25/04/2024 - Edição 540

Poder

Expurgar rede bolsonarista de desinformação no Facebook foi muito importante, mas não é o suficiente

Publicado em 10/07/2020 12:00 -

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Muitas das 88 contas bolsonaristas bloqueadas na quarta-feira (8) pelo Facebook já estavam em operação desde a eleição presidencial de 2018. Produzindo e compartilhando memes atacando os adversários de Jair Bolsonaro, eles usavam perfis duplicados e falsos para evitar a fiscalização da plataforma.

Segundo análise da equipe do Digital Forensic Research Lab (DRFLab), ligado ao Atlantic Council, coordenada pela pesquisadora Luiza Bandeira, essa é primeira vez que se consegue provar que aliados do presidente Bolsonaro usam contas falsas nas redes sociais para atacar adversários do presidente. Para o Facebook, o conjunto removido agia para enganar sistematicamente o público, sem informar a verdadeira identidade dos administradores.

O trabalho, que apontou o envolvimento de ao menos cinco funcionários da Presidência e dos gabinetes do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), além de membros das equipes dos deputados Alana Passos e Anderson Moraes, ambos do PSL no Rio de Janeiro, identificou o assédio online direcionado ainda no processo eleitoral.

Uma nota divulgada pelo Facebook para justificar a remoção dos conteúdos brasileiros diz que o esquema envolvia a combinação de contas duplicadas e falsas, cujo objetivo era evitar a fiscalização da plataforma. Elas representavam pessoas fictícias que publicavam conteúdos em páginas que simulavam a atividade de veículos de imprensa. Entre as publicações, havia tópicos sobre política; eleições; críticas a opositores e a jornalistas e organizações de mídia e informações sobre a pandemia da Covid-19. Ainda segundo o texto, parte desse material já havia sido removido por violar normas de uso, incluindo discurso de ódio. Foram encontrados também, pelo DRFLab, ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio das hashtags #STFVergonhaNacional e #STFEscritórioDoCrime.

O perfil ‘Bolsonewsss’, que pertencia a Tercio Arnaud Tomaz, assessor especial de Jair Bolsonaro, que também já trabalhou no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), teve como principal alvo em 2018 o candidato do PT, Fernando Haddad (PT), que disputou o segundo turno contra Bolsonaro. Em uma das publicações ele comprara o candidato petista ao ditador italiano Benito Mussolini. Marina Silva (Rede) também aparece em uma publicação do perfil de Tercio, sendo relacionada à prática de aborto.

Leonardo Rodrigues, que era lotado no gabinete da deputada estadual Alana Passos (PSL-RJ) até o fim de abril, e que teve seu perfil Bolsonéas bloqueados, já está de volta às redes sociais. Ele criou uma nova conta no Twitter, onde diz ter sido banido injustamente das redes. Em um de seus posts, também compartilhado pelo vereador Carlos Bolsonaro em julho de 2018, ele diz que Bolsonaro era o único candidato da eleição que queria ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preso.  

O candidato a governador do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, também foi alvo de uma das contas bloqueadas. Vanessa Navarro, noiva de Leonardo Rodrigues e assessora do deputado estadual Anderson Moraes (PSL-RJ), fez uma postagem em seu perfil pessoal no facebook, em outubro de 2018, quando Paes disputava o segundo turno eleitoral com o atual governador, Wilson Witzel (PSC-RJ), de uma foto dele ao lado do ex-presidente Lula e os ex-governadores Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão. Na legenda, as hashtags #PTNunca e #EduardoPaesNunca.

Importante, mas não suficiente

O expurgo da rede bolsonarista de desinformação é muito importante. É chave, até. Chave porque, pela primeira vez, põe as manobras de fake news na antessala do presidente da República. É um presente para o Supremo. Ao fazer este elo, entre fake news e alguém muito próximo de Jair Bolsonaro, amplia em muito o impacto do inquérito aberto pela Corte.

Mas, não é o suficiente.

Mas não podemos perder de vista um ponto: 35 contas, 14 páginas e um grupo, além de mais 38 contas no Instagram. Alcance de pouco menos de 900 mil pessoas no Face, um pouco mais no Insta. É pouco. A rede bolsonarista é bem mais ampla do que isso.

Isto quer dizer algo simples: o Facebook não dá conta de manter limpa a sua plataforma. Não está sozinho, diga-se. O Twitter também não dá. Mas também é verdade que o Twitter tem muito menos recursos do que o Face.

É importante demais que esta ficha caia.

O Facebook é uma corporação que está entre as cinco maiores dos EUA, candidata a chegar ao US$ 1 trilhão de valor no mercado. Há outras quatro gigantes de tecnologia com o mesmo tamanho, mas não há empresa maior no mundo. Esta corporação gigantesca tem quase 30% da população mundial entre seus usuários ativos.

São 2,6 bilhões de pessoas como nós. Está na ponta da compreensão do comportamento humano via inteligência artificial. Talvez alguma chinesa rivalize, mas não bate. Se algum algoritmo sabe interpretar como nos comunicamos, como interagimos ou mesmo como nos sentimos online, é o Facebook.

Esta rede bolsonarista que foi desativada na última quarta-feira vem crescendo desde 2018. Desde o ano da eleição presidencial. Após alertas da imprensa, informações colhidas a partir da CPMI no Congresso Nacional e de ajuda estratégica do Atlantic Council, o Facebook enfim identificou a rede e a expurgou. Identificou entre seus gestores um assessor direto do presidente, outro de seu filho 03, o deputado Eduardo Bolsonaro, além de mais gente ligada ao grupo político.

E não é a principal rede bolsonarista. É uma pequena parte dela.

Vamos botar num parágrafo o que sabemos. Um vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro, acompanhado de um rapaz que vindo do interior da Paraíba esta em seu primeiro emprego no Palácio do Planalto e mais uma trupe ainda mais jovem, lideram juntos uma rede de desinformação num país que está entre as dez maiores economias do mundo.

Usando técnicas razoavelmente simples — contas falsas e robôs para se fazerem passar por um volume muito maior de pessoas — sequestram o debate público desta nossa democracia. Se aproveitam dos algoritmos que já tendem a exacerbar emoções nas redes para, então, criar artificialmente consensos. Tomando de assalto o regime, fraudando a conversa da sociedade em ano eleitoral, radicalizam uma parte da população e vencem.

Não aconteceu só aqui. Aconteceu também na mais antiga e mais rica democracia do planeta, os Estados Unidos. Aconteceu na Itália e no Reino Unido.

E uma das maiores corporações do planeta, na ponta da tecnologia, da inteligência artificial, da compreensão do comportamento humano conseguiu, enfim, desbaratar uma pequena parte desta rede.

Não é o suficiente. As plataformas sociais — inclua-se na lista YouTube, que pertence ao Google, e Twitter — servem ao sequestro de democracias as mais estáveis. Não há ponto de exclamação ou adjetivo que dê a ênfase necessária à gravidade do problema.

Mas ao menos uma coisa é possível dizer. A todos. É pouco. Não é nem de perto o suficiente.

Presidente defende rede de fakes

A Covid-19 não conseguiu tirar do ar a live semanal de Jair Bolsonaro. Mesmo tossindo, o presidente realizou sua tradicional transmissão das noites de quinta-feira. Falou sobre a decisão do Facebook de desligar da tomada a rede de desinformação vinculada ao Planalto, aos seus filhos e a parlamentares aliados. O discurso de Bolsonaro envelheceu. Soou desconexo.

O presidente calou sobre o essencial. Não disse nada a respeito do seu assessor especial Tércio Arnaud Tomaz, a face do Planalto na rede tóxica do bolsonarismo. Desafiou a imprensa a apontar mensagens de ódio no seu Facebook ou nas páginas dos filhos. Elas até existem. A questão é que as contas desativadas não são as oficiais, mas as falsas, concebidas com o propósito deliberado de ludibriar.

Bolsonaro defendeu a liberdade de expressão. Mas o que se bloqueou foi a liberdade de empulhação. O presidente declarou, de resto, estar sendo perseguido. O diabo é que a ação decorre de auditoria encomendada pelo Facebook, que alcançou 11 países.

Para que a tese da perseguição ficasse em pé seria necessário incorporar ao rol de perseguidores de Bolsonaro os cerca de 400 grupos econômicos que ameaçaram cortar ou cortaram verbas publicitárias do Facebook, para forçar a plataforma a agir contra a desinformação e o ódio. A lista inclui Coca-cola, Unilever, Ford, Volkswagen, Starbucks, Adidas…

Além de não haver comunistas na relação de hipotéticos perseguidores de Bolsonaro, o WhatsApp, aplicativo pertencente ao Facebook, desabilitou há 15 dias uma dezena de contas do PT. Alegou-se que operavam de maneira automatizada. Quer dizer: Bolsonaro precisa atualizar o seu enredo. O atual perdeu o prazo de validade.

Análise

Idealizado para assombrar adversários de Jair Bolsonaro, o chamado gabinete do ódio tornou-se uma espécie de trem fantasma. Ao remover uma rede de desinformação ligada ao presidente da República, seus filhos e parlamentares aliados, o Facebook alterou o percurso dos vagões. Desgovernados, eles podem abalroar o Planalto.

Ao informar que um dos maquinistas despacha no Planalto, o Facebook aproximou Bolsonaro do inquérito sobre fake news que corre no Supremo Tribunal Federal. Ao revelar que a máquina de ódio foi aos trilhos em 2018, o grupo de Mark Zuckerberg forneceu material para as ações que ameaçam a chapa Bolsonaro-Mourão no Tribunal Superior Eleitoral.

Relator do inquérito sobre notícias falsas, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, requisitará o material do Facebook. O passo seguinte será encomendar à Polícia Federal um aprofundamento da investigação. Além de confirmar o modelo de acobertamento que protegia a identidade dos difusores de desinformação, será necessário esmiuçar o conteúdo dos grupos, páginas e contas operadas pelo gabinete raivoso no Facebook e no Instagram.

Chama-se Tércio Arnaud Tomaz o assessor-especial de Bolsonaro identificado pelo Facebook como braço operacional do gabinete do ódio no Planalto. Foi recrutado por Carlos Bolsonaro. Despacha no terceiro andar do Planalto, a poucos metros do gabinete presidencial. Recebe salário mensal de R$ 13,6 mil.

Se ficar demonstrado que Tércio Tomaz é remunerado pelo contribuinte para desperdiçar seu expediente industrializando raiva nas redes sociais, Bolsonaro pode ter problemas. A Constituição proíbe que um presidente seja processado por eventuais delitos cometidos antes da posse. Mas os indícios de que a indústria de ódio e desinformação operou nos anos de 2019 e 2020 empurra a encrenca para dentro do mandato de Bolsonaro.

Já está entendido que o Supremo poderá compartilhar com o TSE os dados que vem colecionando. O relator Alexandre de Moraes compõe o colegiado de sete ministros da Corte Eleitoral. Não foi por acaso que Moraes, ao quebrar o sigilo bancário de empresários bolsonaristas investigados no inquérito das fake news, atrasou o relógio até julho do ano eleitoral de 2018.

Nas ações que tramitam no TSE, Bolsonaro é acusado de vitaminar sua candidatura presidencial por meio de um esquema de impulsionamento de mensagens falsas via WhatsApp. A exemplo do Facebook e do Instagram, o aplicativo também realiza um esforço de auto-higienização.

No mês passado, o WhatsApp suspendeu uma dezena de contas do PT que operavam automaticamente. Alegou que o partido violou regras de funcionamento do aplicativo. A pedido do Supremo, a PF pode requisitar ao WhatsApp informações sobre o modo como o bolsonarismo utilizou suas facilidades nos últimos verões.

Entenda como funcionava o esquema bolsonarista no Facebook

As 88 páginas bolsonaristas deletadas pelo Facebook operavam, segundo a plataforma, para enganar os usuários da rede social — omitindo a identidade de seus administradores — por meio da publicação de conteúdos favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro e ataques a seus opositores. 

Foram identificados pela empresa ao menos cinco funcionários da Presidência e dos gabinetes do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), além de membros das equipes dos deputados Alana Passos e Anderson Moraes, ambos do PSL no Rio de Janeiro. A autoria das publicações foi com base em dados de investigação do Digital Forensic Research Lab (DRFLab), ligado ao Atlantic Council, coordenada pela pesquisadora Luiza Bandeira.

No infográfico abaixo, o Sonar detalha os principais personagens, ligações e páginas envolvidas na estrutura removida pelo Facebook. Confira:


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