24/04/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Ei, você não vai se pronunciar sobre isso?

Publicado em 29/04/2020 12:00 - Idelber Avelar

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Cobranças do tipo "ei, você não vai se pronunciar sobre isso?" ou "por que você até agora não disse nada sobre tal tema ou tal fulano?" tendem a ser injustas e chatas. Meio policialescas, inclusive. Não as faço, em geral, e não gosto que façam comigo.

Mas isso não quer dizer que essas cobranças me pareçam sempre injustas ou desnecessárias. Algumas vezes elas procedem. Por exemplo: se você passou um ano dizendo que o governo Bolsonaro não seria corrupto como os outros, e vão se empilhando os casos de corrupção e você não diz nada, bem, fica meio feio, né?

Nós sabemos qual é regra desse "ficar feio". Essa feiúra é proporcional ao teu peso, à tua autoridade, à tua credibilidade etc. Se eu bater bumbo por um candidato aqui durante o ano, esse candidato ganhar, e revelar-se um autoritário corrupto, eu vou encarar uma cobrança não só maior, como mais rigorosa, do que será o caso contigo, se tu escreves para 30 ou 50 parentes no Facebook.

É a regra do jogo, não importa se ela é justa ou não, é o jogo jogado.

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Minha pergunta é simples: os 357 professores universitários que conheço e que passaram a última ou as duas últimas décadas enfiando Giorgio Agamben no rabo de absolutamente tudo o que escreveram não vão mesmo se pronunciar sobre o fato de que Agamben deve ser hoje o único cidadão europeu relevante que está escrevendo textos que poderiam ser assinados por Jair, o Minúsculo?

Nada, nem uma palavrinha? Vão fazer cara de paisagem mesmo? A covardia é tanta assim?

Vejam bem, não cobro que ninguém deixe de citar ou queime livros de ninguém. Mas, poxa, se você passou 5, 10, 15, 20 anos incensando um sujeito e ele hoje está, em um sentido bastante literal, matando gente com textos na Itália, seria de bom tom uma palavrinha, né? Não vi nada até agora.

É impressionante a covardia da classe, a sua incapacidade de se responsabilizar por declarações públicas, por escritos, por consequências de escritos.

INCAPAZES

Cabanada, Canudos, ditadura militar, pandemia do coronavírus: Brasil, sempre fiel à tradição de ser incapaz de contar bem os seus mortos.

ESCRITOS

Aí vão, reunidos e recauchutados, uma parte dos meus escritos não acadêmicos, breves, sobre o bolsonarismo, agora em plataforma aberta. São coisas que estavam no Facebook e nas quais acho que dei uma melhorada.

"Como o bolsonarismo expressa o colapso do sistema partidário brasileiro, é útil observar o funcionamento dos blocos parlamentares e a configuração de sua base de apoio para localizar a forma do mosaico, que pode ser resumido, creio eu, em cinco ou seis componentes principais. O bolsonarismo é um mosaico composto de cinco partes — ou seis, dependendo de como você entenda o componente policial-judicial da coalizão."

MAIS ESCRITOS

Meus escritos breves, não acadêmicos, sobre os dois mestres indígenas Davi Kopenawa e Ailton Krenak já estão em plataforma aberta, aumentados e agora com imagens, link etc.

"A queda do céu é um livro 'feito no Brasil', mas não dá para dizer que seja um 'livro brasileiro', já que se escreve a partir de algo bem maior que o Brasil, que é anterior a ele, o transcende e o torna possível: a Amazônia. A queda do céu é uma autobiografia do Xamã Kopenawa, um relato da cosmogonia yanomami, uma auto-etnografia do povo yanomami, mas é também uma ferina e mordaz contra-antropologia do povo branco, o povo da mercadoria. O livro relata as incursões, invasões e agressões do povo da mercadoria aos ameríndios e à terra na qual e com a qual eles vivem e é um dos mais ricos testemunhos já escritos das políticas dos governos brasileiros do século XX para a Amazônia."

TRÊS INACREDITÁVEIS NOTÍCIAS NOS EUA

1. O número oficial de casos chegou aos sete dígitos. Passamos do milhão de casos.

2. Em uma visita com assessores a um hospital, o Vice-Presidente Mike Pence, que é o chefe da força-tarefa do coronavírus, era o único a não usar máscara. Passeando por um hospital, sem máscara, tagarelando, enquanto assessores, enfermeiros, médicas, jornalistas etc. usavam máscara. Sim, ele foi testado e deu negativo, mas lembremos que o falso negativo, em testes de coronavírus, anda por volta de 15%, o que não é nada desprezível.

3. Donald Trump assinou ordem executiva declarando frigoríficos "infra-estrutura crítica" e ordenando que eles permaneçam abertos ou voltem a abrir. Não é uma autorização, é uma ordem executiva para se que abram os frigoríficos no país todo, mesmo em estados que estão em quarentena total. Trump usou, para essa ordem executiva, o Defense Production Act, lei da época da Guerra da Coreia, anos 1950.

As coisas estão piores no Brasil, mas elas também estão muito, muito ruins nos EUA. Isso é péssimo, porque ajuda a piorar o que já está horrível no Brasil.

PREVISÕES

Via André Vallias, aqui vai a previsão do Marcos Nobre, para vocês discutirem.

"A chance de sobreviver é muito baixa. Se Bolsonaro ficar reduzido ao centrão especializado em carniça, ele está morto. Para se estender no poder, precisa negociar. Mas ninguém confia nele. Quando o general Santos Cruz fez um acordo com o centrão, o que Bolsonaro fez? Demitiu Santos Cruz. Neste ano, quando fez acordo sobre orçamento, o que fez? Desfez o acordo. Ele segue a lógica de permitir que o acordo seja feito, de dar corda e depois puxar a corda no pescoço de quem está negociando para enforcar o pescoço. Mas agora ele não tem capacidade de puxar corda nenhuma. Mas, ao mesmo tempo, ele não tem muita saída a não ser radicalizar. Estamos só no começo da desgraça sanitária e econômica. O que vai vir é muito pior, por uma razão simples: fizemos tudo meia boca. O governo não tomou as medidas de isolamento que deveria tomar, nem as medidas econômicas necessárias para o isolamento. Esse tipo de combinação significa o prolongamento de nossa desgraça. Bolsonaro vai para a lona e sabe disso."

Marcos Nobre

E ai? O que acham?

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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