20/04/2024 - Edição 540

Eles em Nós

Bernie, goela abaixo de Bolsonaro

Publicado em 30/01/2020 12:00 - Idelber Avelar

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Curto fazer campanha eleitoral. Sempre curti, desde moleque, desde os votos que pedi para o PT-MG em 1982, dos quais nunca me arrependi. Pedi votos para Lula com muitíssimo tesão em 1989, aos 21 anos. Pedi nas outras também, mas sem muito entusiasmo. O fundo do poço do meu entusiasmo foi em 2018, lutando por Haddad no 2˚ turno em grupos bolsonaristas de zap.

Sempre como voluntário, sempre de graça, pensando com minha cabeça, e apenas em eleições dos EUA ou do Brasil.

E de todas elas, acho, as que fiz curtindo mais, aprendendo mais, achando mais bacana e mais legal, foram as de Bernie Sanders em 2016 e agora em 2020. Não é todo dia que você pode dizer que o seu candidato diz e faz a mesma linha de coerência há 45 anos — e foi preso com o Doutor King lutando pelo que era justo. Eu curto muito mesmo o velhinho, declaradamente, há uns 15 anos.

Cada um faz a coisa do jeito que acha melhor, né, mas eu gosto desse corpo-a-corpo com a pessoa real do outro lado. No Brasil, isso é feito por Whatsapp. Nos EUA, por telefone e por SMS. É bem curiosa essa diferença.

Hoje, no final da nossa maratona no telefone — nós, voluntários de Bernie por telefone nos Estados Unidos, já falamos com mais de 200.000 pessoas em Iowa –, eu ouvi de um eleitor muito fodidaço a seguinte frase:

"Olha, nessas paradas aí de política pública [policy], eu nem sei, mas acho que vou com o Bernie na assembleia, porque vocês põem muito amor na coisa, é impressionante".

O exército de voluntários de Bernie está agora desligando o telefone; entre eles, há pelo menos um — deve haver alguns mais — que sonha: enfiar Bernie goela abaixo de Bolsonaro.

As últimas de Iowa

Últimas notícias de Iowa, onde acontece a jornada para tentar tirar Trump da Casa Branca.

* Aconteceu em Iowa um fenômeno curioso, que vai interessar aos amigos jornalistas: uma operação de jornalismo independente, fundada por um ex-desempregado, Pat Rynard, com seu laptop, é hoje o centro das atenções de todos os junkies políticos. O Iowa Starting Line é um site de jornalismo (link nos comentários) que chamou a atenção do New York Times anteontem e está publicando intensamente sobre as primárias. São 5 nerds com laptops, experiência política e bom faro jornalístico (são sustentados por doações e comerciais). É jornalismo bem feito, equânime, há matérias simpáticas e críticas a todos os candidatos.

* A divulgação da esperadíssima pesquisa do Des Moines Register, que ia acontecer ontem, foi cancelada, porque parece que houve um erro humano. Alguém ampliou a tela na hora de ler as perguntas para um eleitor, um candidato (Buttigieg) ficou de fora da leitura da tela, deram o azar de que aquele era um eleitor de Buttigieg, que denunciou isso à campanha, que fez seu protesto, e o jornal cancelou a divulgação da pesquisa, por não saber quantas vezes aquele erro tinha se repetido.

* O jogo jogado nas ruas, escolas, igrejas e repartições públicas de Iowa está bem intenso, e se resume a quatro grandes candidaturas: Bernie Sanders, na ponta, Joe Biden, com fôlego e logo atrás, Elizabeth Warren e Pete Buttigieg, um pouco atrás dos dois primeiros. Amy Klobuchar, Senadora que teve sucesso eleitoral em estado vizinho, Minnesota, está no jogo também, em quinto.

* O Iowa Starting Line publicou uma matéria ótima sobre uma das razões para a disparada do Bernie em Iowa. Creio que eles têm razão. O resumo é: enquanto a maioria das campanhas eleitorais traz operativos de outros lugares, em geral da Costa Leste, em geral garotos e garotas que acabaram de concluir a graduação em outros estados, e que não conhecem Iowa muito bem, a campanha de Bernie colocou em posições chave, de liderança, trabalhadores do setor de serviços de Iowa mesmo. São os garçons, garçonetes, entregadores, caixas de supermercado etc. que são de Iowa mesmo que estão comandando nossa parada lá.

* As assembleias acontecem amanhã, de 18h30 a 20h30, horário local (vocês, no horário de BSB, estão 3 horas na frente). Uma coisa linda rolou na campanha de Bernie: posto que esse horário é, como sabe qualquer um que conheça os EUA, de pico para a indústria de serviços, especialmente restaurantes, voluntários da campanha de Bernie se mobilizaram para cobrir o trabalho dos Iowans que vão ter voto em assembleia amanhã. Sim, tem gente atravessando fronteiras estaduais, com o seu dinheiro, apenas para trabalhar de graça uma noite em um restaurante, servindo mesas pela primeira vez na vida.

* Toda eleição tem um ou dois temas que dominam o pleito, para além da vontade de qualquer candidato. NESTE pleito que são as primárias Democratas, não adianta, as pessoas não querem saber de saúde, educação, segurança ou política externa. O tema número 1 é ELEGIBILIDADE. O que todo mundo quer é: tirar Trump da Casa Branca. Quem tem mais chances de tirar Trump de lá? Campanhas inteiras, como as de Joe Biden e Amy Klobuchar, se baseiam nesse tema. A campanha de Bernie tenta deixar claro que o papo de que Sanders é "esquerda demais" para ser elegível não tem fundamento em pesquisa nenhuma e contradiz tudo o que observamos nos país nos últimos anos.

* Os comícios acabaram ontem. O maior da temporada em Iowa, de longe, foi o de Bernie Sanders em Cedar Rapids.

Vamos combinar?

Vamos combinar mais uma coisinha para nos divertirmos com o circão eleitoral dos EUA. Eu me comprometo a dar até a minha última gota de suor para ajudar Bernie Sanders a tratorar Trump nas eleições. Ainda não acho que Bernie seja favorito para ganhar as primárias, embora hoje seja consenso que é possível que ele ganhe. É possível, eu ainda não diria provável, mas pode acontecer. Nós já somos um milhão de voluntários.

Então, ofereço meu trabalho e ofereço informações que são, não "isentas" (essa bobagem não existe), mas confiáveis, porque foram checadas. E ofereço também, com paciência, quaisquer explicações pedidas sobre o complicadíssimo processo eleitoral dos EUA.

EM TROCA, vocês vão me oferecer uma coisa, ok? Se Bernie ganhar, eu quero cada um de vocês visitando as redes sociais da família Bolsonaro, do pilantra do Carluxo, do safado do Weintraub, do carreirista escroto do Araújo, do celerado do Salles, de toda a fauna, INUNDANDO-OS com GIFs, memes e fotinhas de Bernie em todas as posições possíveis e imagináveis. Até eles terem pesadelos com os cabelos brancos despenteados e bagunçados do velhinho na Casa Branca.

Tá combinado.

Ainda sobres as eleições americanas

Escrever sobre eleições americanas aqui é um pouco desgastante porque, se eu não quiser ser grosseiro, eu me obrigo a responder as mesmas perguntas todos os dias. Então, apesar de detestar o formato FAQ, resolvi fazer um, para ter no bolso e usar. Recomendo nos comentários o thread de Twitter do Prof. Carlos Gustavo Poggio, que sabe muitíssimo sobre o assunto. A dele é muito mais completa que a minha–e é mais equânime, a minha é feita por alguém que é declaradamente voluntário da campanha de Bernie.

O FAQ que segue é mais focado no tipo de pergunta que aparece aqui. Vamos lá.

"Quando o Partido Democrata escolhe seu candidato a Presidente?" Em Wisconsin, 13-16 de julho. Até lá, há um calendário de primárias e é possível (embora, este ano, não provável) que um candidato consiga a maioria dos delegados. As primeiras primárias são, nesta ordem, Iowa, New Hampshire, Nevada e Carolina do Sul.

"Todos os delegados são eleitos?" Não. 3.994 são eleitos, mas há 771 que são figuras da burocracia partidária, chamados "super-delegados", que este ano só votam em um 2˚ turno, se algum candidato não conseguir 50% + 1. Até as primárias de 2016, eles votavam de cara. Tiveram sua influência reduzida como resultado do movimento popular que se congregou em torno a Bernie Sanders. 100% dos "super-delegados" em 2016 eram clintonistas.

"Se Trump é um Presidente de extrema-direita, não é mais sensato escolher um candidato de centro como Biden para derrotá-lo, em vez de um esquerda hard como Bernie?" Não é o que dizem as pesquisas, há mais de 4 anos. Consecutivas, dezenas delas sugerem que o eleitorado decisivo é o de classe trabalhadora do Meio Oeste, capturado por Trump com sua retórica populista. Esse eleitorado é decisivamente anti-DNC, anti-establishment Democrata, anti-NAFTA e anti-Clinton. Mas muito simpático a Bernie.

"Mas as pesquisas não erraram em 2016?" De forma nenhuma, as pesquisas acertaram na mosca. Acertaram como nunca tinham acertado antes, inclusive. Cravaram exatamente o que aconteceu: 2,5% do voto nacional em favor de Clinton, com curva ascendente pró-Trump nos estados pêndulo, que a euforia da imprensa e do clintonismo não soube ler. As pesquisas acertaram, se você as leu equivocadamente, é outra história. Lembre-se: as eleições nos EUA são estadualizadas.

"Em todos os estados os delegados são eleitos da mesma forma?" Não. Em alguns, é sufrágio universal aberto a eleitores filiados como Democratas. Em alguns, é sufrágio universal aberto a eleitores filiados como Democratas e como Independentes. Em alguns outros (como o primeiro, de Iowa), é um processo de assembleia que chamamos 'caucus'.

"O que é um caucus?" É uma espécie de assembleia estudantil em que os apoiadores dos candidatos ficam argumentando, "capturando" eleitores, trazendo-os para seu canto. O candidato que conseguir 15% passa para a segunda rodada. E aí os delegados são eleitos de forma mais ou menos proporcional. Se o seu candidato não conseguiu 15%, você pode mudar de lugar e ir para sua segunda opção.

"O processo de caucus favorece algum candidato em particular?" Sim, tem tendido a favorecer Bernie, que tem uma legião de voluntários no maior pique. No momento, entramos em campo como o Galo do Bruxo, o Mengo do Jesus, sem medo de ser feliz.

"A página está aberta para que eu expresse minhas 'dúvidas' sobre a viabilidade eleitoral de Bernie Sanders?" Apoiado por documentação, sim; apoiado no que você "acha", não.

"A página está aberta para apoiadores e simpatizantes de Bernie compartilharem GIFs, memes, estratégias, impressões, love etc.?" Certamente SIM.

Eis aí, então, o FAQ e umas condiçõeszinhas necessárias para que eu continue podendo comentar — e me divertir — com o circão eleitoral que se aproxima. Se alguém tiver alguma outra não respondida, deixe aí nos comentários e eu respondo em uma segunda rodada.

Estreando com fraude

Segundo entendo, a nova Secretária de Cultura Regina Duarte já estreou fraudando inexistente apoio de colegas de profissão a ela, e ao governo, e sendo desmentida na tora, em público, inclusive com solicitações de que apagasse fotos, é isso mesmo?

Que vergonha, Secretária.

Vamos ver como se comporta agora a figura pública que imortalizou o sintagma "tenho medo" no português brasileiro das últimas três décadas.

Como atriz, Regina Duarte tem legado, é uma tolice questionar isso. Vamos ver se, como figura pública, na pólis, ela deixa algum legado para além dessa miserável frase que ela popularizou. Começou muito mal.

Da coluna de Conrado Hubner, na Folha de quarta (29)

"Você pode ser contra ou a favor do juiz das garantias. Há argumentos dignos do nome dos dois lados, ainda que uns sejam mais convincentes que outros (debate que fica para outra coluna). Mas você não pode apoiar a arbitrariedade judicial só porque ela atende sua opinião hoje. Amanhã o afetado por manobra monocrática poderá ser você. Atenção aos métodos, não só aos resultados.

Liminar de Toffoli durante o recesso judicial ampliou prazo legal para implementação do juiz das garantias de 30 para 180 dias. Fux, outro plantonista do recesso, revogou a decisão de Toffoli e suspendeu, sem prazo definido, esta e diversas outras disposições do 'pacote anticrime'. Ressaltou que tomava essa decisão com 'todas as vênias possíveis' a Toffoli.

É provável que esse caso não volte mais à pauta do tribunal nessa geração. Afinal, desde 2012 esperamos que a gaveta de Fux solte para plenário o julgamento dos penduricalhos de juízes fluminenses (que a lei chamou de “fatos funcionais”); desde 2014, sua gaveta sonega do plenário o caso do auxílio-moradia. Para ficar em dois exemplos. A história não tem registro de voto de Fux que contrarie a magistocracia."

***

Trocando em miúdos: Fux simplesmente enfiou em sua gaveta uma decisão legítima dos parlamentares que, bem ou mal, são os representantes eleitos pelo povo. E não há sinais de que ela de lá sairá. É mais um entre incontáveis exemplos que o Conrado vem apontando em suas colunas. À luz desses descalabros que lá acontecem, dá para negar ao STF a condição de corresponsável pelo buraco em que o país se encontra?

Sabotando na Índia

Bolsonaro desembarcou da Índia e disse que vai tentar descobrir se houve "sabotagem" no caso do erro ocorrido no Enem, que afetou mais de 6.000 candidatos.

Não é muito difícil especular a raiz do problema, né? O Ministério da Educação é dirigido por um desqualificado, o bolsonarismo é um movimento real, mas desprovido de bons quadros técnicos, e a surpresa seria se eles conseguissem realizar um Enem sem grandes catástrofes. Não conseguiram.

Bolsonaro foi incapaz de apresentar indício, prova, pista qualquer da tal "sabotagem". Ele tirou isso da cabeça dele. Essa figura, a de um Presidente que simplesmente, como dizemos aqui, MAKES SHIT UP nos provoca uma sensação estranha, como se não pudéssemos acreditar no que está acontecendo.

É absolutamente inédito, nunca vimos isso antes? Não. Como quase tudo no bolsonarismo, trata-se de uma versão anabolizada de algo que víamos no lulismo. Se você voltar a Junho-2013 e visitar as redes sociais de Sibá Machado, Emir Sader, Ruy Falcão etc. etc, verá um monte de invenções semelhantes: as manifestações são obra da CIA, na rua só tem manifestantes privilegiados etc. Acadêmicos com amplo trânsito na universidade, como Jessé Souza, repetem isso até hoje. Lula está aí repetindo isso, dia sim, dia não.

O bolsonarismo é a mesma coisa? Não, como quase tudo nessa passagem, há um mimetismo do mecanismo, da operação da coisa, do processo de invenção da lorota, mas também há uma anabolizada brutal, uma multiplicação alucinante na intensidade, na frequência e na piração das conspirações, além de uma inversão do sinal político em que elas operam, claro. Mas a sintaxe é nitidamente a mesma e a inspiração de um movimento no outro é clara.

E é por isso que Lula anda por aí dizendo que Bolsonaro tem razão em seus ataques à imprensa. Com o perdão da obviedade da conclusão: estamos muito fodidos, PQP.

Leia outros artigos da coluna: Eles em Nós

Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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