28/03/2024 - Edição 540

Brasil

Brasil piora em ranking mundial de corrupção, diz a Transparência Internacional

Publicado em 23/01/2020 12:00 -

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O Brasil caiu uma posição no principal ranking internacional de corrupção, passando da 05ª para a 106ª entre 180 países, segundo o relatório divulgado no último dia 23 pela ONG Transparência Internacional.

O Brasil continua sendo um "país em observação", com índice de 35 pontos no Índice de Percepção de Corrupção (IPC). É a mesma pontuação de 2018 e a mais baixa desde 2012, quando passou a ser possível fazer comparações anuais. A escala do IPC vai de zero (altamente corrupto) a 100 (muito íntegro).

Em 2018, o Brasil caíra nove posições em relação ao ano anterior, ficando em 105º lugar no índice de 180 países. A classificação brasileira apresenta tendência de queda desde 2014, quando o país ocupava a 69ª posição.

O Uruguai, com 71 pontos, é o país mais bem posicionado da América Latina, na 21ª colocação. Depois vem o Chile, na 26ª posição, com 67 pontos. A Venezuela ocupa a pior posição na região, com 16 pontos, na posição 176.

Mais de dois terços dos países têm menos de 50 pontos, e a média mundial é de 43. O primeiro lugar no índice mundial é dividido entre a Dinamarca e a Nova Zelândia, ambas com 87 pontos. O último é da Somália, com 9 pontos.

A Transparência Internacional afirmou que "a corrupção continua sendo um dos maiores impedimentos para o desenvolvimento econômico e social do Brasil e que, depois das eleições de 2018, fortemente influenciadas por uma agenda anticorrupção, o país experimentou uma série de retrocessos nas suas estruturas legal e institucional de combate à corrupção".

Como exemplos desses retrocessos, a ONG mencionou a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli sobre o Coaf, de julho de 2019, que suspendeu o uso, sem o aval da Justiça, de informações do órgão por investigadores e que atendeu a pedido do senador Flávio Bolsonaro, e o chamado inquérito das fake news, também a cargo do STF.

A ONG também apontou "crescente interferência política" do presidente Jair Bolsonaro em instituições de combate à corrupção e "a aprovação parlamentar de legislação que ameaça a independência dos agentes da lei e a obrigação dos partidos políticos de prestar contas".

O ano de 2019 acabou marcado por denúncias envolvendo membros do governo, como o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, investigado por um esquema de candidaturas de fachada, e pessoas ligadas ao presidente, como o seu filho Flávio, que é investigado por peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e participação em organização criminosa.

A Operação Lava Jato é novamente mencionada no relatório da ONG, que lembrou que ela revelou uma série de contribuições políticas ilegais no âmbito de um dos maiores escândalos de corrupção da história. "A Odebrecht, gigante brasileira da construção civil que estava no coração do caso, foi condenada por pagar 1 bilhão de dólares em propinas ao longo de 15 anos para líderes políticos no Brasil, Peru e Argentina, durante eleições."

Os Estados Unidos também estão entre os países em observação no continente americano. A pontuação dos EUA foi de 71 para 69, e o país ocupa agora a posição 23. No ano anterior, estava na 22ª.

"O presidente Trump fez campanha prometendo 'drenar o pântano' e fazer o governo trabalhar não apenas para as elites políticas de Washington, mas uma série de escândalos, renúncias e alegações de comportamento antiético sugerem que a cultura de 'molhar a mão' está cada vez mais enraizada", escreve a ONG.

Segundo a Transparência Internacional, um "número impressionante de países mostra pouca ou nenhuma melhora no combate à corrupção" e "países em que as eleições e o financiamento de partidos políticos estão abertos à influência indevida de interesses pessoais são menos capazes de combater a corrupção".

"A frustração com a corrupção nos governos e a falta de confiança nas instituições indicam a necessidade de maior integridade política", salientou a presidente da ONG, Delia Ferreira Rubio. "Os governos devem abordar com urgência o papel corrupto do dinheiro no financiamento de partidos políticos e a influência indevida que ele exerce nos nossos sistemas políticos", acrescentou.

O IPC mede como a corrupção no setor público é percebida por empresários e especialistas em cada país – sem levar em conta dados quantitativos, como o montante de dinheiro desviado, e sem medir se, na prática, o problema se agravou ou não na região.

Bolsonaro e STF impedem otimismo sobre corrupção

Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal são correponsáveis pelo vexame. O presidente da República e a Suprema Corte envenenaram o ânimo do brasileiro, desautorizando o otimismo no quesito combate à corrupção.

A visão coletiva sobre a roubalheira se alimenta de um paradoxo. A explosão de escândalos estimula a impressão de que o país afunda em insanáveis vícios. Isso aconteceu quando a Lava Jato ganhou as manchetes, há seis anos. A sensação de fracasso tende a diminuir na proporção direta do avanço na punição dos culpados. O problema é que o retrocesso veio antes que o brasileiro se convencesse de que era hora de apertar o botão do otimismo.

No futuro, quando a história puder se pronunciar sobre 2019 sem paixões e polarizações, anotará que este foi o ano em que o maior esforço anticorrupção já realizado no país começou a definhar. Feneceu não por falta de material, mas por excesso de desfaçatez. Estabeleceu-se uma aliança tácita entre suspeitos, culpados e cúmplices dos três poderes.

Bolsonaro, um presidente que se elegeu enrolado na bandeira da moralidade, cercou-se de meia dúzia de ministros encrencados com a lei. Nomeou um líder no Senado que é cliente de caderneta da Lava Jato. E agiu às escâncaras para proteger o primogênito, investigado por peculato e lavagem de dinheiro num escândalo que envolve um repasse monetário à primeira-dama do país.

No Supremo, produziram-se recuos em série —da anulação de sentenças à abertura de celas, entre elas a de Lula. Entre as inúmeras pauladas desferidas contra o esforço anticorrupção, a mais forte foi a mudança na regra que permitia a prisão de larápios condenados na segunda instância do Judiciário.

Voltou a vigorar o velho sistema viscoso, no qual os condenados recorrem até a morte ou a prescrição dos crimes, o que vier primeiro. Numa das sessões do Supremo, o ministro Gilmar Mendes, que passou a personificar a meia-volta no imaginário popular, traduziu os humores que prevaleceram em Brasília: "Vamos honrar as calças que vestimos!"

Evocando o teor de mensagens trocadas no escurinho do Telegram pelo ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça de Bolsonaro, e procuradores de Curitiba, Gilmar acrescentou:

"Falam mal de nós, chamam a nós de vagabundos. Queriam interferir na distribuição de um processo. Falam mal do ministro [Edson] Fachin. Passaram de todos os limites -mentindo, agredindo à Corte. E nós: 'Ah, temos que atender a Lava Jato'."

O sucesso da Lava Jato era atribuído a três fatores: 1) A corrupção passou a dar cadeia; 2) O medo da prisão potencializou as delações; 3) As colaborações judiciais impulsionaram as descobertas. O fim da prisão em segunda instância aboliu o risco de cana. O sumiço do medo transformou delatores em tolos. Quem já passou pela cadeia, como Lula, não volta. Quem aguardava na fila, como Michel Temer e Aécio Neves, não entra.

Num ambiente assim, o cenário que parecia redentor desmorona. A ilusão de que o país estaria maduro para dar um salto no combate à corrupção vira fumaça. Rapidinho, renasce o monstro do mesmo.

O brasileiro é como que tomado de assalto (ops!) pela sensação de que a única consequência de um grande escândalo é produzir outro, e outro, e outro… Não há espaço para otimismo em matéria de combate à corrupção.

Sonegação x Corrupção

Nenhum assunto rivaliza com as notícias sobre corrupção na cobertura e no destaque dados pela mídia, um sinal da importância devidamente atribuída ao problema pelos cidadãos. Males de proporções maiores, porém, continuam na sombra. A sonegação de impostos, por exemplo, tem sete vezes o tamanho da corrupção, mas recebe atenção mínima da sociedade e do noticiário.

Deixa-se de recolher 500 bilhões de reais por ano aos cofres públicos no País, calcula o presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, Heráclio Camargo. O custo anual médio da corrupção no Brasil, em valores de 2013, corresponde a 67 bilhões anuais, informa José Ricardo Roriz Coelho, diretor-titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, com base em cálculos recentes.

Para alertar a sociedade da importância de se combater a sonegação, Camargo, inaugurou um sonegômetro e uma instalação denominada lavanderia Brasil. Na inauguração, o medidor mostrava um total sonegado de 105 bilhões desde janeiro, dos quais 80 bilhões escoados por meio de operações de lavagem ou manipulação de recursos de origem ilegal para retornarem à economia formal com aparência lícita.

Em um exemplo citado pelo Sindicato, um comerciante simula a compra de 50 milhões de litros de combustível, adquire só 10 milhões de litros físicos e obtém, mediante pagamento, notas fiscais falsas no valor de 40 milhões. Ele negociou de fato só aqueles 10 milhões, mas trouxe para a economia formal os 40 milhões de origem ilícita por meio desse mecanismo de lavagem, sem recolher os impostos devidos. Tanto a parcela superfaturada, os recursos de propinas, tráfico de drogas, de armas e de pessoas, contrabando, falsificações, corrupção e renda sonegada precisam retornar à economia com aparência de origem lícita, para as atividades criminosas prosseguirem.

A livre atuação no Brasil das empresas off shores, ou registradas em paraísos fiscais, agrava a sonegação. Há laços fortes do País com esses redutos de burla dos fiscos dos estados nacionais, na prática nossos grandes parceiros comerciais. A principal razão é o tratamento preferencial dado ao capital externo, subtaxado quando da sua remessa de lucros ao exterior, afirma-se no site Tax Justice Network.

“Todos os países que não taxam ganhos de capital, ou o fazem com base em alíquota inferior a 20% são considerados paraísos fiscais no Brasil. Ironicamente, esse país tem diversas situações de ganhos de capital taxados em menos de 20%.” Não é bem assim, explica a Receita Federal. “A definição de paraíso fiscal na legislação brasileira não leva em conta apenas a tributação de ganhos de capital, mas sim a tributação da renda. A tributação da renda das pessoas físicas é de 27,5% e das pessoas jurídicas é de 25% de imposto de renda, mais 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.” Mas a taxação de ganhos de capital, “em regra de 15%”, é baixa em termos mundiais e o trânsito do dinheiro é facilitado pela parceria comercial com os paraísos fiscais.

Pessoas físicas recorrem também aos paraísos fiscais para não pagar impostos sobre os seus ganhos, lícitos ou não. No caso das 8.667 contas de brasileiros descobertas no HSBC da Suíça (4.º maior número de correntistas no mundo), Camargo vê “com certeza indícios de conexão com paraíso fiscal, porque essas contas eram secretas, só vazaram porque um ex-funcionário do HSBC divulgou a sua existência. Há indícios a serem investigados pelas autoridades brasileiras, de evasão de divisas e crime de sonegação fiscal.”

Os impostos mais sonegados são o INSS, o ICMS, o imposto de renda e as contribuições sociais pagas com base nas declarações das empresas. Os impostos indiretos, embutidos nos produtos e serviços, e o Imposto de Renda retido na fonte, incidentes sobre as pessoas físicas, são impossíveis de sonegar. A pessoa jurídica cobra os tributos, mas algumas vezes não os repassa ao governo.

A sonegação acompanha a concentração de renda. Os processos envolvem 3,54 milhões de devedores, mas os chamados grandes devedores são apenas 18.728. Para dar conta dos 7,48 milhões de processos em tramitação, há só 2.072 procuradores, auxiliados por 1.518 servidores, menos de dois por procurador. O sindicato reivindica o preenchimento urgente dos 328 cargos vagos de procurador da Fazenda Nacional abertos.

Quem tem mais, deve pagar mais, estabelece a Constituição, em um preceito tão desobedecido quanto o do Imposto sobre Grandes Fortunas, à espera de regulamentação. Nesse assunto, o Brasil está na contramão. A partir de 2012, com a piora da economia e da arrecadação, países europeus que haviam concedido desonerações tributárias e cortado gastos, voltaram a aumentar o imposto de renda nas alíquotas mais altas e elevaram os impostos sobre propriedade, diz a professora Lena Lavinas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

“Aqui, não conseguimos fazer isso porque o IPTU não é arrecadado pela União, mas pelos municípios, então você não mexe na propriedade. Impostos que tratam da concentração da renda, do patrimônio, deveriam estar nas mãos da União. A reforma tributária, segundo algumas visões do Direito, é tratada como uma questão de simplificação. Não é o caso, muito pelo contrário, tem que complexificar mais, dentro de uma estrutura adequada em termos de progressividade, de taxar realmente o patrimônio, os ativos, essa coisa toda.”

A estrutura do nosso sistema tributário, diz a professora, “é uma tragédia, regressiva, picada, os impostos não vão para as mãos que deveriam ir. Por que não se consegue repensar o IVA, o ICMS? Porque são dos estados. Impostos e medidas que poderiam favorecer uma progressividade, não se consegue adotar, por conta do nosso caráter federativo.”

A sonegação é uma possibilidade aberta para as empresas pela estrutura tributária, conforme mencionado acima, e quando pegas, são beneficiadas pela discrição das autoridades. Também nesse quesito, o Brasil segue na contramão. Nos Estados Unidos, por exemplo, os próprios políticos tratam de alardear os nomes das empresas flagradas em irregularidades.

Por que o Brasil, não dá publicidade aos nomes dos grandes sonegadores, o que possivelmente contribuiria para desestimular o não recolhimento de tributos e impostos? Segundo Camargo, há divulgação, mas ela não é satisfatória. “Existe um sítio na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que enseja a consulta dos CNPJs ou CFPs dos devedores, mas sem informar quais são os valores devidos. Não temos uma cultura de transparência no Brasil. Essas restrições são inaceitáveis e nós devemos caminhar para uma maior transparência, com a divulgação dos nomes e respectivos valores devidos.


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