado, que estava na operação e que investigava as circunstâncias do crime, foi acusado por uma testemunha de alterar depoimento – ele foi afastado do caso.

Veja outro caso. Os policiais acusados do homicídio de Maria Eduarda, morta dentro da escola durante uma operação policial em Acari, zona norte do Rio, trabalham no centro de seleção de praças da PM. Fábio de Barros Dias e David Gomes Centeno respondem ainda por outras 37 mortes durante operações. Eles são os responsáveis por elaborar “pesquisas sociais”, que definem quem tem ou não a ficha limpa para entrar na PM.

Se você leu até aqui e sua cabeça martelou que “tem que desmilitarizar a PM”, dê um passinho atrás – e prometo que depois escrevo só sobre isso. Cláudia foi morta numa operação da PM; e João, em uma ação conjunta da PF e Polícia Civil.

Como é possível que policiais com tais históricos e condutas continuem nas ruas? Essa é a primeira pergunta que surge quando os casos são revelados. E não há uma resposta simples.

Sistema viciado

Conversei com o ex-corregedor da PMERJ, o hoje coronel reformado Wanderby de Medeiros, para tentar entender por que policiais envolvidos em crimes não são julgados ou punidos. A corregedoria é responsável por abrir procedimentos internos que se subdividem em inquérito policial militar, sindicância e averiguação. O objetivo é corrigir más condutas de policiais.

“Investigações conduzidas por policiais acusados de crimes contra a vida e mesmo a manutenção de seu emprego no ‘combate’ são só efeitos muito nefastos de uma causa bem maior”, ele me disse. Para Medeiros, essas situações são um “efeito da vulgarização da vida humana, inclusive dos próprios policiais, refletida, dentre outros fatores, na ausência de reais e efetivas políticas públicas voltadas à priorização de sua proteção”.

Some-se a isso a escassez de recursos em toda a polícia e a falta de autonomia e suporte para trabalhar corrigindo policiais que abusam da violência ou cometem crimes.

Veja outro episódio que ilustra a situação a dificuldade de apurar os crimes e punir policiais. A investigação do Ministério Público do Rio revelou que o ex-PM Fabrício Queiroz, envolvido no inquérito de corrupção com Flávio Bolsonaro, disse ter contato com “a cúpula de cima” em mensagem a Heyder Cardozo, policial militar que pedia ajuda para Edson dos Santos e Luiz Felipe Medeiros, policiais condenados no caso Amarildo. Você acredita que os policiais que trabalham na corregedoria têm autonomia e segurança para fazer seu trabalho nesse contexto em que pressões e constrangimentos devem ser comuns?

Pois é.

Corrupção, corporativismo, compadrios, “contatinhos”. Quando o sistema de justiça se baseia nesses critérios, o resultado não pode ser diferente do que vemos.

Uma análise dos custos da violência policial no Rio de Janeiro, feito pela organização internacional HRW, mostrou que um quinto de todos os homicídios registrados na capital fluminense em 2015 foi cometido por policiais. Três quartos dos mortos eram negros. Sabe quantos desses homicídios foi alvo de investigação pelo Ministério Público carioca?

Na época, o MP-RJ disse aos pesquisadores que apresentou denúncia de apenas quatro – ou 0,1% – dos 3.441 casos de homicídios cometidos pela polícia que foram registrados entre 2010 e 2015. Repetindo: 0,1%.

E as mortes por policiais não arrefecem. Pelo contrário: em 2020, o Rio teve o maior número de mortes por policiais em 22 anos, um recorde. Esse aumento ocorreu em um contexto de queda de homicídios em geral, que obteve o segundo menor índice já registrado pelo ISP.

Um outro levantamento, realizado pelo pesquisador de segurança pública Pablo Nunes, com base em LAIs, revelou que o MP leva, em média, cinco anos para dar uma resposta sobre os casos de mortes cometidas por policiais. Para os casos de arquivamento, a média chega a 6,7 anos e, para as denúncias, 2,7 anos. Dos mais de 740 homicídios que ocorreram entre janeiro a maio, apenas um teve resposta do MP, que ajuizou denúncia.

Para Nunes, a omissão do MP na investigação desses assassinatos contribui para que o cenário permaneça como está – e piore. “A não investigação por parte do MP dá aos policiais a certeza de que eles terão quase que um perdão pelo crime cometido. A falta de investigação e a certeza da impunidade explicam os números absurdos que registramos no Rio todos os anos”, me disse Nunes.

Há casos de legítima defesa? Não tenho dúvidas. Mas há Cláudias, Marias Eduardas e Joãos Pedros. A impunidade não está só na conta das polícias.

Em São Paulo não é diferente

A rapidez na prisão do sargento Adriano Fernandes de Campos por suspeita de participação na morte do adolescente Guilherme Silva Guedes, 15 anos, sequestrado na Vila Clara, zona sul da capital, e achado morto em Diadema (Grande SP), em junho, pode trazer a sensação de que policiais militares são punidos após matar alguém. No entanto, um levantamento feito pelo site Ponte indica que a prisão de policiais que matam tem se tornado cada vez mais rara no estado.

O presídio Romão Gomes, na zona norte da cidade de São Paulo, que recebe apenas policiais militares, registrou no ano passado a menor entrada de presos por homicídio ao longo da década, conforme dados obtidos pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação. Apenas 35 policiais foram levados ao presídio por esse crime em 2019; no mesmo ano, a PM paulista matou 845 pessoas.

Os números mostram que a entrada no presídio de policiais presos por matar vem diminuindo ano a ano, embora o número de homicídios cometidos pela PM paulista tenha aumentado no mesmo período.

Entre 2011 e 2019, 6.125 pessoas perderam a vida nas mãos de policiais militares no estado de São Paulo, segundo as estatísticas trimestrais da Secretaria de Segurança Pública. No mesmo período, 653 PMs foram levados ao Romão Gomes acusados de homicídio. A comparação indica que, para cada 10 mortes executadas oficialmente pela polícia, um 1 PM é preso pelo crime.

O Presídio Militar Romão Gomes tem capacidade para abrigar 310 policiais militares. Entre janeiro e dezembro do ano passado 225 agentes deram entrada no local por diversos crimes, o segundo menor número desde 2011, perdendo apenas para 2014. Além dos homicidas, há presos por concussão, furto, roubo, estupro e tráfico de drogas.

A impunidade e os promotores

Para a socióloga Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de prisões pode estar ligado diretamente à falta de atuação do Ministério Público, que tem a prerrogativa de denunciar o policial para que ele possa ser julgado pela Justiça — é ao MP que cabe o “controle externo da atividade policial”, segundo o artigo 129 da Constituição Federal.

“A polícia aperta o gatilho, mas pensa comigo: a Polícia Civil investiga e faz o inquérito. O Ministério Público decide se arquiva ou denuncia. Caso haja denúncia, temos o júri. Veja que é um funil. E em grande medida a responsabilidade é do MP, que arquiva quase tudo. Porque praticamente todo caso de homicídio é doloso. Se é doloso, é a justiça comum que vai avaliar, não a Justiça Militar”, explica Samira.

A socióloga passou dois anos entrevistando policiais homicidas no Romão Gomes para sua tese de doutorado. A partir desses diálogos, a pesquisadora chegou a conclusão de que, “em geral, o que dá condenação não é ocorrência em serviço, mas feminicídio, justiceiro que mata pela grana e chacina”.

A diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública afirma que são poucas as ações em serviço que acabam em condenação, classificando tais situações como “bem bizarras”. De acordo com ela, quando vai encarar o tribunal do júri, que tem um corpo de jurados formado por pessoas comuns, muitas vezes o PM é absolvido. “Se o morto tinha antecedentes criminais é ainda mais complicado. Dificilmente o policial será condenado”, enfatiza.

Quem também analisou os números foi o tenente-coronel aposentado da Polícia Militar paulista Adilson Paes de Souza, mestre em Direitos Humanos e autor do livro “O Guardião da Cidade – Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares”. Ele também pontua que o reduzido número de presos pode revelar lacunas no trabalho de apuração do fato.

“Talvez a dinâmica das investigações não esteja trazendo elementos que consigam prender o policial. Pode ser que estejam sendo absolvidos por não trazerem provas convincentes para uma condenação. Entendem que ele agiu de forma certa”, pondera.

Assim como Samira, Adilson sinaliza que os promotores públicos têm responsabilidade pela impunidade policial. “Outro ponto é que talvez o Ministério Público não esteja sendo severo e rigoroso nos casos de pessoas que são mortas por policiais militares. Há pesquisas e livros que demonstram isso. Todos esses pontos podem criar um cenário de impunidade”, sustenta.

“Perda de controle sobre a ação violenta da polícia”

Ao analisar os números disponibilizados pela reportagem, o pesquisador do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo) Bruno Paes Manso apontou que, assim como cresceu a quantidade de pessoas mortas pela PM, houve aumento no números de policiais militares mortos. “Você tem essa mudança de padrão de aumento por morte violenta desde 2016. Nos últimos três anos, houve aumento de vitimização de policiais também. No mesmo tempo essa redução de prisões de policiais, como se as instituições de controle meio que deixassem eles próprios resolvendo seus próprios conflitos”. Entre 2011 e 2019, 223 policiais militares foram mortos.

Na visão de Paes Manso, o que pode ter ocorrido é “uma perda de controle sobre a ação violenta da polícia que vitima as pessoas, mas também os policiais, sem que as instituições de controle prestem a devida atenção. Quando houve mais prisão e quando houve uma maior atenção a esse cenário, são anos que a violência cometida por policiais, mas que também vitima os policiais, esteve mais baixa”.

Durante a entrevista, Samira Bueno demonstrou preocupação com o aumento da letalidade policial. “A questão é que a polícia mata mais hoje do que há 20 anos, e os homicídios caíram 80% nesse período. A polícia, em tese, responde a violência do território ou da ação. Só o que justifica o uso da força letal é a garantia da vida do próprio policial ou de terceiros caso ameaçada. Policial não pode atirar para evitar um roubo de veículo. Tem que ter uma ameaça concreta que justifique”, ponderou.

Diante sua experiência, Samira ainda consegue analisar e explicar quem são as principais vítimas da violência policial em São Paulo. “Se a violência está caindo, como se explica esse aumento tão agudo da letalidade? Crime organizado, armamento pesado? Vamos pensar quantas ocorrências envolvem uso de fuzil ou esse tipo de armamento pesado? São poucas. A maioria das vítimas da polícia são moleques, que preenchem os requisitos de suspeição: jovens, pretos e periféricos”, diz.

O que diz o Ministério Público

Procurada, a assessoria de imprensa do Ministério Público enviou respostas por e-mail. “A morte por intervenção policial raramente permite uma prisão em flagrante delito. Dessa forma, a notícia do crime chega ao Ministério Público por meio do Inquérito Policial e já com o suposto autor do fato ilícito solto”, afirma.

Como o Ministério Público analisa tais números?

A análise das estatísticas da SSP e do SISMP indica que, de fato, houve aumento do número de mortes por intervenção policial. Não é possível afirmar que essa tendência se manterá ao longo do ano.

O MP, como instrumento de denúncia ou arquivamento, entende que faltam provas robustas para pedir a prisão em casos envolvendo PMs?

A morte por intervenção policial raramente permite uma prisão em flagrante delito. Dessa forma, a notícia do crime chega ao Ministério Público por meio do Inquérito Policial e já com o suposto autor do fato ilícito solto. A decretação da prisão preventiva depende do atendimento de um conjunto de fatores: a) prova clara da autoria e materialidade delitiva; b) demonstração de perigo à instrução criminal; c) necessidade de assegurar a ordem pública ou econômica; d) ainda em razão da necessidade de assegurar a instrução criminal; d) além de assegurar a aplicação da lei penal. Preenchidos tais pressupostos, diante da prova do caso concreto, o Ministério Público não tem hesitado em requerer a prisão preventiva do agente criminoso, seja ele policial militar ou não.

Quais as dificuldades para pedir prisões de PMs após homicídios?

A maior dificuldade é a inocorrência de prisão em flagrante. A prisão só será decretada pelo Poder Judiciário se houver prova da autoria e o preenchimento dos requisitos acima citados, o que nem sempre acontece. Quando há provas, o Ministério Público não tem se eximido de lutar pela condenação, valendo lembrar que os casos são julgados pelo tribunal júri.
Queremos, contudo, aproveitar a oportunidade para registrar nossa preocupação com esse tema. O Ministério Público brasileiro, em mais de uma oportunidade, manifestou apoio irrestrito ao Projeto de Lei n° 135/2018, do Senado Federal, de autoria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal (CDH), que busca conferir ao Ministério Público a atribuição para investigar crimes supostamente cometidos por agentes de segurança pública, no exercício das funções.

O que diz o governo

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do governo João Doria (PSDB) encaminhou nota em que afirmou que “trabalha permanentemente em medidas para reduzir as mortes”.

“Por exemplo, é uma determinação da pasta que todos os casos de MDIP [morte em decorrência de intervenção policial) sejam imediatamente investigados pela Polícia Civil, por meio do DHPP, e pela PM, além de comunicados ao Ministério Público. As instituições também analisam todas as ocorrências para verificar a conduta dos policiais e avaliar a adoção de alternativas de intervenção para evitar o mesmo resultado em episódios futuros”, afirma a nota.

“No primeiro quadrimestre deste ano, 105 policiais civis, militares ou técnico-científicos foram demitidos ou expulsos. Em 2019, foram 226 agentes demitidos ou expulsos. A PM realizará um programa de treinamento envolvendo todos os níveis hierárquicos, visando a reforçar os conhecimentos e técnicas da instituição. O governo do estado também iniciou a instalação de câmeras corporais nos uniformes dos agentes de segurança para dar mais transparência às ações da polícia”, prossegue a nota.

"Licença para matar" da PM paulista reforça seu alinhamento a Bolsonaro

A Polícia Militar de São Paulo conta com seu próprio "excludente de ilicitude", em outras palavras, sua licença para matar. O que demonstra alinhamento à política do presidente da República e reforça a percepção da perda de comando por parte do governador João Doria.

Investigação de Alex Tajra, Gabriela Sá Pessoa e Luís Adorno, do UOL, publicada no último dia 14, mostra como uma brecha em uma lei federal com a ajuda de um decreto estadual e uma normativa da PM dificultaram a resolução de mortes com intervenção policial.

O pacote anticrime, apresentado pelo governo federal e aprovado pelo Congresso Nacional no ano passado, afirma que os policiais devem constituir advogado de defesa. O truque exposto na reportagem é que nem os policiais, nem a corporação estão indicando advogados. Com isso, o processo é suspenso e os familiares de vítimas ficam sem saber se o Estado foi negligente ou criminoso na morte de seus entes queridos.

Vale lembrar que o projeto anticrime do então ministro da Justiça, Sergio Moro, previa o "excludente de ilicitude", possibilitando que um juiz deixasse de aplicar uma pena ao policial que agrediu e matou se o "excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção". Dispositivo que a Câmara dos Deputados barrou, mas Bolsonaro continua defendendo.

Em novembro, o presidente encaminhou ao Congresso Nacional um projeto para isentar de punição agentes de segurança que cometerem crimes e excessos durante esse tipo de operação.

Ele também propôs um outro PL para autorizar operações de GLO para a retirada de ocupantes de propriedades. Somando com a proposta anterior, isso pode significar o perdão para mortes de camponeses, trabalhadores rurais, indígenas e quilombolas que reivindicam territórios.

João Doria foi eleito com um discurso que incentivou a violência policial, pegando carona em Bolsonaro. Na mesma linha de seu par fluminense, Wilson Witzel, afirmou que a polícia iria atirar para matar e elogiou ações com suspeitos mortos – como os 11 mortos de Guararema (SP), em abril do ano passado. Prometeu "os melhores advogados" a policiais que matam.

A consequência disso pode ser vista em uma profusão de microdocumentários da vida e morte nas periferias, gravados pelos celulares de vizinhos e familiares que presenciaram todo tipo de atrocidade por parte de policiais militares. O último caso foi a de uma dona de bar em Parelheiros, zona sul da capital, torturada por um PM que pisou em seu pescoço quando já estava imobilizada no chão.

Diante das imagens que viralizaram no WhatsApp, e da intensa cobertura da imprensa e da óbvia reação da sociedade, ainda mais em um momento em que o mundo assiste às manifestações contra a morte de George Floyd, nos Estados Unidos, Doria foi junto e passou a criticar esse comportamento. A tropa se indignou profundamente com isso, o que fortalece ainda mais a percepção de que Bolsonaro está com eles em qualquer circunstância.

Contribuiu também para a revolta o fato de o governador não ter conseguido cumprir suas promessas de reajuste de salarial e de redução da precariedade das condições de trabalho dos agentes. Apenas uma pequena parcela de policiais deseja licença para matar, a maioria quer a certeza de que poderá garantir dignidade e qualidade de vida a suas famílias.

São Paulo era um dos únicos estados em que o poder político tinha alguma ascendência sobre a tropa. Isso vai se reduzindo. Na melhor das hipóteses, membros da cúpula da polícia sairão candidatos a cargos públicos em 2022. Na pior, soldados, cabos e sargentos das polícias responderão, na prática, à necropolítica do presidente da República e não mais à dos governos estaduais.


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