29/03/2024 - Edição 540

Poder

Educação: Bolsonaro troca desastre certo pela dúvida

Publicado em 26/06/2020 12:00 -

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Com a chegada de Carlos Alberto Decotelli, nada de mal acontecerá ao Ministério da Educação que não seja esplêndido diante do que poderia acontecer se Abraham Weintraub continuasse no comando da pasta. O novo ministro assume como uma incógnita. E a dúvida é vista como um avanço se comparada à certeza do desastre que o antecessor representava para a Educação.

Decotelli presidiu o FNDE, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, de fevereiro a agosto de 2019. Saiu sem explicar um edital viciado para a compra de 1,3 milhão de computadores, laptops e notebooks. Negócio de R$ 3 bilhões.

A Controladoria-Geral da União farejou esquisitices. Por exemplo: uma escola pública mineira com 255 alunos receberia 30 mil laptops. O edital foi anulado. Mas até hoje não se sabe quem o elaborou. O TCU quer saber. Decotelli precisa informar.

No mais, o novo ministro diz estar preocupado com a Educação, não com guerra ideológica. Além do discurso técnico, dispõe de currículo e compostura. Não é dado a ofensas. Bem diferente de Weintraub, que insultava até a língua portuguesa.

Resta saber:

1) se Decotelli possui capacidade gerencial;

2) se os aloprados que seguem Olavo de Carvalho, o guru de Virgínia, deixarão que o novo ministro trabalhe.

Comparação

O que até pouco tempo parecia improvável – Bolsonaro promover uma mudança de rumos no MEC enfraquecendo a ala olavista – acabou acontecendo com a escolha de Decotelli. Ainda é cedo para analisar o quanto essa troca impactará na prática a condução das políticas públicas do setor, mas é certo que Decotelli tem perfil bem distinto de seu antecessor.

O novo ministro não era conhecido do setor educacional até ser nomeado, no ano passado, para o cargo de presidente do FNDE, importante autarquia do MEC responsável por vários programas de apoio financeiro a Estados e municípios. Mas tem uma carreira acadêmica com especialização em gestão. Pessoas que trabalharam diretamente com ele afirmam que seu estilo é oposto ao de Weintraub, um indício de que o titular da pasta deixará de chamar a atenção pelas agressões e polêmicas. Sua escolha foi bem recebida por secretários de educação, que sempre criticaram a falta de diálogo do antigo ocupante do cargo.

Por ser uma indicação dos militares, Decotelli chega ao MEC com algum respaldo na briga com os olavistas, que tentaram emplacar outros nomes, com perfis mais próximos ao de Weintraub, dessa vez sem sucesso. O novo ministro, enquanto presidente do FNDE, com frequência era alvo de articulações internas do grupo, e nunca foi próximo do ex-ministro.

Especialistas temem privatização e cortes orçamentários

Carlos Alberto Decotteli da Silva, nomeado nesta quinta-feira 25 como ministro da Educação, é o segundo economista a chefiar a pasta na gestão Bolsonaro. O primeiro foi Abraham Weintraub.

Com titulações na área econômica, Decotelli foi nomeado em fevereiro do ano passado como presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Há informações de que ele teve que ceder o cargo ao centrão.

Decotteli atuou na transição do governo junto à equipe do Ministério da Educação, em Brasília, momento em que apoiou a estruturação de ideias e estratégias para a gestão financeira da educação do Brasil.

Nas redes sociais, movimentos estudantis, estudantes e parlamentares de oposição não deixaram de mostrar preocupação com o alinhamento do novo ministro à equipe econômica de Paulo Guedes, dadas possíveis aberturas à agenda da privatização da educação a movimentos que defendem gestão empresarial para as redes educacionais e a continuidade de corte de recursos orçamentários para a área.

O fato de seu nome ser tutelado pela ala militar do governo também preocupa especialistas, já que uma das agendas do governo para a educação é ampliar a militarização das escolas.

Veja as repercussões da nomeação do novo ministro da Educação:

“A indicação de Carlos Alberto Decotelli ao Ministério da Educação não atende aos interesses de uma escola pública e gratuita para todos, em especial nesses tempos de pandemia que exigem desafios monumentais para o momento. Decotelli é economista ligado à área de finanças e oficial da reserva da Marinha, mantendo ligações políticas com o ministro da Economia Paulo Guedes. Ocupou a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) à época do ministro Vélez e começo do ministro Weintraub, apresentando resultados pífios em sua gestão, marcada por mais tempo viajando do que em Brasília”, diz nota divulgada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

Já a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES) e a Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG) divulgaram uma nota conjunta repudiando a nomeação de Decotelli para a chefia do MEC.

“Embora possua trajetória acadêmica e possa vir a representar um deslocamento do grupo olavista na gestão, o novo ministro não tem experiência vinculada à educação, mas sim nas áreas financeiras e militar, o que é sempre motivo de preocupação. A educação não pode ser tutelada nem por grupelhos ideológicos e nem estar a serviço dos interesses do mercado financeiro”, diz o texto.

Confira, abaixo, a íntegra das manifestações das entidades.

Rozana Barroso, presidenta da UBES

Andressa Pellanda, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Iago Montalvão, presidente da UNE

Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Nota da CNTE

Educadores brasileiros apresentam à sociedade os atributos de um Ministro da Educação que garanta as condições para um ensino público, gratuito, laico e democrático: Carlos Alberto Decotelli não representa esses interesses!

A indicação de Carlos Alberto Decotelli ao Ministério da Educação não atende aos interesses de uma escola pública e gratuita para todos, em especial nesses tempos de pandemia que exigem desafios monumentais para o momento. Decotelli é economista ligado à área de finanças e oficial da reserva da Marinha, mantendo ligações políticas com o ministro da Economia Paulo Guedes. Ocupou a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) à época do ministro Vélez e começo do ministro Weintraub, apresentando resultados pífios em sua gestão, marcada por mais tempo viajando do que em Brasília: mais de um quarto de seu tempo como gestor no órgão foi gasto em viagens para outras cidades, o que terminou por comprometer, por exemplo, a execução de inúmeras políticas e projetos para a educação básica do país. Notícias da imprensa dão conta que, das 19 licitações esperadas para o ano de 2019, nenhuma saiu do papel, indicando que até para a função de gestão da educação do país, não se pode também esperar muito de Decotelli. Militar condecorado, com trânsito bom na atual equipe econômica do governo, o novo ministro alia o apoio dos militares com os interesses das áreas privatistas do governo.

O Brasil precisa de um Ministro da Educação que garanta as condições de termos escolas para todas e todos nesses tempos de pandemia do COVID-19! À sociedade brasileira interessa um ministro comprometido com a educação para os/as brasileiros/as, que consiga enfrentar os problemas históricos do setor educacional do país e as dificuldades impostas pelo momento atual. Os defensores de uma educação privatista, a quem interessa somente a venda de serviços de plataformas virtuais nesses tempos de pandemia, não têm a sensibilidade que o atual momento do Brasil exige, de uma educação como direito social e universal, pública e gratuita, laica e democrática. E que seja cada vez mais inclusiva!

A agenda do governo Bolsonaro para a educação do país, desde que tomou posse em janeiro de 2019, é um conjunto de ações que se resumem a fomentar os setores de educação privada e a perseguir os/as educadores/as de nosso país. Tanto o ex-ministro Vélez quanto Weintraub, esse último que fugiu do país e encontra-se hoje nos Estados Unidos, só se preocuparam em criar fantoches e, por isso, não apresentaram nenhuma grande pauta para a educação do país. Preocuparam-se mais em atingir a imagem do educador Paulo Freire, patrono de nossa educação e reconhecido em todo o mundo como um dos maiores pensadores da área, do que apresentar um grande projeto para nossa educação pública.

Os/as educadores/as brasileiros/as, professores/as e funcionários/as de escola de todo o país, exigem uma agenda nacional em defesa da educação pública do país. Especialmente nesse momento de grande aflição de milhões de famílias, reivindicamos que hoje, mais do que nunca, tenhamos no Brasil uma agenda positiva para a área educacional! Defendemos uma escola pública de qualidade para todos/as e isso só será possível quando um ministro da educação se voltar para as grandes questões que afligem a educação em nosso país: é urgente que o novo ministro se atente para as pautas fundamentais, como a aprovação do novo FUNDEB, fundo da educação básica que garante hoje o financiamento das escolas brasileiras e que se extinguirá em dezembro de 2020, ou a retomada do Plano Nacional de Educação, que estipulou metas para todos os níveis educacionais até 2024 e, passados 6 anos desde sua aprovação pelo Congresso Nacional em 2014, tem quase 85% delas não atingidas. A educação pública tem uma agenda a ser cumprida com seriedade e comprometimento, e por ela estamos lutando!


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