29/03/2024 - Edição 540

Especial

Vergonha que mata

Publicado em 09/10/2014 12:00 -

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Levantamento feito pelo Centro de Referência em Saúde do Homem (em São Paulo) mostra que dos 15 mil pacientes atendidos para consultas de oncologia e patologias da próstata em 2011, 20% se recusaram a passar pelo exame retal para diagnóstico do câncer de próstata.

O coordenador do centro de urologia, Cláudio Murta, alerta que certos tumores só são detectados por meio do exame do toque, como é popularmente conhecido. Para ele, o percentual de homens que deixam de se submeter ao procedimento é alto e preocupante. “A gente sabe que o câncer de próstata é o mais comum que afeta os homens”, lembrou.

Segundo Murta, há uma questão cultural por detrás do preconceito: “Os homens acham que, ao fazer o toque retal da próstata, vão perder a masculinidade”, explica. Há ainda, segundo o médico, outros fatores, também culturais, que fazem com que o homem não cuide da saúde. “Tem uma questão também do homem, por ser o provedor da casa, não querer faltar ao trabalho para ir ao médico”, ressaltou.

Só se ela mandar

Outro levantamento, este feito pelo Centro de Referência em Saúde do Homem de São Paulo, mostra que 70% dos homens que procuram um consultório médico tem a influência da mulher ou de filhos. O estudo também revela que mais da metade desses pacientes adiaram a ida ao médico e já chegaram com doenças em estágio avançado.

Entre as justificativas apresentadas pelos homens entrevistados estão a falta de tempo, o preconceito e a sensação de invulnerabilidade às doenças. Os pacientes relataram que só cederam aos apelos dos parentes quando a dor ou o incômodo passou a atrapalhar muito a rotina.

Segundo o médico urologista e coordenador do centro, Joaquim Claro, em muitos casos, a demora em buscar ajuda foi tão grande que o paciente precisou passar por uma intervenção cirúrgica. “O homem precisa manter cuidados mínimos realizando check ups de forma periódica, pelo menos uma vez ao ano. Isso porque, com o envelhecimento, os problemas começam a ser, se não mais frequentes, pelo menos mais preocupantes”, disse.

O médico destacou que exames de rotina e consultas precisam ser mais frequentes principalmente a partir dos 40 anos. Após essa idade, as patologias mais comuns são, além do câncer de próstata, problemas nos rins e na bexiga que podem levar ao câncer, alterações hormonais, cálculos renais e crescimento benigno da próstata.

Quebrando o preconceito

A resistência ao exame vem sendo vencida lentamente, de acordo com Murta. “O que a gente percebe na prática clínica é que nos últimos 10 ou 15 anos vem caindo gradativamente o número de homens que se recusam a fazer o exame. E isso se reflete nos números de diagnóstico precoce de câncer de próstata. Podemos afirmar que os homens estão mais conscientes e, por influência da esposa e dos filhos, buscam mais ajuda médica. Mesmo assim, eles ainda vivem menos do que as mulheres”, afirma.

Eduardo Ribeiro, uro-oncologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, concorda. Para ele, os homens estão mais conscientes. “Não tanto quanto as mulheres, que vão ao ginecologista desde adolescentes, mas a gente não vê mais tanta resistência”, afirma.

Dando sorte ao azar

Apesar disso, uma pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) com 5 mil homens revelou que 44% dos entrevistados nunca foram a uma consulta com um urologista nem fazem exames preventivos. “Isso é o retrato de como a gente cuida da própria saúde”, analisa o ex-diretor da SBU, Henrique Rodrigues. O levantamento foi feito em seis capitais brasileiras: Rio de Janeiro, Porto Alegre, São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Brasília.

A pesquisa mostra que 47% dos homens ouvidos nunca fizeram exames para detectar o câncer de próstata. Apenas 23% fazem o exame anualmente. “Não é uma exclusividade do câncer de próstata. Eu acho que o grande retrato que essa pesquisa traz é que o homem brasileiro cuida mal da própria saúde”, destacou Rodrigues.

“O que a gente vê é uma falta de preocupação das pessoas em geral com o cuidar da própria saúde. Isso de forma mais abrangente. Não diz respeito somente a cuidar da próstata”, acrescentou.

A SBU defende a ampliação dos centros de Saúde do Homem com atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), visando a aumentar o acesso da parcela masculina da população aos exames para diagnóstico de câncer de próstata. Para Rodrigues, os ambulatórios de urologia dos hospitais ligados ao SUS estão preparados para fazer esse tipo de exame. “A nossa luta é para ampliar o acesso. Ele já existe, mas não consegue atender à demanda de pacientes que necessitam desse exame”.

Doença comum

Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) informam que no ano passado foram identificados mais de 60 mil novos casos da doença. O instituto considera o câncer de próstata uma doença da terceira idade, porque cerca de três quartos dos casos no mundo surgem a partir dos 65 anos.

A próstata é uma glândula presente nos homens, localizada abaixo da bexiga e à frente do reto. O câncer pode ser descoberto inicialmente no exame clínico, um toque retal, exame que enfrenta a resistência de muitos homens, combinado com o resultado de um exame no sangue. Se detectado o tumor, só a biópsia é capaz de confirmar a presença de um câncer. Segundo a SBU, quando descoberto no início, 90% dos casos de câncer de próstata são curáveis. De acordo com Ribeiro, pessoas que têm casos de câncer de próstata na família, obesas, e negras têm mais risco de desenvolver a doença.

A identificação da doença nos estágios iniciais facilita o tratamento e o torna menos invasivo. A partir dos 45 anos, todos os homens devem fazer um check up anual.

Testosterona

A pesquisa da SBU mostra também que 51% dos entrevistados nunca fizeram exames para aferir os níveis de testosterona (hormônio masculino) no sangue e que somente 37% disseram saber o que é a andropausa, período que tem início por volta dos 50 anos e é caracterizado pela redução dos níveis hormonais.

A andropausa constitui um foco de interesse da SBU, porque a deficiência de hormônios no homem tem uma série de consequências que não estão relacionadas necessariamente à parte sexual. Os homens que apresentam baixa da testosterona têm, por exemplo, aumento do percentual de gordura na composição do corpo e redução da massa muscular e do vigor físico, bem como da capacidade de concentração. Também sofrem aumento da irritabilidade e têm alterações do sono.

Rodrigues destacou que a incidência de homens que precisam de reposição hormonal vai aumentando à medida que eles vão ficando mais velhos. Por isso, a necessidade de procurar um tratamento adequado. “O nosso corpo não é compartimentado. Existe uma correlação grande entre todos os órgãos. O nível de testosterona é importante para vários sistemas”. De acordo com a pesquisa, somente 24% dos homens entrevistados sabem que existe o tratamento com reposição hormonal para controlar os níveis de testosterona.

Políticas públicas

Mas a questão não se reflete apenas em aspectos culturais. O engessamento das políticas públicas para a saúde do homem também tem o seu papel neste quadro preocupante.

A SBU, prevendo um cenário sombrio e injustificável pela ausência de programas para a saúde do homem, solicitou, em 2005, ao então presidente Lula, a criação de um órgão dentro do Ministério da Saúde que pudesse abraçar essa política. No início de 2006 foi criada a Coordenação da Saúde do Homem. No entanto, segundo especialistas da área, passados oito anos, essas políticas nada produziram e estão completamente estagnadas.

“Será que o pleito é injusto ou não há vontade política para desencadear ações concretas e efetivas para melhorar a assistência ao homem? Torna-se cômodo afirmar que o homem é negligente com a sua saúde, mas como fazer se não existe incentivo e apoio para acolher esse homem?”, questiona José Carlos de Almeida, ex-presidente e atual chefe do departamento de uro-oncologia da SBU e doutor pela Universidade de Brasília.

Em agosto de 2009, foi lançada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem pelo então ministro da Saúde José Gomes Temporão. Ela foi justificada com dados relevantes, dentre os quais o homem viver sete anos a menos do que a mulher e para cada três mortes de adultos duas serem de homens. Justificava também essa iniciativa a maior incidência no homem, de doenças do coração, cânceres, diabetes, acidentes de trânsito e de trabalho.

Segundo Almeida, mesmo com todos estes argumentos esta política está imóvel e silenciosa, enquanto nos leitos hospitalares inúmeros homens morrem por falta de orientação, acessibilidade e descaso.

Questões como vasectomia, câncer de pênis, câncer de próstata e as disfunções sexuais estavam listadas como alvos prioritários dessa frustrada ação governamental. Em contrapartida há vários programas em andamento e bem sucedidos voltados para as mulheres, como mamografias e exames preventivos para detecção precoce do câncer de útero.


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