28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O Excelentíssimo Senhor Extintor

Publicado em 02/04/2020 12:00 - Rodrigo Amém

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Pela primeira vez na história da redemocratização do Brasil, precisávamos de um presidente. Na história recente do país, o presidente sempre foi um personagem meio inútil. Em tempos paz e calmaria, quem impacta diretamente a vida do cidadão é o prefeito. Ele é o cara da operação tapa-buracos, da guarda municipal, da coleta de lixo, da iluminação pública, aquele com quem esbarramos na feira agropecuária. Mesmo os governadores, encarregados de segurança pública, tem menos impacto na vida do cidadão comum que o prefeito. O presidente, então, para a maioria das pessoas, é quase tão abstrato quanto papai noel. 

Ah, ele tem que cuidar da economia. Na verdade, não. Cabe ao presidente nomear uma equipe econômica chefiada por um ministro, sem dúvida. Mas o impacto prático de um presidente na economia de uma nação é limitado pelo cenário internacional, pelo congresso, pelo tempo e o vento. Daí, nenhum reaça achou estranho que um presidente tenha sido eleito com um programa econômico de três palavras: "Pergunta pro Guedes". Todo mundo sabia que Bolsonaro não entendia de economia (dentro de uma longa lista de assuntos), mas quem entenderia, no governo dele, estava alinhado com o consenso neoliberal. Daí, tanto faz se o presidente é contra a reforma da previdência e a privatização da Petrobrás. Quem importa de verdade (no caso, o Posto Ipiranga), é a favor. 

Não se trata de um problema brasileiro, necessariamente. Um dos meus podcasts favoritos sobre economia, o Freakonomics, já dedicou um episódio a relativização da importância do presidente. 

Por mais que tenha tentado, Trump não conseguiu frear a economia norte-americana. E olha que tentou. Restringiu o acesso de mão de obra barata com uma política anti-imigrante, começou uma absurda guerra fiscal com a China e quase destruiu a produção agrícola nacional. Mas o ritmo de crescimento era tão acertivo que não fez diferença. Pelos poderes da mão invisível do mercado, a presidência era quase um cargo representativo. 

Mas tanto lá como cá, votamos para presidente como se escolhêssemos o salvador da lavoura. O problema é que não sabemos qual é a praga que acomete a lavoura, o que plantamos, onde estão as ferramentas de colheita e em que feira vamos vender esse troço. Para o eleitor médio, o que o presidente tem que fazer é "ajudar o povo". Não me admira que tanta gente pense em votar no Huck. Ele "ajuda o povo" no Caldeirão todo sábado. 

Até o Coronavírus mudar o mundo.

Foi preciso uma pandemia para nos lembrar que um presidente é como um extintor de incêndio. Somente em uma emergência nos perguntamos se temos o adequado para a situação, se está dentro do prazo de validade. E se o extintor em questão acredita que fogo queima. Só nos deparamos com a relevância de um Chefe do Executivo competente quando temos que enfrentar uma crise nacional, ou pior ainda, global. 

Acontece que estamos numa crise global, bem na hora em que elegemos o Tiozão do Churrasco da Luciana Gimenez. Neste momento, ter um presidente preparado faria toda a diferença. Sem dúvida nenhuma, salvaria vidas. Mas, no lugar do extintor, temos um frasco de coquetel molotov.

É por isso que as esperanças do país se voltam para Mandetta, nosso Ministro da Saúde, que é um político de carreira questionável mas, pelo menos, não é um dos filhos do Chefe de Estado postando fake news na conta do pai para desacreditar os esforços de combate de uma pandemia. 

Estamos vivendo um parlamentarismo branco onde o Chefe do Executivo é o Ministro da Saúde e o Chefe do Estado é um vereador do Rio de Janeiro. E tem gente pedindo calma.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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