29/03/2024 - Edição 540

Poder

Documento pede que países vetem indicação de Weintraub para o Banco Mundial

Publicado em 19/06/2020 12:00 -

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"Enviamos esta carta para desaconselhar fortemente a indicação do Sr. Weintraub para este importante cargo e informá-lo sobre os possíveis danos irreparáveis que ele causaria à posição do seu país no Banco Mundial. Estamos convencidos de que o Sr. Abraham Weintraub não possui as qualificações éticas, profissionais e morais mínimas para ocupar o assento da 15ª Diretoria Executiva do Banco Mundial."

Economistas, empresários, intelectuais estão assinando uma carta endereçada ao banco e aos embaixadores da Colômbia, República Dominicana, Equador, Haiti, Panamá, Filipinas, Suriname e Trinidad e Tobago, que devem referendar a indicação do ex-ministro da Educação para um cargo na direção-executiva do Banco Mundial.

Indicado pelo governo Jair Bolsonaro como prêmio de consolação após sua permanência ter ficado insustentável com os ataques contra ministros do Supremo Tribunal Federal, Weintraub deve assumir posição em Washington DC, nos Estados Unidos, com salário que pode chegar a R$ 116 mil mensais.

Entre os mais de 50 signatários até agora, estão o ex-embaixador Rubens Ricupero, o empresário Philip Yang, os economistas Laura Carvalho e Ricardo Henriques, o advogado e professor Thiago Amparo, a historiadora e antropóloga Lília Moritz Schwarcz. O documento está sendo organizado com a ajuda de uma rede de organizações da sociedade civil.

O Brasil detém mais peso relativo no grupo e, em tese, poderia indicar Weintraub sozinho. Contudo, a manutenção da indicação pode se transformar em mais um problema para a imagem internacional do país, profundamente abalada com o negacionismo do presidente da República frente à pandemia de coronavírus e com o salto no desmatamento e nas queimadas na Amazônia no ano passado.

O cargo, segundo uma fonte no Ministério das Relações Exteriores, é mais equivalente ao de um membro de um conselho de administração do que o de um diretor. Uma função mais consultiva do que técnica, uma vez que a elaboração das principais medidas não passa por suas mãos. Se fosse função destinada a produzir e executar políticas, haveria uma seleção cuidadosa.

O documento afirma que a demissão de Weintraub foi o cume de um ambiente destrutivo e venenoso que ele inflou em todo o sistema político do Brasil.

"Desde que assumiu o cargo, Weintraub sempre respondeu com desprezo, sarcasmo e agressividade a críticas ou mesmo recomendações de cidadãos comuns, jornalistas, legisladores e até juízes da Suprema Corte. Em um tuíte de 16 de novembro de 2019, ele chamou a mãe de uma seguidora de 'égua com coceira e desdentada'. Em um vídeo de uma reunião de gabinete divulgada pelo Supremo Tribunal Federal, em 22 de maio de 2020, no contexto de acusações de interferência indevida, pelo Presidente na Polícia Federal, Weintraub chamou os juízes do Supremo Tribunal de 'vagabundos', que ele trancaria na prisão se pudesse", diz a carta.

Os signatários afirmam que devido ao seu comportamento odioso e desempenho medíocres como ministro da Educação, houve pedidos para a sua renúncia em quase todos os segmentos da sociedade.

E ao avaliar que Weintraub é a "antítese de tudo o que o Banco Mundial procura representar na política de desenvolvimento e no multilateralismo", os signatários listam cinco justificativas:

1) Ideologia acima da política baseada em evidências – Citam, como exemplo, seu último ato no cargo, o de revogar uma portaria para ações afirmativas voltadas a negros, indígenas e pessoas com deficiência para ingresso na pós-graduação de universidades pública. E dizem que ele está sendo investigado no STF por divulgar notícias falsas.

2) Fraca habilidade de gestão – Baseado em um relatório do Congresso Nacional, dizem que Ministério da Educação estava "paralisado" devido à "instabilidade e falta de continuidade na gestão atual". E que a administração da pasta sob Weintraub tem o menor número de indivíduos com experiência em gestão pública e temas relacionados à educação, seja no setor público ou privado. Como exemplo de impacto disso, usa os problemas ocasionados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) quando, segundo a carta, milhares de estudantes foram pontuados incorretamente e tiveram que ser reavaliados.

3) Falta de entendimento e capacidade de lidar com injustiças sociais e econômicas por meio de políticas públicas – Tratando ainda do Enem, afirma que Weintraub não aceitou mudar a data de aplicação do exame neste ano, o que prejudicaria os estudantes mais pobres que não têm instrumentos para estudar durante a pandemia.

4) Desrespeito pelos valores do multilateralismo, como tolerância e respeito mútuo – A carta afirma que Weintraub está respondendo a cerca de 20 ações judiciais no Supremo Tribunal Federal, citando a investigação sobre racismo contra chineses, que teve uma dura resposta da Embaixada da China no Brasil.

5) Conduta incompatível com os padrões éticos e de integridade profissional – "Tendo em vista o histórico de declarações racistas, desrespeitosas e agressivas do Sr. Weintraub, bem como sua clara ineptidão como formulador de políticas e agente público, o Sr. Weintraub não atende a vários requisitos e princípios do Código de Conduta do Banco Mundial para funcionários do Conselho", afirmam os missivistas.

A carta será enviada, nesta sexta (19), ao Banco Mundial e aos embaixadores dos países que compõem o grupo do Brasil.

A coluna conversou com um especialista em Banco Mundial que afirmou que a rejeição ao nome de Weintraub seria um precedente não usual. Mas ele pode ser excluído de ações, e com ele, o Brasil. "Quem perde com isso, somos nós", afirma.

Para ele, instituições como o banco são mais blindadas que outras devido ao pragmatismo. "Vai ser estupidez fazer guerra cultural por lá."

Nunca foi ministro

Abraham Weintraub nunca foi ministro da Educação. Ele era um preposto indicado por Jair Bolsonaro para utilizar o ministério como posto avançado para a guerra cultural que o presidente vem empreendendo no Brasil. Seu objetivo? Ressignificar o passado para controlar o presente.

Independentemente de quem seja o próximo semovente a ser posto no local é um alento que não seja mais ele – mesmo que a pasta seja chave para as pretensões medievais de Bolsonaro e que, no fundo do poço, exista sempre um alçapão.

Nada mais natural, portanto, que um de seus últimos atos antes de anunciar sua saída, na quinta (em um constrangedor vídeo ao lado do presidente, aliás), tenha sido revogar uma portaria que estabelecia a política de cotas para negros, indígenas e pessoas com deficiência em cursos de pós-graduação.

Vale lembrar que ele havia demonstrado seu amor por grupos vulneráveis na icônica reunião ministerial de 22 de abril, viralizada em vídeo:  "odeio o termo 'povos indígenas', odeio esse termo. Odeio. O 'povo cigano'. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré". Para ele, tem que "acabar com esse negócio de povos e privilégios".

Mais do que uma provocação ao naco racional da sociedade, foi um aceno para a militância de extrema direita – que não se importa se uma escola não tem professores, livros, merenda e papel higiênico desde que o governo cumpra sua promessa de empreender a guerra contra o fictício exército comuno-gayzista-globalista.

Por conta da autonomia universitária, instituições já anunciaram que vão ignorar a estupidez. Como a Universidade Federal da Bahia (UFBA), que lamentou o retrocesso em nota pública. Mas o que fica é o ato, visto como de resistência pelos 16% da população composta de bolsonaristas-raiz (números do Datafolha) que acreditam que ele é um herói.

Seu filme está institucionalmente queimado após defender a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal e incensar manifestações contra a democracia. Mas não duvidem que ele volte dos Estados Unidos, onde deve se refugiar em um cargo no Banco Mundial, a tempo de se candidatar em 2022. O Brasil perde um ministro, mas a extrema direita ganha um candidato.

Pois esqueçam o desvio do orçamento da educação para pagamento de juros da dívida pública, esqueçam a incapacidade administrativa e gerencial, o sucateamento e a falta de apoio para a formação dos profissionais, os salários vergonhosamente pequenos e atrasados, a falta de planos de carreira, a ausência de infraestrutura, de material didático, de merenda decente, de segurança para se trabalhar. Esqueçam os projetos impostos de cima para baixo que fecham escolas e desfazem comunidades escolares. Esqueçam o gás lacrimogênio e as balas de borracha contra professores que fazem greve e estudantes e pesquisadores que protestam por uma vida melhor.

Para um naco da sociedade e o governo que o representa, os desafios da educação são recontar a história da ditadura militar, negando a ocorrência de mortes e torturas; explicar às crianças e jovens que todos os direitos não foram fruto de lutas históricas; convencer que existe uma forma certa de amar e de viver; e garantir que a meritocracia continue sendo hereditária, com preferência por uma cor de pele, classe social e gênero.

Milhares de alunos do terceiro ano do Ensino Médio de escolas públicas estão com os conteúdos de aulas atrasados devido à pandemia de coronavírus. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Abrajam Weintraub não apenas tentaram manter a realização do Enem 2020 – porta de entrada para universidades públicas – como veicularam uma campanha em que justifica para esses jovens que era legal ser largado à própria sorte.

Weintraub ganhou luz própria ao longo do tempo e desconfio que ele continuará causando danos ao país por muito tempo. Bolsonaro vai, assim, semeando ervas daninhas.

Entendo as celebrações com a sua saída e o otimismo proveniente disso. Mas vale lembrar que ele caiu quando bateu de frente com o Supremo, apesar de, nos últimos 14 meses, ter feito mal a estudantes, professores, pesquisadores, cidadãos comuns que não cintilam como ministros. Além disso, é de Jair Bolsonaro a voz que saía da boca de Abraham Weintraub quando ele xingava os ministros do STF ou atacava a democracia. Com a demissão, o boneco foi sacrificado no lugar do ventríloquo.

Ministros decidem que fake news não é liberdade de expressão

O Supremo Tribunal Federal decidiu, no último dia 17, manter o ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, como investigado no inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news disparadas contra integrantes da Corte e seus familiares. Por 9 a 1, os ministros negaram o habeas corpus em favor de Weintraub, apresentado pelo governo, que tinha como objetivo beneficiar outros bolsonaristas investigados no inquérito das fake news.

Os ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Celso de Mello, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e o presidente do STF, Dias Toffoli, acompanharam o entendimento do relator, ministro Edson Fachin, de que não cabe habeas corpus contra decisão de um integrante da Corte. “Este Supremo Tribunal tem jurisprudência consolidada no sentido de não caber habeas corpus contra ato de ministro no exercício da atividade”, escreveu Fachin.

Por outro lado, o ministro Marco Aurélio votou a favor do recurso, sob a alegação de que o habeas corpus é “ação constitucional voltada a preservar a liberdade de ir e vir do cidadão”.

O pedido veio após Weintraub ter sido chamado a prestar esclarecimentos sobre as declarações contra o STF na reunião ministerial de 22 de abril, na qual o ministro disse que “botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”.

Ao acionar o STF, André Mendonça argumentou que o inquérito tem “vícios” e foi instalado instaurado “sem consulta e iniciativa do titular da ação penal, o Ministério Público”. Nesta quarta-feira, o plenário do STF deve retomar o julgamento que discute a legalidade das investigações do inquérito das fake news.


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