18/04/2024 - Edição 540

Brasil

Trabalho informal continua avançando

Publicado em 23/12/2019 12:00 -

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Apesar dos juros em queda, e da lenta recuperação do emprego com carteira assinada, continua avançando a economia informal brasileira. À margem da legalidade e do pagamento de impostos, a economia informal tem tido papel importante para garantir alguma renda para a grande massa de desempregados que existe hoje no País. Em 2019, a economia informal avançou pelo quinto ano seguido, mas em ritmo mais lento do que o anterior.

Em 12 meses até junho, a economia informal movimentou o equivalente a 17,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do País. É uma parcela ainda muito significativa da economia, a maior dos últimos oito anos e que corresponde a R$ 1,2 trilhão. No entanto, neste ano há o primeiro sinal de desaceleração. Isso é o que aponta Índice de Economia Subterrânea (IES), calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV) em parceria com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO). 

No critério usado pela FGV, a economia subterrânea inclui a produção de bens e serviços não declarada ao governo para sonegar impostos e contribuições, a fim de reduzir custos. O índice de economia subterrânea é calculado a partir de dois grupos de indicadores. Um deles é trabalho informal. O outro é a demanda da população por dinheiro vivo, que geralmente cresce quando a informalidade aumenta, porque essa é uma forma de burlar o fisco.

No último ano, a economia subterrânea avançou 0,1 ponto porcentual, um ritmo menor do que o registrado entre 2017 e 2018, que havia sido de 0,4 ponto, observa Paulo Peruchetti, economista da FGV, responsável pelo indicador. “Embora o indicador esteja avançando, o ritmo é mais lento do que em anos anteriores e parece que está havendo uma reversão”, afirma o economista. 

Impacto da queda da taxa de juros

Um fator que explica, segundo Peruchetti, o ritmo menor de crescimento da economia subterrânea é a queda taxa de juros. Na semana passada, a taxa básica recuou para a mínima histórica de 4,5% ao ano. Com isso, a demanda por crédito formal aumenta e a procura por dinheiro vivo diminui na economia. Mas, por outro, a informalidade do trabalho, que é a outra metade do indicador de economia subterrânea continua alta. 

No trimestre encerrado em outubro, havia 11,9 milhões de trabalhadores sem carteira assinada e 24,4 milhões trabalhando por conta própria, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As duas marcas são recordes.

“São duas forças agindo em sentidos contrários: a queda do juro ajuda a conter a economia subterrânea, só que a informalidade do trabalho ainda está atuando muito forte, por isso há crescimento, mas em ritmo menor”, explica o economista.

Outro fator que ajuda a reduzir a informalidade é melhora da economia. No terceiro trimestre, a economia cresceu 0,6% sobre o período imediatamente anterior, superou as expectativas e provocou uma revisão para cima das projeções para este ano: de 1% para 1,2%. 

Hoje, diz o presidente executivo do ETCO, Edson Luiz Vismona, estamos identificando a volta de crescimento da economia formal. “E o movimento é de uma gangorra: quando a economia formal sobe, a informal desce.” Por isso, ele acredita que, se a economia continuar num processo de crescimento mais sustentável, a expectativa é que a informalidade caia nos próximos anos.

Além de fatores conjunturais, há obstáculos estruturais que dificultam o recuo da economia informal. Vismona destaca que há setores que mantêm estruturas empresariais para operar na ilegalidade porque desta forma conseguem “um lucro brutal”.

“São devedores contumazes de impostos”, diz. Também o sistema tributário caótico afasta pequenos empreendedores que não conseguem se formalizar. 

Outro obstáculo que dificulta o recuo da informalidade é a mudança estrutural que há no emprego. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada diz que o avanço do trabalho informal pode também estar associado à “economia dos aplicativos”. O estudo mostra que a informalidade cresce principalmente nas ocupações por conta própria ligadas aos aplicativos.

'Adoraria trabalhar com carteira'

A última vez que Jota Ramalho da Gama, de 42 anos, pai de cinco filhos, teve carteira de trabalho assinada faz cinco anos. Ele trabalhava como pedreiro na construção civil. “A obra do Minha Casa Minha Vida terminou e todo mundo foi mandado embora”, conta. De lá para cá, Gama só consegue alguma renda trabalhando na informalidade.

“Procurei emprego, mas como estudei até a quarta série, é pouco, a gente não arruma uma vaga. Achei melhor trabalhar por conta própria”, diz. Trabalhou como pedreiro, ajudante, motorista de caminhão transportando água em Alagoas, onde nasceu e moram os filhos. Mas sempre sem registro em carteira. Atualmente Gama vende frutas numa esquina do bairro da Barra Funda, zona Oeste da capital. Tira R$ 1,2 mil líquido por mês, mas o seu sonho é voltar a ter carteira assinada, mesmo ganhando menos. “Adoraria trabalhar com carteira assinada, ter mais garantias e seguro desemprego, se fosse demitido”, diz.

Já o ambulante Almir José da Silva, de 31 anos, nunca trabalhou com registrou em carteira e também não faz questão. Vendendo bermudas no verão e meias no inverno como ambulante no bairro da Lapa, zona Oeste de São Paulo, ele chega a tirar líquido entre R$ 2 mil e R$ 3 mil por mês. “Se tivesse carteira assinada ia ganhar bem menos.”

Silva não tem registro de ambulante nem contribui como autônomo para se aposentar, mas aceita pagamento em cartão dos clientes, um sinal de alguma formalização. Mas a maquininha de cartão está em nome da sua mulher, que trabalha com carteira assinada. Ele reclama do movimento fraco neste fim de ano e diz que concorrência entre os informais cresceu.

Aplicativos

O número de pessoas que trabalha em veículos, que incluem motoristas de aplicativos, taxistas e motoristas e cobradores de ônibus, cresceu 29,2% de 2017 para 2018, aumentou em 810 mil e chegou a 3,6 milhões. É a maior alta da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, mostrando uma tendência de “uberização” do mercado de trabalho, com escassez crescente de vagas com carteira e dificuldade de conseguir uma ocupação formal, ainda mais depois da implementação da “reforma” trabalhista, dois anos atrás. O instituto detectou ainda aumento da quantidade de pessoas trabalhando por conta própria e na própria residência, além de entregadores.

“As recentes altas podem estar relacionadas ao crescimento dos serviços de transportes de passageiros e de entregas por aplicativos de celular, refletindo as mudanças na economia atual”, afirma a pesquisadora Adriana Beringuy. A pesquisa do IBGE apontou aumento de 12,1% na quantidade de pessoas que trabalham em vias públicas, como vendedores ambulantes. O total agora chega a 2,3 milhões.

De acordo com o instituto, de 2012 a 2014 o número de ocupados em veículos ou áreas públicas se manteve relativamente estável. Eram 2,6 milhões e 1,8 milhão, respectivamente. Houve pequenas altas no primeiro caso entre 2015 e 2017, com crescimento forte no ano passado.

Trabalho na rua

No caso de quem trabalha em vias públicas, o IBGE apurou dois picos de alta: de 2015 para 2016, quando o total subiu de 1,8 milhão para 2 milhões, e de 2017 para 2018, de 2,1 milhões para 2,3 milhões. Aumentos de 12,4% e de 12,1%, chegando a 23,9% na região Sudeste, onde há 686 mil pessoas nessa situação. Mas o maior número continua sendo do Nordeste, com 957 mil.

A pesquisa apura ainda outro grupo, daqueles que trabalham em local designado pelo empregador, patrão ou freguês, caso dos entregadores, que também teve a maior alta na série. O crescimento em 2018 foi de 9,9%, com mais 905 mil pessoas, somando agora 10,1 milhões. Um grupo com pouca oscilação até 2017, até chegar ao aumento de quase 10% no ano passado.

Em relação ao local de trabalho, a maior variação percentual foi de pessoas que trabalham em um estabelecimento de outro empreendimento, com alta de 38,3%. “Isso pode indicar um crescimento da terceirização nas empresas”, observa a pesquisadora.

Mais gente em casa

Além disso, vem crescendo o número de pessoas que trabalham em casa. A alta, que havia sido de 16,2% de 2016 para 2017, chegou a 21,1% no ano passado. Ao mesmo tempo, cai (4%) a quantidade de pessoas em estabelecimento próprio do empregador e também o trabalho em fazenda, sítio, grana ou chácara. “Há uma tendência de queda gradual observada desde o início da série, em 2012. Essa diminuição está ligada ao processo de êxodo rural e mecanização dos processos”, diz Adriana.

Como os levantamentos trimestrais já apontam, aumenta ainda o número de trabalhadores por conta própria. A participação dos que estavam em empreendimentos registrados no CNPJ corresponde a 29% dos ocupados, crescendo para 29,8% no caso das mulheres. O setor com mais pessoas nessa situação é o que inclui comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (42,7%), seguido de serviços (34,7%).


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