20/04/2024 - Edição 540

Brasil

Programa Verde Amarelo é mais caro do que salário médio a ser recebido pelos jovens

Publicado em 12/12/2019 12:00 -

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O custo mensal do programa Verde Amarelo, criado pelo governo Jair Bolsonaro para impulsionar a contratação de jovens, é mais alto que o próprio salário médio a ser recebido pelos trabalhadores participantes, apontou a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, em estudo interno visto pela Reuters.

Além de ser caro, o programa pode acabar reduzindo a produtividade na economia ao abrir espaço para que trabalhadores qualificados sejam trocados por jovens ainda não qualificados, na busca das empresas por diminuição dos custos trabalhistas, afirmou a SPE no documento.

Essa substituição de empregados também põe em dúvida o potencial do programa em contribuir efetivamente para a criação líquida de vagas de trabalho, argumenta a secretaria.

Criado via Medida Provisória proposta pelo ministro Paulo Guedes em novembro, o programa Verde Amarelo estabeleceu que, para contratação de jovens entre 18 e 29 anos, o empregador não terá que arcar com a contribuição patronal para o INSS, de 20% sobre a folha, tampouco com alíquotas do Sistema S e do salário-educação.

Além disso, a contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para os contratados nessa modalidade será de 2%, ante 8% para os demais trabalhadores.

Nos cálculos da SPE, o custo fiscal do programa é de 5,956 bilhões de reais de 2020 a 2024, ou 1.929,37 reais ao mês por trabalhador, considerando um salário médio de contratação de 1,2 mil reais.

“Cabe destacar o elevado custo estimado do programa para cada novo emprego gerado, bem como a possibilidade de impactos adversos na empregabilidade da população não elegível”, trouxe o estudo de 11 de novembro, mesma data de divulgação do programa Verde Amarelo.

A SPE destacou que a desoneração promovida potencialmente geraria empregos para a faixa etária almejada, mas criaria margem para substituição de trabalhadores não elegíveis no mercado de trabalho.

“O impacto do programa sobre a geração líquida de empregos é, assim, incerto”, pontuou.

“A avaliação final sobre a conveniência do programa depende, assim, de uma ponderação entre seus prós e contras, que não cabe a esta subsecretaria realizar”, acrescentou o documento.

O estudo, assinado pelo subsecretário de Política Fiscal, Marco Antônio Cavalcanti, e pelo coordenador-geral de Política Fiscal, Bernardo Schettini, ressalvou que os cálculos eram preliminares e enfatizou que caberia à Receita Federal fazer as estimativas oficiais.

Atualmente no comando da SPE, o secretário Adolfo Sachsida foi um dos autores de estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2018 que concluiu que a desoneração da folha promovida pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff não teve impacto na geração de empregos.

Diferentemente da desoneração de Bolsonaro, que estabeleceu o recorte etário, a da ex-presidente privilegiava setores específicos, que passaram a contribuir com um valor sobre o faturamento em troca da alíquota de 20% sobre a folha de pagamento.

Procurado, o Ministério da Economia não respondeu a pedido de comentários sobre o estudo da SPE.

No anúncio oficial do programa, o governo anunciou a concomitante criação de uma contribuição previdenciária de 7,5% sobre o seguro-desemprego para bancar a desoneração da folha de pagamento no programa Verde Amarelo.

O custo da desoneração para os cofres públicos será de cerca de 10,6 bilhões de reais em cinco anos, conforme exposição de motivos da MP. Mais alto que o previsto pela SPE, o valor embute maior criação de vagas do que a projetada pela secretaria. Já as receitas com a contribuição sobre o seguro-desemprego serão um pouco superiores nesse mesmo período, ficando em torno de 11,5 bilhões de reais, segundo apontou à época o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, cuja secretaria concebeu a medida.

Pelas regras instituídas pelo governo, a modalidade só vale para remuneração até 1,5 salário mínimo, sendo que a empresas poderão contratar pelo programa até 31 de dezembro de 2022, com contratos que poderão durar até dois anos.

Ao contrário do programa, que tem data pra acabar, a contribuição sobre o seguro-desemprego será permanente no desenho criado pelo governo.

Análise

Para técnicos, o custo do programa é muito elevado para contas ainda em desequilíbrio financeiro. A avaliação desses técnicos, que pediram o anonimato, é a de que o programa não deveria ter sido lançado.

A desoneração da folha de salários das empresas para impulsionar a contratação de jovens se tornou ainda mais polêmica porque o governo resolveu taxar o seguro-desemprego para financiar o programa.

Hoje, quem recebe o seguro-desemprego não é taxado. O benefício é assegurado pela Constituição de 1988 com o objetivo de fornecer suporte financeiro ao trabalhador formal demitido sem justa causa enquanto busca recolocação no mercado. É pago por um período que varia de três a cinco meses, de forma alternada ou contínua. A proposta do governo é que, com a taxação do seguro-desemprego, o período em que a pessoa receber o benefício seja contabilizado para o cálculo do tempo de aposentadoria.

Relator já defendeu trabalho aos domingos

A comissão mista (com deputados e senadores) que vai analisar a Medida Provisória (MP) 905 – que cria a chamada carteira de trabalho verde e amarelo – foi instalada no último dia 11, com a eleição do senador Sérgio Petecão (PSD-AC) para a presidência e do deputado Lucas Vergilio (SD-GO) para vice, e a escolha do deputado Christino Aureo (PP-RJ) para relator. Aureo já defendeu o trabalho aos domingos, um dos itens controversos da medida, e disse ser favorável a tornar facultativa a taxação do seguro-desemprego.

Na prática, o colegiado deverá iniciar atividades apenas em fevereiro, quando o Congresso retornará do recesso parlamentar, cujo início será no próximo dia 23. São 13 senadores e 13 deputados titulares, com o equivalente número de suplentes. A composição pode ser vista aqui.

O governo, como de hábito, anunciou o programa como “solução” para o desemprego nessa faixa. Documento interno mostrou, no entanto, que a previsão de criação de postos de trabalho é bem mais modesta do que a anunciada publicamente. Categorias atingidas também se mobilizam para evitar prejuízos. Os bancários, por exemplo, assinaram aditivo à convenção coletiva para evitar alterações na jornada.

Críticas e emendas

Tida como aprofundamento da “reforma” trabalhista (Lei 13.467, de 2017), a MP 905 já recebeu diversas críticas, das centrais sindicais, do Dieese, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e da Comissão de Direitos Sociais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Os sindicalistas, inclusive, chegaram a pedir ao presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), a devolução do projeto ao governo. A MP recebeu um número recorde de emendas: 1.930.

Desse total, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), 887 são supressivas, que retiram partes do texto, e 868, modificativas, que alteram o conteúdo. Outras 174 são aditivas, que acrescentam itens. Uma é inválida, por tratar de tema de outra MP.

Com 57 anos, Christino Aureo da Silva nasceu em Macaé (RJ). Está em seu primeiro mandato. Em sua biografia, é apresentado como bancário, administrador e médico veterinário. Em entrevista à Rádio Câmara em  novembro, ele foi favorável ao trabalho aos domingos, na lógica empresarial de quem está desempregado aceita qualquer proposta. “Quem está encaixado no mercado tem uma visão. Mas quem está de domingo a domingo em casa, vendo sua vida completamente destroçada pelo desemprego, não sabe mais que dia é domingo, que dia é segunda-feira, e certamente verá com bons olhos a oportunidade de trabalhar nos domingos ou trabalhar em qualquer outro dia da semana, desde que tenha a oportunidade de emprego”, afirmou.

Ao mesmo tempo, ele adiantou que pretendia, caso fosse confirmada sua indicação para relator, alterar o item sobre cobrança previdenciária de quem recebe seguro-desemprego, tornando-a facultativa. O deputado disse ainda que gostaria de estender o programa para maiores de 55 anos. Aureo disse não ver riscos de demissão para recontratação de funcionários com menos direitos. “Está muito claro que as novas contratações só serão válidas nesse modelo se não houver, na empresa, a possibilidade da demissão de contratados pelo modelo convencional. E isso não precisa nem de um fiscal físico porque, na medida provisória, está prevista a avaliação de uma média de funcionários na folha [de pagamento]: a média de janeiro a outubro deste ano.”


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