19/04/2024 - Edição 540

Ágora Digital

As costas vão pesar, em breve

Publicado em 14/05/2020 12:00 - Victor Barone

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Durou menos ele um mês a paciência do oncologista Nelson Teich. É o segundo ministro da Saúde a perder a cabeça sob Jair Bolsonaro em meio à pandemia. O antecessor Henrique Mandetta não foi demitido, ele se deu alta. Teich não pediu demissão, foi empurrado para fora do governo.

Bolsonaro quis impor a Teich o uso indiscriminado de cloroquina no tratamento da covid-19. E o doutor não concordou em alterar o protocolo do ministério, que prevê a utilização do remédio apenas em casos graves —ainda assim sob prescrição médica e com autorização por escrito do paciente.

O debate sobre a substituição de Teich foi aberto. Mas a escolha do próximo ministro tem pouca importância. Bolsonaro tornou a pasta da Saúde irrelevante em plena crise sanitária. Governadores e prefeitos já entenderam que, para enfrentar o coronavírus adequadamente, é preciso virar as costas para Brasília.

Estados e municípios não contam mais com a coordenação ou a orientação de Brasília. Reivindicam da União apenas equipamentos, sobretudo respiradores, e dinheiro —verbas constitucionais e emergenciais, do socorro recém-aprovado pelo Congresso para compensar a perda de arrecadação agravada pelo desligamento parcial da economia.

 Já se sabia que o presidente da República, PhD em bula de cloroquina, ignora a sua própria ignorância científica. Mas alguns governadores e prefeitos tentavam restabelecer com Teich um diálogo que fluía com Mandetta. O ministro caiu na semana em que pretendia levar à vitrine um plano de gerenciamento da crise.

O próximo ministro da Saúde, ainda que queira dialogar, terá dificuldades para encontrar interlocutores. Está entendido que vale para o governo federal não as receitas dos doutores, mas a autoprescrição de Bolsonaro. E os remédios do presidente, por anticientíficos, são inaplicáveis.

Na origem da pandemia, Bolsonaro acorrentou-se a um negacionismo pueril. Desde então, sempre que não tem o que dizer sobre mortes do coronavírus, agora na casa de 14 mil, o presidente retira da gaveta duas ideias fixas: o fim do isolamento social, única alternativa à ausência da vacina; e o uso da cloroquina, remédio de serventia não comprovada.

Nos dois casos, Bolsonaro se comporta como um sujeito que bate com a cabeça na parede, na expectativa de que a qualquer momento a parede pode virar uma porta.

Por Josias de Souza

Teich, o Breve, foi um ministro da Saúde perdido, incompetente e inexpressivo. Foi humilhado repetidas vezes pelo chefe, que ocupou militarmente a pasta e não teve pudores de demonstrar publicamente que o empresário-médico não apitava nada. O resumo de sua passagem foi a patética cena em que descobriu pela imprensa que Jair Bolsonaro decidiu liberar da quarentena academias, salões de beleza e barbearias sem lhe consultar. Mas nestas poucas semanas que ficou no cargo, apesar das concessões para sua própria dignidade, não abraçou duas aberrações do chefe: o libera-geral da cloroquina para tratar todos os pacientes de covid-19 e a defesa do "isolamento vertical" – a ficção infanto-juvenil de que o vírus mata apenas idosos e pessoas imunodeprimidas e, portanto, para combatê-lo basta trancar esses grupos em casa. Isso levou Nelson Teich ao cadafalso. O presidente não quer alguém que atue de forma minimamente técnica no Ministério da Saúde. Quer um semovente que diga a ele "sim, senhor!" e "amém".

Bolsonaro tem duas apostas hoje. Primeiro, forçar que a economia volte ao "normal", pois sabe que um desemprego prolongado transformará seu mandato em morto-vivo e sua reeleição, em 2022, em conto da carochinha. O problema é que voltar ao trabalho e reabrir comércios não vai afugentar o vírus, pelo contrário: será o empurrãozinho que ele precisa para passarmos de tragédia para massacre. Entra, então, a segunda aposta: caso hospitais entrem em colapso, cadáveres se amontoem, faltem recursos para milhões sobreviverem e ocorram saques e protestos, o presidente poderá tomar medidas autoritárias, centralizando poder, em um estado de sítio, suspendendo direitos e liberdades, agindo em nome da garantia da ordem. Com o apoio do que ele chama de "povo, que é o naco radical de seus apoiadores, e setores das Forças Armadas. Um antigo sonho de consumo.

Bolsonaro ataca as quarentenas, chamando-as de "inúteis" em lives nas redes sociais. Afirma, de forma cínica, que elas não foram capazes de impedir as quase 14 mil mortes por covid-19, sendo que as medidas de isolamento social têm sido responsáveis por postergar o colapso do sistema de saúde e, portanto, evitado que o número de óbitos seja muito maior. Culpa governadores e prefeitos pelo desemprego decorrente do isolamento e conclama empresários para uma "guerra" pela reabertura forçada da economia. Ao mesmo tempo, anunciou, na quinta (14), que quer a previsão de uso da cloroquina para sintomas leves de covid-19 e não apenas em quadros mais graves. O presidente não tem provas de que isso dará certo, mas lhe sobram convicções. A questão é que nada indica que o medicamento salvador seja este, como apontam pesquisas em todo o mundo, como as que analisaram milhares de pacientes e foram publicadas no New England Journal of Medicine e no Journal of the American Medical Association. Pelo contrário, há mais problemas do que soluções envolvendo o produto.

A promessa de um elixir mágico e barato ajuda a enfraquecer a importância da quarentena. "Quando um remédio é apontado como a solução, parte da população relaxa os cuidados preventivos. Nesta pandemia, pode parar de usar a máscara, ignorar a quarentena", explica André Nathan, médico pneumologista do Hospital Sírio-Libanês. Afinal, se há uma cura, para que ficar em casa?

Bolsonaro confunde propositadamente o uso compassionado do remédio, quando a situação é limite e há uma suspeita de que, em um caso específico, possa ajudar, com o uso preconizado, baseado em trabalhos científicos. A autorização dada pelo Conselho Federal de Medicina significa que um médico não será acusado de cometer má prática se tratar um paciente ou fizer testes com ele. O que é bem diferente de indicar o uso, o que depende de mais estudos científicos.

Independentemente de quem seja o próximo ministro, Bolsonaro quer alguém obediente, que aceite passar por cima da ciência e da medicina, e o ajude a devolver o Brasil à "normalidade". No fórceps, se for preciso. Ou seja, que em nome da tranquilidade de seu mandato ou da proteção de sua visão autoritária, entregue a população brasileira à própria sorte.

Por Leonardo Sakamoto

O QUE DIRÃO?

O que dirão as pessoas quando assistirem aos atos explícitos de cumplicidade da maioria dos ministros diante dos palavrões ditos pelo presidente Jair Bolsonaro na reunião de 22 de abril passado gravada em vídeo prestes a ser divulgado?

Ninguém, ali, demonstrou estranhamento – uns porque já estão a acostumados com a linguagem porca do presidente, outros porque a compartilham. Ninguém pareceu se incomodar com o comentário do ministro da Educação sobre a prisão dos juízes do Supremo.

A ministra da Mulher e dos Direitos Humanos sentiu-se tão à vontade que sugeriu a prisão de governadores e prefeitos. Ninguém a interpelou a propósito. Todos sabiam que a reunião estava sendo gravada, mas jamais imaginaram que pudesse um dia vir a público.

Da mesma forma devem ter pensado os ministros que se reuniram com o presidente Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968 para discutir a edição de mais um ato institucional – o de número 5, o mais violento. Foi quando a ditadura militar tirou a máscara.

Costa e Silva abriu a reunião dizendo: “Ou a revolução continua, ou se desagrega”, e pediu a opinião de todos. Apenas o vice-presidente, Pedro Aleixo, foi contra o ato. Ficou célebre a frase dita pelo ministro do Trabalho e da Previdência Social Jarbas Passarinho:

– Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.

Por Ricardo Noblat

QUE GOVERNO É ESSE?

Que governo é esse onde o presidente ameaça usar as Forças Armadas caso o Congresso abra contra ele um processo de impeachment;

onde o ministro da Educação chama os ministros do Supremo Tribunal Federal de filhos da puta e diz que todos eles deveriam ser presos;

onde a ministra da Mulher e dos Direitos Humanos defende a prisão de governadores e dos prefeitos;

e onde os demais ministros, sendo 8 dos 22 militares, a tudo ouvem, impassíveis, sem dar sinais de que discordam?

É um governo golpista. Que poderá cair por falta de condições de aplicar o golpe. Mas que se tiver condições para tal, se de fato se sentir ameaçado de cair, tentará dar o golpe.

Não é dedução. Não depende de opinião de quem gosta e de quem não gosta do governo. É fato. Está gravado no vídeo exibido, ontem, na Polícia Federal. Está na boca do presidente.

Golpe não se dá mais com tanques rolando pelas ruas, tropas marchando contra cidades, Congresso fechado, Supremo Tribunal Federal fechado, prisões de opositores do novo regime.

Baionetas caladas calam um Congresso que se deixa emascular pensando evitar o pior. Um twitter do Comandante do Exército foi suficiente para mudar o rumo de uma decisão do Supremo.

O presidente da República e seu governo, pois, são, um perigo à democracia. Só isso bastaria para serem removidos. Ou se continuará esperando que o presidente faça o que alardeia que faria?

Por Ricardo Noblat

O VÍDEO E O CENTRÃO 

Quem teve acesso ao vídeo da fatídica reunião ministerial citada pelo ex-ministro Sergio Moro relatou que o presidente fala em proteger ‘familiares e amigos’ com a troca na superintendência da corporação no Rio de Janeiro. Depois, apareceu o primeiro registro documental de que o presidente teria dito isso no encontro: no termo do depoimento do ministro Augusto Heleno há uma pergunta sobre quem seriam os familiares e amigos que Bolsonaro quer proteger.

Ainda segundo relatos de quem assistiu ao vídeo, Bolsonaro dito que, antes de ‘foderem’ com sua família, ele trocaria não só todos da superintendência do Rio como até Sergio Moro, que deixou o governo dois dias depois da reunião. 

Além disso, Bolsonaro teria afirmado que não iria divulgar os exames que fez para o novo coronavírus porque isso poderia levar até mesmo a um processo de impeachment

O final de abril marcou também o início da negociação do presidente com o centrão. Hoje, uma reportagem do jornal O Globo revela que o governo federal resolveu deixar de lado qualquer critério sanitário na distribuição da verba emergencial do Ministério da Saúde para o combate à covid-19. Segundo relataram deputados de legendas como PP, PL, PSD, Podemos, Republicanos, MDB e Patriota – e confirmaram fontes próximas ao Palácio do Planalto – os recursos serão distribuídos conforme indicações de deputados e líderes partidários aliados. Ou seja, vão para os redutos eleitorais do centrão. 

Para calcular quanto cada partido teria direito a direcionar, foi levado em conta o número de deputados fiéis em cada legenda. “Só terá direito à indicação quem se comprometer a votar com o governo”, escreve a repórter Natália Portinari. E continua: “A negociação da verba não foi atrelada a nenhuma votação específica, mas serve para barrar o andamento de um possível processo de impeachment, segundo deputados”.

De uma maneira meio torta, o vice-presidente Hamilton Mourão negou que o cerne da negociação seja barrar um pedido de afastamento. “O que a turma está dizendo? ‘Agora, ele está fazendo isso para escapar do impeachment, é para escapar do processo’. Não. Não é dessa forma que ele está vendo. Ele já chegou à conclusão de que ele tem que atrair esses partidos”, disse ao Globo. Sobre as negociações ele foi ainda mais claro e confirmou que o próprio Bolsonaro e o ministro Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo da Presidência, conduzem pessoalmente a distribuição de cargos e benesses. “Eu não posso te dizer os detalhes. Se é fisiológico ou programático”.

Caberá ao ministro Celso de Mello decidir se torna pública a gravação. Sua divulgação tem tudo para inflar mais o preço do centrão. “Bolsonaro está enrolado. Uma coisa é querer um novo diretor da PF porque o anterior não estava alinhado a suas ideias, sejam lá quais forem. Isso é péssimo do ponto de vista republicano, mas ainda navega dentro de um escopo de legalidade. Outra coisa é dizer que precisa cuidar dos interesses de seus filhos e amigos”, observa o colunista Igor Gielow na Folha. Ele continua: “Mais concessões ao centrão e novos episódios de enfrentamento institucional para agradar sua base radical e assustar o ‘establishment’ estão no preço dessa dinâmica. O problema, para Bolsonaro, é que seu padrão se tornou previsível e, no limite, insustentável sem ruptura real.” 

DESAPROVAÇÃO

Em meio a uma crise sanitária, política e econômica, o governo de Jair Bolsonaro teve queda acentuada na popularidade nos últimos quatro meses. É o que aponta pesquisa CNT/MDA divulgada no último dia 12. Para 43,4% da população, o governo é ruim ou péssimo. Em janeiro, o índice daqueles que avaliavam o governo negativamente era de 31%. Enquanto isso, 32% avaliam positivamente a gestão de Jair Bolsonaro, para 22,9% o governo é regular.

O desempenho pessoal do presidente também está em queda, segundo o levantamento. Bolsonaro é reprovado por 55,5% da população, em janeiro esse índice era de 47%. O chefe do Executivo tem aprovação de 39,2% dos brasileiros, há três meses, esse índice era de 48%.

COMEMORAÇÃO MÓRBIDA

O presidente Jair Bolsonaro passeou de jet ski no Lago Paranoá no último dia 9, em Brasília. No dia em que o Brasil alcançou a marca dos 10.627 óbitos por covid-19 e 155.939 pessoas infectadas pelo vírus, Bolsonaro afirmou que a população está com "neurose" quanto ao vírus e que ao menos 70% da população pegará coronavírus. Até este momento, o presidente não soltou nenhuma nota de solidariedade, apenas limitou-se a divulgar em suas redes sociais, propagandas dos feitos econômicos do governo. De lá para cá os mortos já passaram de 14 mil.

CHURRASQUEIRO DE REPUTAÇÃO

Exausto de não exercer a Presidência para a qual foi eleito por 57,7 milhões de eleitores, Jair Bolsonaro decidiu ocupar o tempo ocioso treinando para uma nova carreira. Aventura-se no ramo do humor. Faltando-lhe o talento, virou piada. De mau gosto.  Em meio a uma pandemia que já produziu algo como 14 mil cadáveres —noves fora a subnotificação— o antipresidente da República anunciou a realização de um churrasco para 30 convidados no Alvorada. Pegou mal.  Bolsonaro saiu de fininho. Correu para a bolha das redes sociais, seu habitat natural. "Alguns jornalistas idiotas criticaram o churrasco fake…", anotou. Curioso, muito curioso, curiosíssimo.

O suposto presidente sapateia sobre o luto nacional e acredita que os jornalistas é que são idiotas! Bolsonaro ainda não percebeu, mas os brasileiros que se dão ao respeito já não o levam a sério.  Pesquisa Datafolha divulgada em dezembro de 2019 revelou o seguinte: a grossa maioria do eleitorado (80%) ouve Bolsonaro com a pulga atrás da orelha— 43% nunca confiam naquilo que o presidente declara, 37% confiam só de vez em quando. Apenas uma minoria (19%) confia 100% em Bolsonaro.

Não é que o churrasco seja falso, o problema é que o próprio Bolsonaro converteu-se num presidente fake. O presidente hipotético acha que personifica a nova política, se orgulha de defender a volta à normalidade e cultua um versículo do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". O presidente real promove uma orgia com o centrão no escurinho do Planalto, ignora a anormalidade do vírus assassino e escancara a única verdade disponível no governo: não importa a quantidade de cadáveres, Bolsonaro não consegue libertar-se de sua mediocridade. Quando um governo precário se prolonga por muito tempo, o humor adquire vida própria. Deixa de ser coisa exclusiva dos profissionais do ramo. E se torna negro. Com seu "churrasco fake", Bolsonaro carbonizou a si mesmo. Virou piada de mau gosto. Gosto de carvão.

Por Josias de Souza

MARQUETEIRO DO APOCALIPSE

Sérgio Lima é marqueteiro do Aliança pelo Brasil, futura legenda de Jair Bolsonaro, ainda em gestação. É também o responsável, desde março, pelas redes sociais da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) e de outros três parlamentares do PSL que estão à frente da criação do partido (General Girão, Guiga Peixoto e Aline Sleutjes). Os perfis que ele gere se tornaram verdadeiros centros de emissão de recados contra o isolamento social e, no caso de Bia Kicis, de várias notícias falsas sobre a doença. Tudo pago com dinheiro público, é claro.

Mas o alcance de Lima não se restringe aos deputados. Segundo a Agência Pública, desde março ele passou a participar também da elaboração dos discursos de Bolsonaro e a circular com frequência pelos corredores da sede do Executivo. Sonha alto: “Quem sabe eu até ganhe um aprendizado aí para oficializar uma candidatura minha no futuro”, diz o próprio, em entrevista à reportagem.

LIVRES E MORTOS

Depois da famigerada campanha “O Brasil não pode parar”, o governo federal lançou outro lema escolhido a dedo. A Secretaria de Comunicação publicou no Twitter um vídeo, repostado por Jair Bolsonaro, que consegue juntar um erro gramatical horroroso e uma nada singela referência ao nazismo: “O trabalho, a união e a verdade nos libertará (sic)”, diz um trecho. Impossível não lembrar a inscrição na entrada de Auschwitz (“O trabalho liberta”). O secretário Fabio Wajngarten, que é judeu, se defendeu, dizendo que a peça foi “deformada para se encaixar em narrativas”.

Mas a referência está longe de ser o único problema do vídeo, cujo objetivo é enaltecer a resposta do governo federal na pandemia, ao mesmo tempo em que se critica a cobertura da imprensa. Há informações descontextualizadas que induzem ao engano e que podem levar as pessoas a se preocuparem menos com a covid-19 bem no momento em que essa preocupação deveria estar crescendo. A peça diz por exemplo que o Brasil tem uma das menores taxas de mortos por milhão de habitantes (os dados são do dia 23 de abril). É verdade; acontece que o surto chegou aqui quase dois meses depois de atingir a China, e um mês depois de ser registrado em países como França e Itália.

Acontece também que vários estados brasileiros começaram a decretar medidas de isolamento social mais cedo, comparando com países europeus. E, ao contrário do que pretende fazer crer o presidente Bolsonaro, isso parece ter tido resultados no achatamento da curva, ainda que por um breve período. A reportagem da Folha conta que até cerca de 15 dias atrás, apesar do aumento do número de casos, esse crescimento estava desacelerando, em um padrão parecido ao de países europeus. Se tivesse continuado na mesma tendência, a situação geral ainda seria ruim, mas menos pior: haveria 2,5 mil mortes a menos nesse momento.

Não dá para afirmar com 100% de certeza que o afrouxamento do isolamento social seja responsável sozinho pelo fracasso, porque as estatísticas são muito ruins. Pode ter havido tanto um aumento real das mortes como apenas um aumento no registro dos óbitos. Como a fila de mortos sem diagnóstico ainda é imensa e como as internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave continuam explodindo, é razoável apostar no primeiro fator, ou ao menos numa combinação de ambos. “Todo o avanço obtido com a rápida adoção das políticas de distanciamento pode ser perdido caso o relaxamento das medidas se dê de forma descontrolada. Se isso acontecer, a esperada redução no número de óbitos, observada em muitos países até agora, pode acontecer mais tardiamente ou com menor intensidade no Brasil”, diz Pedro Hallal, epidemiologista e reitor da Universidade Federal de Pelotas.

Fato é que, segundo o próprio Ministério da Saúde, o Brasil ainda não chegou no pico da curva. No geral os outros países estão esperando seus casos entrarem em declínio para pensar em reabrir suas economias, enquanto por aqui se cogita fazer isso quando eles estão em inequívoca ascensão.

OPINIÃO PÚBLICA

Uma pesquisa feita pelo Instituto Travessia a pedido do Estadão sugere que o grosso da população não confia no presidente quando se trata do coronavírus. Cerca de 65% dos entrevistados afirmaram preferir seguir as orientações dos governadores em relação ao isolamento, enquanto Bolsonaro ficou com uma fatia de 18%. O resto disse não seguir ninguém.

A pesquisa também apontou que quase um terço da população não faz ideia de quem é o ministro da Saúde, Nelson Teich.

CHEIA DE RATOS

Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, se manifestou através da ONG Sociedade Viva Cazuza contra o uso de músicas de seu filho em manifestações bolsonaristas.  Nas últimas semanas, atos de apoiadores de Jair Bolsonaro, que têm contado com a participação do próprio presidente, contaram com a música “Brasil”, de Cazuza em parceria com George Israel e Nilo Romero, como uma espécie de “música tema” dos protestos. Trata-se da composição com os versos “Brasil, mostra a tua cara/Quero ver quem paga/Pra gente ficar assim”.  Nesses atos bolsonaristas, os manifestantes têm atentado contra a democracia ao pedirem o fechamento de instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional, e também por uma intervenção militar.

ROBERTO, O LAMENTÁVEL

O ex-deputado federal Roberto Jefferson, que cumpriu pena de prisão depois de condenado no mensalão, esquema que denunciou, propôs que Jair Bolsonaro dê um golpe de Estado em sua conta no Twitter neste sábado. Sem meias palavras, o presidente do PTB, partido que aderiu ao governo recentemente,escreveu: “Bolsonaro, para atender o povo e tomar as rédeas do governo, precisa de duas atitudes inadiáveis: demitir e substituir os 11 ministros do STF, herança maldita. Precisa cassar, agora, todas as concessões de rádio e TV das empresas concessionárias GLOBO. Se não fizer, cai”.

Em impeachment não se pode dizer que ele não tenha experiência: Jefferson foi líder da tropa de choque de Fernando Collor de Mello, a quem permaneceu fiel até o fim. Depois, teve espaços em todos os governos que o sucederam até o de Lula, de quem era próximo a ponto de o petista dizer que lhe daria um cheque em branco. Rompeu depois que José Dirceu começou a desfazer seus esquemas em órgãos como Correios e IRB. Só então, depois de ter aliados seus investigados por recebimento de propina, denunciou o mensalão e rompeu com o PT. Não adiantou: teve o mandato cassado e foi condenado juntamente com os que denunciou.

Em tratamento de um câncer, Jefferson voltou ao debate público querendo chocar pelas declarações de cunho antidemocrático. Além do tuíte incitando Bolsonaro a promover um golpe de Estado, posou com uma arma e disse que está pronto para combater o comunismo nas ruas.

Por Vera Magalhães

INCONTROLÁVEL

Generais que cercam de perto o presidente Jair Bolsonaro admitem o fracasso em tentar limitar seus passos, segundo a edição desta semana do TAG REPORT, relatório das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros. Bolsonaro é incontrolável. Já era assim nos tempos de soldado e cabo. Ao seu afastado do Exército por conduta antiética, ganhou a patente de capitão.

Queixam-se de conversar com ele, aconselhá-lo a se expor menos, analisarem os riscos do seu comportamento, quase sempre no fim Bonsonaro concorda com o que ouve. Para de repente, sem avisá-los, aprontar mais uma. Muitas vezes só ficam sabendo na última hora que ele sairá para mais um passeio, ou para participar de mais uma manifestação.

Andam preocupados também com a entrega de cargos do governo para o Centrão, o grupo de partidos políticos mais fisiológicos. Já advogaram junto a Bolsonaro que é preciso designar militares para tomarem conta de cada nome nomeado pelo Centrão. Mas Bolsonaro é contra. Alega que se é para obter apoio político, o Centrão deve sentir-se à vontade.

Por Ricardo Noblat

LÁ FORA

O jornal norte-americano The New York Times publicou no último dia 13, reportagem mostrando que a situação na América Latina devido à pandemia do novo coronavírus já se assemelha à da Europa no pico do contágio, mas que condições específicas da região devem tornar o quadro mais dramático por aqui. O Brasil, mais uma vez, surge como exemplo negativo na reportagem, tanto pelos números galopantes de casos e de mortos quanto pela atuação do presidente Jair Bolsonaro.

“O Brasil, o país mais populoso da região, agora tem mais de 11.519 mortos pelo vírus, segundo o registro oficial. Essa é uma das mais altas contas de mortes do mundo, mas o presidente do país, Jair Bolsonaro, continua ignorando a responsabilidade e negando a necessidade de distanciamento social. O número real no Brasil provavelmente é muito maior por causa de testes limitados. Ao ser questionado sobre o aumento do contágio, Bolsonaro respondeu: ‘E daí? Eu sinto Muito. O que você quer que eu faça?'”, relata o diário norte-americano.

O NYT lembra que o corte de repasses de recursos pelos Estados Unidos à Organização Mundial de Saúde deve dificultar ainda mais a ajuda aos países pobres da América Latina e da África no combate ao novo coronavírus.

Por Vera Magalhães

Enquanto isso, um dos principais apoiadores de Jair Bolsonaro fez chacota da gravidade da pandemia. O “guru” presidencial, Olavo de Carvalho, chamou a doença de “historinha de terror” para vender sua narrativa de que as medidas de isolamento não passam de uma espécie de “plano de dominação” da esquerda internacional. “O medo de um suposto vírus mortífero não passa de historinha de terror para acovardar a população e fazê-la aceitar a escravidão como um presente de Papai Noel”, escreveu Carvalho em suas redes sociais. O Brasil já tem mais de 12.400 mortos por coronavírus. No mundo, a marca já chega a mais de 290 mil óbitos.

UM ESTRANHÍSSIMO CASO

Nada menos do que 73.242 militares, pensionistas, dependentes e anistiados cadastrados na base de dados do Ministério da Defesa receberam o auxílio emergencial de R$ 600. Ontem, o governo disse que vai apurar individualmente cada um desses casos e pedir a restituição dos valores para quem recebeu sem ter direito. De acordo com o Ministério da Cidadania, uma parte desse grupo recebeu automaticamente o auxílio por ter CPF registrado no Cadastro Único ou ser beneficiário do Bolsa Família – o que também seria bom esclarecer, já que o programa é desenhado para quem está em situação de extrema pobreza. Segundo a Folha, a tabela de remuneração das Forças Armadas estabelece que um recruta ou cabo ganham R$ 956 (o que também é estranho, pois abaixo do salário mínimo, que está em R$ 1.045).

GENTE DE BEM 1

Enquanto milhares de famílias choram pela perda das mais de 11 mil pessoas que morreram em decorrência da Covid-19 no Brasil, alguns resolvem fazer festa e piada da situação. No último dia 11, funcionários do restaurante Divino, em Gramado (RS), serviram espumantes dançando e cantando ao som da música que ficou associada ao “meme do caixão”. Trata-se de uma piada que tem viralizado nas redes sociais que mostra o grupo Ghana´s Dancing Pallbearers, formado por dançarinos ganeses que promovem festas em funerais.

Diante da repercussão negativa do vídeo, o restaurante Divino divulgou uma nota de desculpas, em sua página do Instagram, em que afirma que os garçons se aproveitaram de uma saída do gerente para promover a ação, que foi classificada por Valdemir Ecker, diretor da empresa, como “lamentável”.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Nota Oficial A direção do Divino Gastronomia & Bar vem a público lamentar e repudiar o episódio ocorrido no último sábado (9), quando um vídeo mostrou a cena de garçons levando garrafas de espumante, com a trilha de musical simulando o carregamento de um caixão. Não compactuamos com esta atitude totalmente descabida para o momento em que vivemos, em meio à pandemia de Covid-19. Lamentavelmente, este triste episódio só ocorreu por uma falha operacional, no exato momento em que o gerente saiu para comprar um produto que havia faltado. Se aproveitando do momento, um dos integrantes da mesa foi até o DJ e pediu a referida trilha musical, além de ter encomendado a coreografia aos garçons. Por este motivo, vimos pedir desculpas aos nossos clientes e a toda sociedade por esta falha, e dizer que estamos tomando todas as providências para que episódios desta natureza não venham a ocorrer novamente no Divino. Valdemir Ecker Diretor

Uma publicação compartilhada por Divino Gastronomia&Bar Gramado (@divinogastronomiagramado) em

GENTE DE BEM 2

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) do Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo enviou um ofício ao Google pedindo que retire do YouTube, plataforma do qual a empresa é proprietária, vídeos em que o pastor Valdemiro Santiago de Oliveira, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus (IMPD), aparece anunciando sementes de feijão com supostos poderes de curar a covid-19. valdemiro incita os fiéis da igreja a plantarem sementes que podem ser obtidas por valores entre R$ 100 e R$ 1.000. O MPF solicitou que, além de retirar do ar, o YouTube mantenha o material preservado, na íntegra, e estatísticas de acesso para uso em eventuais ações judiciais. O órgão deu prazo de cinco dias para o vídeo ser retirado do ar.

FRASES DA SEMANA

“Pleitear que seja divulgado, inteiramente, o vídeo de uma reunião com assuntos confidenciais e até secretos para atender a interesses políticos, é um ato impatriótico, quase um atentado à segurança nacional”. (Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional) 

“Eu queria que você escrevesse a seguinte frase: Jesus disse, ao tratar das autoridades de sua época, que muitos eram como sepulcros caiados. Bonitos por fora e feios por dentro. Acho o Bolsonaro o contrário. Feio por fora e bonito por dentro”. (Marcelo Crivella, prefeito do Rio) 

“Eu não posso dizer os detalhes. Se é fisiológico ou programático. […] Lógico que, nisso aí, cargos e emendas fazem parte da negociação entre Executivo e Legislativo. Não adianta querer tapar o sol com a peneira.” (Hamilton Mourão, sobre o acordo de Bolsonaro com o Centrão)

“O próximo decreto de Bolsonaro vai determinar que passeio de jet ski é atividade essencial? Bolsonaro deveria estar preocupado com a atividade essencial que cabe a ele cuidar, a de presidente, e passar a exercê-la com seriedade”. (Flávio Dino, PC do B, governador do Maranhão) 

“Não é mais necessário insistir no fato de que o Governo Federal utiliza referências do nazismo. Quem tinha dúvidas já não as têm. Se segue no barco, compactua, pelo menos em parte, com esse ideário”. (Instituto Brasil-Israel, sobre citação nazista usada em propaganda do governo) 

“Nós estamos pedindo essa contribuição ao funcionalismo público brasileiro. Estamos pedindo que não peçam aumentos. As promoções de carreira seguem normais. Estamos pedindo que não haja aumento generalizado por esse ano e pelo ano que vem”. (Paulo Guedes, ministro da Economia)

“Com o que se vive no Brasil, nem passa pela nossa cabeça abrir as fronteiras, já que é o lugar onde talvez haja mais expansão da Covid-19, e isso é uma grande ameaça para nosso país”. (Mario Abdo Benítez, presidente do Paraguai) 

Com informações de Leonardo Sakamoto, Josias de Souza, Ricardo Noblat, Reinaldo Azavedo, Carta Capital, Outra Saúde, Sul 21, o Globo, BR-18, Folha de SP, Fórum, Veja, Dora Kramer, BRPolítico, Vera Magalhães, Marcelo de Moraes e Radar

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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