28/03/2024 - Edição 540

Comportamento

Mulheres se sentem incapazes de contar para alguém que o aborto é uma opção para elas

Publicado em 21/01/2020 12:00 -

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Mulheres se sentem incapazes de contar para amigos e parentes que estão considerando fazer um aborto. A informação é de pesquisa realizada pela organização britânica Marie Stopes International.

A pesquisa, que ouviu 2.600 mulheres, indica que somente uma em cada três verbalizaria que está pensando em fazer um aborto a seus familiares. 34% falariam com os amigos sobre a decisão, e 62% delas contaria para o parceiro.

Algumas (6%) revelaram que não conversariam com ninguém exceto um profissional de saúde. Apesar de mais de 9 em cada dez mulheres britânicas afirmarem ser a favor do direito de escolha, o estigma em torno do aborto ainda representa um muro de silêncio em torno do tema. A maioria das mulheres, entretanto, acredita que o assunto deva ser discutido mais abertamente. 

A pesquisa foi divulgada junto com a campanha #SmashAbortionStigma (acabe com o estigma do aborto), que incentiva as mulheres a contar suas histórias nas redes sociais usando a hashtag ou então gravando vídeos curtos explicando por que são a favor dos direitos reprodutivos.

Amy Allum, 28, tinha 17 anos e estava na universidade quando descobriu que estava grávida, por causa de um problema com o anticoncepcional. “Sabia de cara que queria abortar, queria continuar estudando e depois viajar o mundo”, afirma Allum.

“Apesar de ter certeza sobre a decisão, só contei para algumas poucas pessoas. Hoje em dia, sinto que fui silenciada, porque é um assunto que as pessoas não discutiam na época.”

Allum diz que contou para a mãe, que a incentivou a procurar um médico junto com o namorado. Infelizmente, nem o namorado nem o médico a apoiaram. Por essa razão, ela diz ser a favor do fim do estigma do aborto.

“Jamais vou esquecer o dia em que contei para o médico que queria abortar”, diz ela. “Ele disse que não estava de acordo e saiu do consultório. Fiquei mortificada.”

No dia seguinte ao aborto, ela voltou para a faculdade. A professora perguntou se ela estava se sentindo melhor. Allum fez que sim com a cabeça, contendo o choro. “Não era o aborto que estava me incomodando, mas sim o fato de não poder falar a verdade”, diz ela. “Parecia que tinha de esconder um segredo.”

Katriana Cicotto, 24, de Londres, fez um aborto no começo do ano e também sentiu-se incapaz de falar no assunto na época. Ela engravidou no primeiro encontro romântico que teve depois de um longo relacionamento e disse que sofreu um “choque enorme”.

“Fui imediatamente para uma clínica de saúde sexual. A enfermeira estava usando um crucifixo e não olhou nos meus olhos”, lembra Cicotto. “Ela me perguntou o que eu queria fazer e, quando eu respondi que não poderia ter um bebê, me entregou um pedaço de papel e disse: ‘Ligue para este número’.” 

Cicotto procurou a ajuda da Marie Stopes e disse que a sensação foi “deitar-se num colchão de penas”. Apesar do apoio recebido da organização, ela ainda assim não conseguiu contar para seus amigos nem para seus pais, que vêm de países católicos.

“Passei duas semanas e meia sem dormir, entre o telefonema e o aborto”, diz ela. “Foi um período de trevas. Estava muito triste, pois sabia que precisava do apoio de alguém próximo, mas estava sozinha.”

No fim das contas, o chefe de Cicotto a puxou de lado e perguntou o que estava acontecendo. Ela caiu no choro e explicou tudo. O chefe a convenceu a conversar com a mãe.

“Não conseguia olhar nos olhos dela, mas minha mãe segurou minhas mãos e disse que entendia tudo. Ela também fez um aborto quando tinha mais ou menos a minha idade”, diz ela. “Contar foi uma das melhores coisas que fiz na vida.”

A campanha #SmashAbortionStigma espera fazer um contraponto às atitudes negativas relacionadas às mulheres que fazem aborto. A iniciativa tem apoio da deputada Heidi Allen, da escritora Marian Keyes e da atriz Siobhan McSweeney, da série Derry Girls.

Caroline Gazet, diretora clínica da Marie Stopes UK, disse: “No Reino Unido, uma em cada três mulheres fará aborto em sua vida, mas sabemos que isso as faz sentir-se julgadas, humilhadas e silenciadas”.

“O Reino Unido é um país a favor da escolha, com uma pequena minoria de ativistas ameaçando o direito de abortar. É mais importante que nunca acabarmos com o estigma do aborto e defendermos os direitos das mulheres.”

Aborto no Reino Unido

Diferente do Brasil, o Reino Unido já decidiu a questão há anos. O aborto no país foi legalizado em 1967, com a assinatura do “Abortion Act”, um ato do Parlamento que passou a permitir o procedimento em hospitais e clínicas legalizadas até a 24ª semana de gestação.

No entanto, 90% dos procedimentos são feitos, no máximo, até a 13ª semana. Em casos excepcionais, em que houver risco de morte para a mulher, ainda é possível fazer o aborto depois da 24ª semana.

Recentemente, a Irlanda do Norte, optou por também descriminalizar a prática. O país faz parte do Reino Unido e é semiautônoma em relação ao governo britânico.

Os números do aborto no Brasil

Diferente do Reino Unido, hoje o aborto só é permitido em casos de estupro, fetos anencéfalos ou para salvar a vida da gestante no Brasil. Como a interrupção da gravidez de forma voluntária é criminalizada, os dados sobre como as mulheres lidam com a questão, compartilham com teceiros, inclusindo dados oficiais no setor de saúde, são insuficientes.

Os dados oficiais disponíveis atualmente são do Ministério da Saúde, calculados a partir de informações coletadas no atendimento no SUS (Sistema Único de Saúde) e ajustados por critérios estatísticos.

Os números, contudo, mostram apenas os procedimentos legais. Nos últimos anos, não há variação significativa nos registros. Em 2017, foram feitos 1.636 abortos legais no Brasil.

Este texto foi originalmente publicado no HuffPost UK e traduzido do inglês.


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