19/04/2024 - Edição 540

Brasil

Sem aumento real

Publicado em 16/01/2020 12:00 -

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Jair Bolsonaro não faz mais do que sua obrigação constitucional ao corrigir o valor do salário mínimo pela inflação medida em 2019, mantendo o poder aquisitivo dos trabalhadores. A questão principal é outra: ele não possui uma política para garantir aumento real ao mínimo. Vende a promessa, como na ditadura, de que após o bolo crescer, ele será dividido. Mas agora não, porque geraria desemprego em massa.

O governo havia feito um reajuste de R$ 998,00 para R$ 1039,00 no final do ano. Mas a inflação se mostrou um pouco maior que a estimativa. Agora, após um desnecessário suspense, o presidente diz que enviará uma nova Medida Provisória ao Congresso Nacional para acrescentar seis mangos, totalizando R$ 1045,00 a partir de fevereiro. E a diferença relativa a janeiro? Pode esquecer.

Triste é que a correção monetária do salário mínimo, prevista no artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal, tornou-se fato relevante a ser noticiado diante do silêncio da equipe econômica sobre o tema. O governo não dizia se, quando e como faria a atualização. Tinha dificuldade em encontrar o melhor instrumento jurídico para isso? Eles que tivessem uma saída planejada caso isso acontecesse, uma vez que foram eles que deixaram de renovar a política de valorização do mínimo. Pela política, se houvesse uma diferença como essa, ela seria incorporada no ano seguinte.

De acordo com a lei 13.152/2015, o reajuste era feito com base no crescimento do PIB de dois anos antes, mais a inflação do ano anterior. O governo Bolsonaro disse que não buscaria a renovação da regra e faria apenas a correção inflacionária. Isso interrompeu um quarto de século de uma política de aumento real do mínimo, que começou informalmente pelo PSDB, foi transformada em lei pelo PT e mantida pelo MDB. Agora, caiu com o presidente sem partido e Paulo Guedes, seu ministro da Economia.

O anúncio de que governo vai garantir que a inflação será reposta é, portanto, equivalente a dizer que ele decidiu fazer a gentileza de não continuar assaltando os trabalhadores para além da tunga de janeiro.

Para quem acha que R$ 6,00 são um sacrifício que aposentados e pensionistas, empregados com carteira assinada, trabalhadores autônomos e trabalhadoras empregadas domésticas, entre outros, poderiam fazer em nome do respeito à emenda do Teto de Gastos e à "saúde financeira" da nação, minha torcida é para que você nunca precise escolher se deixa o arroz, a farinha, o feijão, o açúcar, a bolacha das crianças ou o desodorante naquela cestinha que recebe os produtos que não passarão pelo caixa do supermercado.

Como já disse aqui, o que deve passar pela cabeça de uma pessoa que mora no interior do país, recebe um mínimo e tem que depender de programas de renda mínima quando vê, na sua TV, gente do governo, de terno, na estica, dizendo que um aumento maior quebraria o país. Em outras palavras, que a culpa é daquele que ganha o mínimo devido a um estouro nas contas da Previdência.

E, na sequência, acompanha notícias de perdões de dívidas bilionárias de empresários para a Previdência Social. Ou assiste a escândalos de corrupção envolvendo frondosos laranjais irrigados com recursos públicos eleitorais, como aqueles que se vê quando se faz Turismo em Minas Gerais. Ou percebe que dinheiro do contribuinte se transformou, pelas mãos mágicas de Fabrício Queiroz, em chocolate e apartamento. Ou quando descobre que os mais ricos são porcamente tributados, isentos em bilhões da taxação de dividendos que recebem de suas empresas, pagando proporcionalmente menos que a classe média. Noves fora quem recebe auxílio-moradia, auxílio-paletó, auxílio-óleo-de-peroba.

Ninguém quer ser irresponsável com as contas públicas. Mas cobrar que trabalhadores pobres (aqueles que primeiro deveriam ser protegidos em uma crise) apertem os cintos enquanto ricos ficam mais ricos sem que seus dividendos sejam tributados e enquanto membros do governo ou pessoas próximas a ele desviam recursos é violência em seu estado mais puro. Corrigir isso não vai salvar as contas públicas, mas vai tornar o país um lugar menos bizarro de se viver.

O mais pitoresco é que há, diante desse cenário dantesco, há trabalhadores que ainda dizem: "é para o nosso bem". Realmente, o melhor gado é aquele que dispensa a cerca.

Endividamento bate recorde e atinge 65% dos brasileiros

Mais de 65% dos brasileiros estão endividados. É o que informa pesquisa divulgada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) no último dia 9. O número é o maior registrado desde o estudo começou a ser realizado, em 2010. 

Segundo a pesquisa, realizada em todas as capitais dos estados e no Distrito Federal, com cerca de 18 mil consumidores, a parcela média da renda comprometida com dívidas, é de 29,3%. O cartão de crédito é a principal causa do endividamento, mais de 79%. Em segundo lugar, vêm os carnês (15,6%) e, em terceiro, o financiamento de carro (9,9%).

Para José Silvestre, coordenador de Relações Sindicais do Dieese, o desemprego, as taxas de juros e aumento do custo de vida são as principais causas do endividamento.

“Como você tem uma concentração de renda, desemprego, queda na renda, é óbvio que as pessoas vão lançar mão do crédito para poder consumir, para poder viver. Não é porque as pessoas não sabem poupar, se planejar para fazer investimentos. É um problema de renda efetivo” afirma o especialista.

Marcelo da Costa é um dos brasileiros que faz parte da estatística. Depois de ficar cinco anos desempregado, ele gasta 1/3 do seu salário, de cerca de R$ 800, com parcelas atrasadas do aluguel e de um telefone celular que adquiriu para conseguir o atual emprego.

“Eu tô com um trabalho, entregando panfleto, fazendo um bico, mas antes de começar a fazer um bico, comecei antes fazendo um dívida. E agora eu tô correndo contra o tempo para saldar essas dívidas e ficar limpo na praça”, afirma. Ele atualmente atua como temporário em uma agência de cursos profissionalizantes no centro de São Paulo (SP).

Dados da economia pedem cautela, não euforia

Ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, o economista Mário Henrique Simonsen dizia que "o brasileiro só é otimista entre o Natal e o Carnaval." Vivo, ele se surpreenderia com o otimismo do governo e de setores do mercado em relação à recuperação da economia.

O Brasil ainda é um paciente em fase de convalescença. Recupera-se lentamente. No momento, o otimismo não é senão uma espécie de pessimismo em fase de diluição. Para chegar à euforia será preciso percorrer uma enorme distância.


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