28/03/2024 - Edição 540

Artigo da Semana

Espiritismo não combina com armas, pena de morte, violência e discurso de ódio

Publicado em 29/01/2020 12:00 -

Clique aqui e contribua para um jornalismo livre e financiado pelos seus próprios leitores.

“Jesus respondeu: Amarás o Senhor teu Deus
de todo o teu coração, de toda a tua alma,
e de todo o teu entendimento!
Esse é o maior e o primeiro mandamento.
O segundo é semelhante a esse:
Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.
Toda a Lei e os profetas
dependem desses dois mandamentos.”

Matheus 22:34-40

 

É raro o dia em que não recebo – de amigos/as ou anônimos, no privado ou público – mensagens de desencanto com o movimento espírita, com dirigentes, médiuns famosos ou palestrantes popstars. São sempre depoimentos muito doloridos, relatando perseguições, censuras e até expulsões.

Uma companheira partilhou que durante o passe – prática amplamente difundida entre os espíritas e que consiste na imposição de mãos, visando promover a doação de bioenergias de um indivíduo ao outro – o passista (que é a pessoa que aplica o passe) pediu a espiritualidade que “livrasse a irmãzinha das influências do comunismo”. Outra companheira desabafou que foi retirada de todos os trabalhos espirituais do centro espírita (que ela ajudou fundar) por conta de suas ideias sociais e progressistas. Um casal de amigos abandonou o centro espírita depois que foram impedidos pelos dirigentes de continuarem atuando na evangelização infantil (uma espécie de catecismo) para não influenciarem as crianças “com essas ideias esquerdistas anti-doutrinárias”. Nós mesmos fomos expulsos da rádio espírita que fazíamos programa a mais de 13 anos por dizermos que o presidente – na época candidato – era machista, racista, LGBTfóbico e violento (continuamos afirmando e agora com mais motivos).

A sensação que tenho é que todos os violentos, hipócritas, cruéis, incluindo aí os religiosos, resolveram sair, de uma só vez, dos seus armários e tumbas. Estão se sentindo empoderados.

Ver espíritas em marcha com o atraso, com o preconceito, com a ruptura democrática, com a retirada de direitos e com o ódio e fundamentalismo, me faz acreditar que essas pessoas estão bem distantes dos postulados de Kardec e dos ensinamentos de Jesus, afinal, “se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 João 4:20).

Kardec foi ainda mais enfático na questão 350 de O Livro dos Médiuns: “De que serve acreditar na existência dos Espíritos, se essa crença não torna o ser humano melhor, mais benevolente e mais indulgente para com seus semelhantes, mais humilde, mais paciente na adversidade?”

Ele entendia que desde que uma pessoa se intitulasse espírita, ela já teria motivos suficientes para iniciar essa transformação e reforma íntima (que é um compromisso consigo mesma), passando a se esforçar para se tornar melhor e contribuir, assim, para o adiantamento da humanidade.

Mas também é verdade que na mesma proporção que os odiosos deixaram suas máscaras caírem, espíritas de todos os cantos do País e de fora dele tem se reunido, presencialmente ou virtualmente, incomodados/as com essa captura do movimento espírita brasileiro pelos setores mais reacionários e fundamentalistas, para expressar seu repúdio às leituras equivocadas e enviesadas que estão fazendo do legado de Kardec.

O espírita, autointitulado “cidadão de bem”, limpinho e cheiroso (como diz aquela jornalista), que dita normas como um general nas entidades que deveriam se conectar fraternalmente, mas ao contrário prega o ódio e a intolerância, sabe que está condenado, e se desespera por isso, porque sabe que afronta as leis divinas e naturais. Porque sabe que a consciência libertadora o inquieta e o aprisiona.

Há cristãos – mal-intencionados – que utilizam argumentos religiosos para defender a barbárie e a violência. Uma das passagens preferidas dessa “gente de bem” é a em que Jesus disse não ter vindo trazer a paz, mas a espada.

Não há paz sem voz e Jesus já sabia disso. Quando usou a analogia da espada, Jesus estava se referindo ao império romano (dominação) e que a pacificação só seria possível se houvesse conflito e divisão às hierarquias e poderes estabelecidos, rompendo com a política de morte da época. Jesus tornou-se o centro da separação e rompe com a manutenção das relações estabelecidas pelo legalismo.

Uma das possibilidades que a Doutrina Espírita apresenta para o enfrentamento da violência é a educação em suas múltiplas interfaces. O Espiritismo, essencialmente educativo, tem como objetivo libertar e proclamar o reino de Deus – de justiça, amor e paz – para todos/as, mas a sua missão não poderá ser realizada em um ambiente de acomodação “paz” que só atendem a alguns poucos.

O impulso de transformação presente na doutrina espírita – para além dos fundamentalismos e articulações reacionárias que infelizmente disputam os ensinamentos de Kardec – defende que uma sociedade justa e livre se dará por meio da implantação de políticas públicas que valorizem a cultura da não-violência, o respeito à diversidade e a todas as pessoas como portadoras de direitos.

A apologia ao porte de armas, o aumento da repressão institucional e armada contra a população de forma indiscriminada não é o caminho.

As forças progressistas dentro da doutrina espírita serão o futuro de uma doutrina livre e que cada vez mais estará integrada com o povo e suas conquistas sociais.

Franklin Félix – Psicólogo, educador, militante pelos direitos humanos e um dos idealizadores do movimento de espíritas pelos direitos humanos


Voltar


Comente sobre essa publicação...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *