25/04/2024 - Edição 540

Mato Grosso do Sul

Em 17 dias, número de indígenas com covid-19 cresceu 7.400% na Reserva de Dourados

Publicado em 02/06/2020 12:00 -

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A Justiça Federal em Dourados (MS) negou liminar urgente e vai ouvir o governo federal para decidir sobre ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF) que pede que a União seja obrigada, no prazo máximo de 48 horas, a adquirir e distribuir equipamentos de proteção individual (EPIs) ao Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (Dsei/MS). Os equipamentos devem ser distribuídos para todos os profissionais das Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena, agentes indígenas de saúde e saneamento, profissionais das Casas de Saúde Indígena e Polos-Base. O MPF pede multa diária de R$ 50 mil, em caso de descumprimento de eventual ordem judicial.

O MPF pede ainda, no mesmo prazo de 48 horas, a contratação de equipes de resposta rápida para a investigação dos casos confirmados de coronavírus, o abastecimento do estoque de insumos e medicamentos para atendimento de pacientes nos polos base do Dsei, além da avaliação de estratégias de isolamento fora das comunidades e em locais adequados.

O objetivo é efetivar os planos de contingência do novo coronavírus em povos indígenas, formulados em nível estadual e nacional. Atualmente, a população indígena de Mato Grosso do Sul é de 80 mil pessoas, divididas em oito etnias e 78 aldeias. O Dsei, responsável pelo atendimento médico dessa população, manifestou ao MPF a preocupação com a quantidade ínfima de EPIs e insumos disponíveis.

O MPF chegou a recomendar à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e ao Dsei/MS a adoção de medidas urgentes para garantir o pleno acesso das populações indígenas do estado ao atendimento de saúde. Diante da omissão da Sesai e o Dsei, deixando de garantir EPIs, materiais, insumos, equipes médicas e locais adequados para a prevenção e o combate ao coronavírus, o órgão ministerial decidiu pelo ajuizamento da ação.

17 dias, 7.400% de aumento nos casos

Há consenso na comunidade científica sobre a vulnerabilidade das populações indígenas às doenças respiratórias como a covid-19. Esse fator, somado à situação de especial vulnerabilidade social e econômica a que estão submetidos os povos indígenas no país, bem como as dificuldades logísticas de comunicação e de acesso aos territórios tradicionais, agrava o risco à saúde dos indígenas em Mato Grosso do Sul.

O primeiro caso confirmado de covid-19 na Reserva de Dourados, a maior do país com mais de 13 mil indígenas, foi constatado em 13 de maio. Conforme o último Boletim Epidemiológico, de 30 de maio de 2020, foram confirmados 74 casos de covid-19 no local, aumento de 7.400% em apenas 17 dias.

O Dsei/MS investiga o caso de uma indígena de 58 anos que faleceu nesse sábado (30). Ela teve sintomas da doença. Se confirmado, será a primeira morte por covid-19 nas aldeias de MS. Outro indígena, de 79 anos, testou positivo para a doença e está internado no Hospital Evangélico de Dourados.

“Acabou oxigênio”

Ilustrativo da precariedade do atendimento em saúde aos indígenas é o seguinte depoimento de uma trabalhadora do setor em um aplicativo de mensagens. Ela relata o desespero por ter os meios de ajudar a indígena:

Foi pra 99% (de oxigênio no sangue) com oxigênio a 6 l/min
Acabei de tirar o oxigênio
Foi pra 93%
Oxigênio acabou
Estou tendo essa experiência horrível q é não ter mais o que fazer quando o paciente chega mal por covid
Esperando Samu e sem oferecer suporte

Campanha para arrecadação de EPIs

Cientes da baixa disponibilidade de EPIs e insumos para atendimento à saúde indígena no estado, MPF, DPU, DPE, MPT e Corpo de Bombeiros Militar se uniram numa campanha de arrecadação em nível estadual. Além de EPIs, os órgãos pretendem arrecadar equipamentos de saúde, como termômetros e oxímetros, e insumos para a fabricação de dispositivos como protetores faciais e laringoscópios.

Conheça a lista de equipamentos e insumos em arrecadação, além do telefone para mais informações.

MST doa 300 cestas básicas a indígenas Guarani Kaiowá de Dourados

Uma ação organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reafirmou a importância da solidariedade entre os povos do campo e da floresta. Foram doadas 300 cestas básicas e 600 mudas de árvores às comunidades indígenas Guarani Kaiowá de Dourados. A iniciativa beneficiou cerca de 1.200 famílias. 

O isolamento social provocado pela pandemia de covid-19 tem atingido às aldeias em todo o país, principalmente pela escassez de recursos alimentares. Segundo Marina Ricardo Nunes, da coordenação estadual do MST, no Mato Grosso do Sul, as comunidades do MS têm tentado se isolar para impedir a propagação do vírus.

“As aldeias aqui do Mato Grosso do Sul estão em constante ataque, da direita, dos latifundiários, do agronegócio, das milícias, e hoje, com essa situação da covid-19, eles estão muito vulneráveis”, diz. “Eles estão fazendo todas as barreiras possíveis para que ninguém entre na aldeia. Quem vai para a cidade, vai com todo o cuidado e se possível nem vão para a cidade”, completa.

Segundo a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) somente no Mato Grosso do Sul, existem registros de 75 indígenas contaminados pelo coronavírus. Dois deles já se recuperaram e não há registros de óbitos. Ao todo, de acordo com os dados da secretaria, a pandemia já atingiu 1.252 indígenas em todo o país e vitimou 51 pessoas. 

As cestas distribuídas pelo MST em Dourados contém produtos advindos da Reforma Agrária como, abóbora, batata-doce, repolho, mandioca, ovos, hortaliças, carnes, queijo, entre outros, totalizando mais de 15 itens.

“Hoje somos todos camponeses, somos povos do campo, das águas e das florestas e temos que estar juntos. Essas cestas e mudas de árvores fazem parte de uma grande ação. Outras como essa estão acontecendo no município de Dourados e no estado como um todo”, completa Nunes.

No Brasil

A pandemia de covid-19 já chegou para 71 povos indígenas. No total, ao menos 1.350 indígenas foram contaminados no Brasil e 147 morreram. Os dados são da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do último dia 27. Os números divergem dos oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), pois o órgão não contabiliza como indígenas aqueles que vivem na cidade.

Para os deputados do Psol, existe uma falta de celeridade na implantação e o descumprimento dos Planos de Contingência (PCs) para o combate à covid-19 nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), cuja jurisdição abrange os territórios habitados por Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Piirc).

Desde o dia 24 de março os deputados estão pressionando por ações do governo para proteger os povos indígenas. Em todo o país, mais de 31 mil pessoas morreram em decorrência da covid-19, segundo balanço divulgado ontem pelo Ministério da Saúde.

Segundo nota publicada pelo Instituto Socioambiental (ISA), os povos indígenas estão submetidos a uma situação de vulnerabilidade social e econômica, e sofrem com a dificuldade logística de comunicação e de acesso aos territórios. "Tudo isso agrava o risco de mortalidade entre os povos indígenas. Viroses respiratórias foram vetores do genocídio indígena em diversos momentos da história do país, com dezenas de casos provocados por epidemias registrados em documentos oficiais, como o relatório da Comissão Nacional da Verdade de 2014 e o relatório Figueiredo de 1967".

Nesse mesmo sentido, a Fundação Nacional do Índio (Funai), publicou no dia 17 de março, no artigo 4º da Portaria Conjunta nº 4.094/2018, firmada em conjunto com o Ministério da Saúde, que as situações de contato, surtos e epidemias "envolvendo os Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato devem ser consideradas emergência em saúde e requerem medidas imediatas e adequadas para reduzir a morbimortalidade associada à quebra de isolamento ou adoecimento”.

A Funai também estabeleceu que, em 180 dias, seria publicado um documento orientador para a elaboração de Planos de Contingência para a proteção desses povos, o que ainda não ocorreu. Os congressistas veem nesses impasses a explicação para o contágio entre os povos.

Além disso, a falta de aplicabilidade, ou especificidade do que já foi publicado, também tem preocupado os congressistas. No plano apresentado pela Sesai, por exemplo, não explica qual a forma de realizar o isolamento domiciliar em comunidades indígenas, como e onde será realizada a barreira sanitária antes do ingresso de profissionais e indígenas vindos da cidade, como realizar higienização de materiais que entrarão nas terras indígenas, quais os protocolos a serem adotados em caso de necessidade de remoção de um indígena da aldeia, dentre outras medidas, conforme conta na denúncia apresentada por deputados do Psol ao subprocurador-geral da República, Antônio Carlos Bigonha.


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