29/03/2024 - Edição 540

Entrevista

Ciro Gomes: ‘Não há dúvida de que Bolsonaro vai tentar o golpe’

Publicado em 04/06/2020 12:00 -

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O ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) afirmou que o presidente Jair Bolsonaro “vai tentar o golpe”, mas acredita que o cenário é desfavorável e que se os militares fizerem um golpe, não será para sustentá-lo no poder. A declaração ocorreu durante entrevista ao diretor de redação de CartaCapital, Mino Carta, na tarde do último dia 2.

Para Ciro Gomes, Bolsonaro está rodeado de aliados que são favoráveis a um golpe no Brasil, como o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno.

“Não há dúvida de que o Bolsonaro vai tentar o golpe. Ao redor dele, esse Augusto Heleno é golpista. Não tem apreço à vida. Americanófilo, fanático. Bolsonaro não está só neste planejamento de um golpe”, declarou o pedetista, que foi candidato à presidência em 2018.

No entanto, o ex-governador crê que o presidente da República carece de apoio para obter sucesso na deflagração de um golpe. Segundo ele, setores da burguesia temem a desmoralização de uma agenda econômica liberal.

“Quando 64 aconteceu, a burguesia brasileira estava apavorada com a propaganda anticomunista. E ela estava no golpe, os banqueiros, estavam todos pelo golpe. A classe média estava pelo golpe. Os quatro grandes jornais ditos nacionais estavam editorialmente fazendo apologia ao golpe. Hoje, nada disso existe. A grande burguesia está preocupada com o Bolsonaro desmoralizando a sua agenda de desmonte do estado nacional e de prevalência do rentismo e do financismo sobre os interesses da produção e do trabalho”, afirmou.

Em seguida, Ciro Gomes disse que “se os militares fizerem um golpe, francamente, não será para suportar o Bolsonaro, vamos convir”. Ele opina que, diante da possibilidade de confronto, o generalato pode capitular em vez de arriscar uma ruptura com a Constituição para “segurar um mentecapto”.

Manifestos suprapartidários são passo para impeachment

Para Ciro Gomes, nesse momento, “só tem uma saída para o Bolsonaro: apeá-lo do poder pelo caminho da Constituição, que é o impedimento”. No ponto de vista do ex-governador, o presidente da República cometeu crime de responsabilidade – a argumentação consta em pedido de impeachment protocolado pelo pedetista.

No entanto, o crime de responsabilidade, juridicamente típico, como está desenhado, demanda uma condição popular e política que hoje não existe no Brasil, afirmou. Ele acusa o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de “erro” ao recusar apoio a manifestos suprapartidários a favor da democracia.

“Esse é o erro grave do Lula. Por que o erro grave? Porque esses manifestos não vão fazer a revolução. Quanto mais você faz consenso, mais raso, mais superficial é o texto. Fica quase água com açúcar. Mas nós estamos fazendo com que centenas de milhares que estão no seu egoísmo, no seu particularismo, no mundo artístico, acadêmico, estão saindo para alguma alteridade. E isso vai ajudar a construir a base social que nós precisamos para um impeachment”, sustentou.

“Lula descolou da vida brasileira e é parte do problema”

Ciro Gomes afirmou que Lula faz “cálculo miúdo” e que, na verdade, ele nunca foi a favor do impeachment, apesar de o ex-presidente defender publicamente o impedimento de Bolsonaro.

“Lula nunca foi a favor do impeachment. Lula veio para a questão do impeachment depois que eu resolvi, junto com o PSB, o PV, o PDT, e a Rede, nós criamos e pela primeira vez tomamos uma iniciativa sem o PT”, disse. “O Lula é uma figura que descolou da vida brasileira e hoje é parte do problema. Gravemente, dói muito, eu ajudei 30 anos. Parte da rejeição a mim é porque andei com o PT esse tempo todo.”

O ex-governador afirmou ainda que Lula mente quando diz que não quer se candidatar às eleições de 2022 como presidente da República.

“Ele está mentindo. O Lula é um mentiroso compulsivo. O Lula disse que era candidato para o povo brasileiro, de dentro da cadeia”, declarou.

Crise pode ser 4 vezes maior que no governo Dilma

Ciro Gomes afirmou que, após simulações com sua equipe, projeta a “maior crise econômica do Brasil”, quatro vezes maior que a vista durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Com a pandemia do novo coronavírus, ele diz que é preciso “coesionar todos os brasileiros de boa fé para salvar vidas”, mas mantém sua atenção em relação ao desemprego após a crise sanitária.

“As simulações que eu faço com a minha equipe falam de um mínimo de queda de 6% e uma probabilidade de até 11% de queda no PIB, que é quatro vezes maior que a pior queda da história, promovida pela Dilma. Não saiu o crédito das microempresas, a ajuda aos estados e municípios não saiu. O 1 trilhão liberado para o sistema financeiro privado, dinheiro público, os bancos não estão emprestando e estão retraindo o crédito”, disse.

O ex-governador citou ainda o pior resultado do fechamento de vagas de trabalho desde 1992, divulgado pelo Ministério da Economia. Segundo a pasta, o Brasil fechou 1,1 milhão de postos de emprego com carteira assinada entre março e abril deste ano. O número representa ainda o primeiro retrato do impacto da pandemia no mercado de trabalho brasileiro.

“Quando houver 20 milhões de desempregados, eu já vi o filme. Ali no final do regime militar, com Figueiredo, houve saques em supermercados. O Figueiredo foi visitar um lugar qualquer, jogaram uma machadinha no vidro do ônibus. Esse é o povo brasileiro. O povo brasileiro tem muito mais marra e força do que aqueles que o aviltaram pelo clientelismo, pelo suborno e pela mistificação personalista”, declarou.

“Graças ao gênio português, povo brasileiro tem proeza histórica”

Ao responder uma colocação sobre a existência da escravidão até os dias atuais, Ciro Gomes afirmou que “o povo brasileiro tem proeza histórica” por manter a América portuguesa unida, enquanto os povos da América espanhola se pulverizaram em países com baixa expressão geopolítica.

“Graças ao gênio português, o povo brasileiro tem uma proeza histórica. Enquanto a América portuguesa se manteve una, nessa potência monstruosa, extraordinária e mal governada que é o Brasil, aqui a tragédia é os políticos. A terra é boa, o povo é bom. O Brasil, por 40 anos, o país do mundo capitalista que mais sofisticado e velozmente cresceu no planeta Terra. Então o Brasil tem virtudes extraordinárias”, afirmou.

Ciro Gomes aproveitou para falar sobre seu novo livro, Projeto nacional: O dever da esperança (Editora Leya), lançado neste ano. A obra traz uma análise histórica do desenvolvimento brasileiro e propõe caminhos para a volta do crescimento.

“No dia que esse país encontrar um governante com a altura do Getúlio Vargas, do Juscelino Kubitschek, você vai ver o que vai acontecer nesse país”, disse. “Eu estou descrevendo no meu livro: a ideia de nação no Brasil foi destruída. Nós agora estamos induzidos pelos nossos governantes a sermos um grande acampamento sem identidade.”


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