29/03/2024 - Edição 540

Eles em Nós

A ciência que ele quer não é a ciência de fato

Publicado em 15/04/2020 12:00 - Idelber Avelar

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Pesquisadores da Fiocruz estão sendo atacados nas redes (inclusive por um parlamentar filho de Bolsonaro) porque os primeiros resultados de suas pesquisas com cloroquina apontaram resultados que não convinham ao trambiqueiro do Planalto e às suas hordas de Whatsapp.

Divulgo a nota da Fiocruz.

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NOTA DE DEFESA DA CIÊNCIA E DOS PESQUISADORES DA FIOCRUZ

O Conselho Deliberativo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vem a público manifestar seu apoio aos pesquisadores responsáveis pelo estudo CloroCovid-19, que vem sendo realizado por mais de 70 pesquisadores, estudantes de pós-graduação e colaboradores de instituições com tradição em pesquisa, como Fiocruz, Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, Universidade do Estado do Amazonas e Universidade de São Paulo.

A instituição considera inaceitáveis os ataques que alguns de seus pesquisadores vêm sofrendo nas redes sociais, após a divulgação de resultados preliminares com o uso da cloroquina em pacientes graves com a Covid-19. Estudos como esse são parte do esforço da ciência na busca por medicamentos e terapêuticas que possam contribuir para superar as incertezas da pandemia de Covid-19. A pesquisa CloroCovid-19 permanece em andamento e foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

A Fiocruz tem trabalhado incansavelmente em diversas frentes de atuação e vem a público clamar pela tranquilidade e segurança de seus pesquisadores, requisitos essenciais para o desenvolvimento de seus estudos. É fundamental alertar que a busca por soluções não pode prescindir do rigor científico e do tempo exigido para obtenção de resultados seguros e que as pesquisas devem se manter, portanto, fora do campo narrativo que constrói esperanças em cima de respostas rápidas e ainda inconclusivas.

A Fundação apoia incondicionalmente seu corpo de pesquisadores, que estão absolutamente comprometidos com a ciência e com a busca de soluções para o enfrentamento dessa pandemia, e reafirma seu compromisso com a missão de produzir, disseminar e compartilhar conhecimentos e tecnologias voltados para o fortalecimento e a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e para a promoção da saúde e da qualidade de vida da população brasileira."

INOVADOR

O Brasil, sempre inovando, inaugurou a figura do Ministro que anuncia que será demitido e é mesmo. A covardia do Presidente é tal que ele o demitiu escondido, como um moleque que bate punheta atrás da porta.

Foi, possivelmente, a demissão mais covarde de um Ministro em toda a história do presidencialismo. O que não torna Mandetta um herói magnânimo, nem faz com que ele deixe de ser um lobista da saúde privada. Apenas faz desta uma das demissões mais covardes da história.

Bolsonaro literalmente escolheu como critério, para demitir, a competência (ou seja, Mandetta foi mandado embora por causa do trabalho bom que ele FEZ, não por causa do trabalho bom que ele não fez). Também escolheu, como data da demissão, o momento em que ele pudesse mais eficazmente esconder-se dela.

Tudo em Bolsonaro é minúsculo e ignóbil, é impressionante. Não há uma célula que se salve nesse verme.

FALSA POLARIZAÇÃO

Porra, Folha … Cloroquiners versus Quarenteners, assim, desse jeito, como se fosse uma … polarização?

O nome do jornalista não consta no print porque sei que a escolha do título não é dele. O problema não é a matéria.

"Quarenteners" são a população mundial que está seguindo as recomendações de toda a comunidade médica e das autoridades sanitárias de todos os países democráticos.

"Cloriquiners" são uma coalizão de malucos de Whatsapp que seguem os delírios e as conveniências de um trambiqueiro.

E aí é uma polarização? PQP.

Não dá, se a gente for ficar noticiando essas coisas como "polarização", nós já perdemos. É como eu vejo a coisa.

APENAS AQUI

Uns 200 países e territórios estão enfrentando o Covid-19. No entanto, apenas o Brasil é governado por um sujeito cujos apoiadores estão ativamente engajados em negar a existência do vírus, em atacar médicos, em acossar familiares para que retirem a causa mortis dos atestados de óbito, em desafiar a lógica cientificamente estudada de disseminação do vírus, em bloquear ambulâncias, em promover uma espécie de ataque alucinatório à própria realidade, mais ou menos como uma pessoa que está tendo uma crise psíquica grave pode, às vezes, ficar socando a cabeça contra a parede.

Em uma cidade do interior de SP, de novo, um médico foi acossado e intimidado a retirar menção ao coronavírus, até que a irmã do falecido entrou para atestar que havia, sim, sido essa a causa mortis, momento em que ela, irmã do morto, passou a ser atacada! Relatos assim vão proliferando Brasil afora.

Poderíamos acrescentar esta à nossa coleção de imagens para descrever o Brasil contemporâneo: é um país que resolveu ficar martelando a cabeça contra a parede.

RUBEM

Morreu Rubem Fonseca (1925-2020) e seria egoísta ficar chorando. Ele chegou a soprar as velinhas do 94˚ aniversário.

Era curiosa minha relação com Rubem Fonseca. Nunca bati bumbo em defesa de seu lugar no cânone, mas não era importante para mim criticá-lo, como para tantos colegas meus. Eu adorava lê-lo, mas não fazia muita questão de lecionar seus romances. Os contos, que releio com menos frequência, são verdadeiras bombas em sala de aula e, esses sim, faço questão de lecionar.

Pouca gente faz essas conexões, mas não custa lembrar que junto com Milton Nascimento, Ataulfo Alves, Ary Barroso, Clara Nunes, Drummond, Fernando Sabino, João Bosco e tantos outros, Rubem Fonseca pertence ao enorme naco da cultura brasileira que põem a funcionar os mineiros que vão para o Rio.

Rubem Fonseca conseguiu uma proeza incrível: foi censurado pela ditadura militar não por motivos políticos, não por algo relacionado ao sexo, mas por apresentar uma pancada real demais, uma porrada parecida demais com a vida nas ruas do país. O Brasil não aguentou, teve que proibir "Feliz Ano Novo" (1975).

Depois, escreveu muitos romances que definiram o que se chama de narrativa "pós-moderna" no país. Foi talvez o prosador mais influente do Brasil nas últimas décadas. Todo mundo que escreve policiais no país partiu dele e suas filhas, sobrinhos e netas são legião.

Além dos cruzados potentes que são os contos, recomendo em especial "Agosto", um romance que releu a era Vargas com muita argúcia.

Espero que ele vá na fé e agradeço pelos livros.

MORAES

Moraes! Tão cedo, Moraes 🙁

Né? 72 hoje em dia é cedo demais.

A carreira solo foi linda e rica, mas isto aqui, feito com Pepeu, Galvão, Baby et al, na época chamados Novos Baianos, é das coisas mais perfeitas já executadas na música popular. 40 minutos de puro ouro sonoro, show de Moraes.

R. I. P.

LISTA

Uma revista me pede, à luz da lista de top 200 romances ocidentais que publiquei, uma lista dos 25 romances brasileiros que eu destacaria.

Em vez de fazer outro brainstorming sozinho, extraí da lista os 9 romances brasileiros que estavam lá, acrescentei um que havia ficado de fora por engano, dei uma rearranjada na ordem e submeto-lhes agora o top 10.

Faltam ainda 15 vagas. Fiquem à vontade para fazer lobby. A lista de, sei lá, 100 romances brasileiros que surgem na cabeça das pessoas nestas horas eu sei de cor. O que eu gosto de saber é por que você gosta de qual. Argumente.

Segue a lista, com a data original de publicação para que vejam quais épocas estão representadas.

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1˚ Grande sertão: veredas (1956), João Guimarães Rosa.

2˚ Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Machado de Assis.

3˚ Perto do coração selvagem (1943), Clarice Lispector.

4˚ Dom Casmurro (1899), Machado de Assis

5˚ São Bernardo (1934), Graciliano Ramos.

6˚ Crônica da casa assassinada (1959), Lúcio Cardoso.

7˚ Avalovara (1973), Osman Lins.

8˚ Fogo morto (1943), José Lins do Rego.

9˚ Um defeito de cor (2006), Ana Maria Gonçalves.

10˚ Dois irmãos (2000), Milton Hatoum.

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Tenho uns 50 candidatos para as 15 vagas que restam, com uns 4 ou 5 garantidos (Incidente em Antares, Cidade de Deus, Quincas Borba, Vidas secas, Quarup). Propus à revista manter o limite máximo de 3 romances por autor na lista.

O meu top 10 é esse aí. Se alguém perguntar o que andamos fazendo no Brasil com essa forma romance nos últimos 150 anos, podemos entregar essa lista e não passaremos vergonha.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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