29/03/2024 - Edição 540

Brasil

Grupos radicais de apoio a Bolsonaro viram caso de polícia

Publicado em 22/05/2020 12:00 -

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Em mais uma prova de que o Brasil é mesmo um país que beira o surrealismo na crise que já causou a morte de mais de 1 000 pessoas por dia em decorrência da Covid-19, as ruas praticamente vazias de algumas das principais cidades brasileiras viraram picadeiro para radicais políticos e negacionistas da gravidade do coronavírus.

Em geral, as manifestações reúnem apoiadores fanáticos do presidente Jair Bolsonaro, que levam ao extremo o discurso do líder contra a quarentena, os governadores e, quase sempre, as instituições democráticas. Não à toa, o STF autorizou um inquérito para apurar quem financia os movimentos que desde março provocam aglomerações em Brasília para pedir coisas como intervenção militar e fechamento do Congresso.

No último dia 17, quando o país ultrapassou 16 000 mortos pela Covid-19, o presidente não só voltou a saudar os manifestantes como fez flexões com paraquedistas da reserva que, em meio à pandemia, saíram do Rio de Janeiro para ir ao ato uniformizados com calça camuflada, boina e camiseta com caveiras. Outro grupo carregava um caixão e entoava gritos de “Bolsonaro é quem manda aqui”.

No festival de bizarrices, destaca-se o acampamento dos autodenominados “300 do Brasil”, título em referência aos espartanos que lutaram até a morte contra a invasão persa na Grécia antiga, segundo relato do historiador Heródoto (484-425 a.C.).

Líder dos “300 do Brasil”, Sara Winter ficou conhecida ao participar seminua de ações do grupo feminista radical Femen. Abandonou o movimento dizendo-se traída e tornou-se uma católica fervorosa contra o aborto. Tão fervorosa que trabalhou até outubro para Damares Alves no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Agora, ganhou projeção ao sugerir que havia armas entre os “300 do Brasil”, algo que negou após o Ministério Público entrar com uma ação contra o movimento.

Winter, que fracassou ao tentar ser deputada federal pelo Rio em 2018, disse no Twitter que montou o acampamento a pedido de Olavo de Carvalho, o guru bolsonarista. Após arrecadar mais de 70 000 reais via crowdfunding, a trupe ainda monta e desmonta barracas no estacionamento do Ministério da Justiça.

Trata-se de um movimento pequeno, mas que causa barulho e demonstra algum grau de capilaridade. Em São Paulo, Antônio Carlos Bronzeri e Jurandir Pereira foram presos em outro acampamento, na Assembleia Legislativa, por descumprir medidas judiciais impostas após terem sido detidos em flagrante durante um protesto em frente à casa do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Um dos organizadores do acampamento é David Alexander, que se orgulha de ter sido preso ao invadir o Congresso em 2016, gesto que ameaça repetir. “Ousem tocar no presidente Bolsonaro e verão a ira do povo”, escreveu no Facebook. Desse mesmo local saíram carreatas que pararam a Avenida Paulista em protesto contra a quarentena.

Durante décadas, da reabertura até uns cinco anos atrás, as pessoas que defendiam valores antidemocráticos e ultraconservadores faziam isso apenas em algum evento familiar ou mais fechado. Com as redes sociais e o fracasso retumbante dos governos petistas em tópicos como a corrupção, esse grupo passou a se sentir mais à vontade para expor suas opiniões. O presidente Jair Bolsonaro não só soube capitalizar esse movimento como, de fato, encarna tais bandeiras desde sua primeira eleição. Não por acaso, é um ídolo para esses manifestantes, que, em muitos eventos, são acompanhados por parlamentares de sua base, entre eles os deputados estaduais Gil Diniz e Douglas Garcia, ambos do PSL, de São Paulo.

Movimentos assim teriam tudo para merecer apenas uma nota de rodapé do folclore político nestes tempos conturbados. Mas a realidade e o apoio do presidente a essas barbaridades mostram que elas precisam ser levadas a sério. Primeiro porque alguns de seus adeptos passaram a extrapolar tanto que viraram caso de polícia. Depois porque guardam em si uma semente perigosa, algo que, em determinadas circunstâncias, pode representar, sim, um risco à democracia. Está aí um tipo de confusão de que o país não precisa — bastam os desafios da pandemia e a recessão econômica que vamos enfrentar.


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