20/04/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

Paleontologia de um Governo

Publicado em 16/01/2020 12:00 - Rodrigo Amém

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Não há, na história da humanidade, nenhum paleontólogo que tenha avistado um Tiranossauro Rex vivo. Por mais que o Velho Testamento e os Flintstones tentem afirmar o contrário. 

Temos ossadas, pegadas, estudos biológicos e arqueológicos que permitem, cientificamente, reconstituir estes seres que reinaram sobre o planeta milhões de anos antes do olhar humano.

Um ano depois de inaugurado, o governo Bolsonaro exige o mesmo tipo de investigação, já que não há registro de planejamento e os indícios remontam a eras quase pré-históricas. Falar da atual administração do Estado Brasileiro é um exercício de paleontologia. Talvez até mesmo de criptologia política. 

A escolha do primeiro escalão parece dividir-se em duas categorias: cargos que o Presidente não compreende mas crê que pode explorar financeira e politicamente, e cargos que o Presidente não compreende e não tem interesse, mas que podem incitar a base e provocar a oposição. 

No primeiro grupo, temos ministérios como Economia, Justiça e Agricultura, além da Secretaria de Comunicação. Um misto de gente indicada pelo segmento da elite que não vê o presidente como um figurante do The Walking Dead, e sociopatas que não se deixam abalar por conflitos de interesse.

No segundo grupo temos os ministros-meme, indicados como uma espécie de zombaria daquilo que é esperado da função. Nesta situação de Bullying Governamental estão Educação, Cidadania e Mulher, Família e Direitos Humanos. São como órgãos vestigiais do Governo. Estranhos, enfraquecidos, sem utilidade definida e condenados a desaparecer nas próximas iterações da criatura.

Todos os envolvidos sabem que a incapacidade destes quadros só pode ser levada em conta quando pressupomos que haja algum interesse na funcionalidade destes ministérios. E não há evidência disso. Há evidência, por outro lado, de que estes ministros existem para desmoralizar pautas sociais e chamar a atenção quando os "ministros de verdade" sofrem algum escrutínio mais grave.

Quando o Secretário Especial de Cultura resolveu gravar um vídeo repleto de referências nazistas, a primeira reação do presidente foi deixar para lá. Já havia feito o mesmo no dia anterior, quando o chefe da Secom sofreu acusações de uma variação da "rachadinha": técnica de desvio de verba costumeiramente atribuída ao clã familiar, não é de hoje. "Se for ilegal, a gente vê lá pra frente", declarou, para depois falar grosserias chiliquentas a um repórter. Acontece que a Secom é parte do primeiro grupo. O dos órgãos considerados "úteis". Quem está lá está por boa razão. Claro, do ponto de vista do Presidente. 

Já o Secretário Especial de Cultura ocupava um órgão vestigial. Sua função era aviltar e enfurecer a classe artística. Então, quando um vídeo do secretário parodiando propaganda nazista foi divulgado, o Secretário cumpria suas prerrogativas vestigiais. Estava apenas sendo provocativo. Era pra isso que fora nomeado, não? Para chamar os refletores para si quando o importante estava em jogo "do outro lado"? 

Sim. E, verdade seja dita, o Presidente tentou proteger o secretário alegórico. Achou que poderia "ver lá na frente". A diferença é que nazismo não é "suspeição". Conflito de interesses não é anti-semitismo. Quase todos os ministros de verdade exigiram a cabeça do secretário. Assim como os presidentes da Câmara e do Senado. Organizações civis e religiosas. Personalidades. Levou algumas horas, mas o Presidente entendeu que não poderia proteger o Secretário Vestigial. Tentou oferecer-lhe uma saída honrosa, oferecendo a cabeça à degola. Foi desaconselhado pelos assessores "de verdade". Acuado, o Presidente livrou-se do Secretário antes do almoço, deixando a cultura mais próxima de ser absorvida e desaparecer numa próxima iteração do gabinete de governo, para quem a cultura, quando não é propaganda, é inútil e incômoda. Como uma visícula inflamada.

Mas o Chefe da Secom, não. Esse ainda tem muito o que evoluir nesse governo.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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