29/03/2024 - Edição 540

Mundo

O estado da democracia no mundo

Publicado em 04/03/2020 12:00 -

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Para testar a pertinência da preocupação recorrente com o “declínio da democracia”, o Pew Research Center pesquisou o apoio a princípios e instituições democráticas em 34 países. O resultado revela uma série de inconsistências humanas, demasiado humanas, entre a teoria e a prática: a popularidade dos direitos democráticos é grande, mas a dos deveres, bem menos; as eleições seguem valorizadas, mas os eleitores estão cada vez mais frustrados com seus eleitos; os mais insatisfeitos com o funcionamento da democracia são os menos empenhados em reformá-la. É esclarecedor e preocupante notar a consistência com que o Brasil encarna estas inconsistências.

A pesquisa avaliou o apoio a nove princípios: igualdade de gênero, imparcialidade judicial, eleições livres, além das liberdades de prática religiosa, expressão, imprensa, internet, oposição política e atuação pelos direitos humanos. A imensa maioria tem alguma estima por estes princípios. Mas só nas Américas e Europa, em que pesem as crescentes apreensões com a saúde da democracia, tende-se a considerar todos eles muito importantes.

Um Judiciário justo é, em geral, o princípio mais valorizado (para 82% ele é “muito importante”), seguido pela igualdade de gênero (74%). A liberdade religiosa também recebe amplo apoio (68%). Contrariando a intuição comum, os mais comprometidos com a sua religião são justamente os mais comprometidos com o livre exercício das outras religiões – por outro lado, corroborando esta intuição, os mais favoráveis ao populismo conservador são em geral os menos favoráveis à liberdade de outras práticas religiosas.

Numa era de crescente preocupação com a desinformação, o apoio à liberdade de expressão, da imprensa e da internet cresceu em muitas nações. Em algumas onde as métricas apontam que a liberdade de imprensa efetivamente diminuiu nos últimos quatro anos, como EUA e Turquia, o apoio a ela cresceu expressivamente (quase 20 pontos porcentuais). No Brasil, por outro lado, ele caiu de 71% para 60%.

Eleições regulares e competitivas são o quarto princípio mais valorizado – “muito importante” para 65% dos entrevistados –, mas nos últimos anos o entusiasmo global caiu. Dois terços dos entrevistados acreditam que os representantes eleitos não se importam com o que eles pensam. Em muitos países, como Itália, Alemanha, Polônia e Reino Unido, diminuiu dramaticamente o número de pessoas que acreditam que “o Estado é administrado para o benefício de todos”.

Em média, 52% estão insatisfeitos com o funcionamento da democracia, enquanto 44% estão satisfeitos. A insatisfação é mais comum entre as pessoas de baixa renda e está frequentemente relacionada ao mau desempenho da economia e à desconfiança das elites políticas. Na Europa, ela é particularmente expressiva entre os populistas de direita. Não surpreende que no Brasil, que elegeu um candidato desta estirpe, o porcentual de insatisfeitos tenha caído em apenas um ano de 83% para 56%.

Os dois princípios menos valorizados em todo o mundo são as liberdades de atuação dos grupos de direitos humanos e dos partidos de oposição. Neste último quesito em particular, o Brasil está entre os quatro países mais mal classificados. Apenas 36% dos brasileiros acreditam que é muito importante que a oposição possa atuar com liberdade. Isso diz muito sobre o acirramento das facções políticas à esquerda e à direita, suas convicções e seus métodos.

É alarmante constatar que as pessoas parecem não se dar conta de que o genuíno vigor da democracia depende menos do exercício da vontade da maioria (o que é compatível com o despotismo) do que das garantias às minorias. Muitos indicadores mostram que os brasileiros – como os demais povos – sentem um amor sincero pela democracia. Mas está claro que todos – cada um a seu modo – ainda precisam fazer muito para conhecer o verdadeiro objeto de seu amor e servi-lo como se deve.

No Brasil

O Pacto pela Democracia, plataforma que reúne diversas instituições, movimentos e ONGs, divulgou no último dia 3 o “Diário de Ataques 2020”, listando as ameaças à democracia, ao Estado de Direito e às liberdades no Brasil desde o início do ano.

O grupo entende que “a escalada de fatos que afrontam os fundamentos democráticos do país não são episódios isolados”. Destacando que em 2020 já foi mapeado mais de um ataque à democracia por semana, levando em conta declarações, atos oficiais e outros fatos.

Entre os episódios listados estão o vídeo com apologia ao nazismo publicado pelo ex-secretário Especial de Cultura, Roberto Alvim; os ataques de Jair Bolsonaro às jornalistas Patricia Campos Mello e Vera Magalhães; as ofensas direcionadas à cineasta Petra Costa por parte da Secom; e a tentativa de Sergio Moro de enquadrar o ex-presidente Lula pela Lei de Segurança Nacional.

O diário apresenta também uma retrospectiva de 2019, listando 60 casos que colocaram em xeque as garantias e liberdades constitucionais naquele ano. A MP do controle das ONGs, elogios e homenagens a ditaduras, ameaças de reedição de um novo AI-5, cerceamento da liberdade de expressão e de imprensa, entre outros episódios de censura e decisões arbitrárias são citados.


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