26/04/2024 - Edição 540

Brasil

Maioria nas universidades públicas, população negra ganha menos que a branca no Brasil

Publicado em 14/11/2019 12:00 -

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Pela primeira vez na história, os negros do Brasil são maioria (50,3%) nos espaços de ensino superior público. O maior acesso à educação, no entanto, ainda não é capaz de garantir melhores empregos, melhores salários e nem ao menos mais representação política para essa população.

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) publicados no último dia 13 expõem o cenário de desigualdades estruturais que o País enfrenta em relação às populações branca e pretos e pardos.

De acordo com o estudo, o processo de desenvolvimento econômico brasileiro não foi capaz de incluir essas populações e traduziu-se em maiores níveis de vulnerabilidade econômica e social para os negros e pardos.

Por meio de análise de indicadores da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), o estudo Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil permitiu um mergulho nas taxas que reforçam as desigualdades entre brancos e pretos ou pardos (99% da população brasileira em 2018) ligadas ao trabalho, à distribuição de renda, à moradia, à educação, à violência e à representação política.

Enquanto o rendimento mensal das pessoas brancas ocupadas era de R$ 2.796, o da população preta ou parda era de R$ 1.608, reforçando uma diferença de 73,9% entre os salários.  Em relação às mulheres pretas ou pardas, quando comparadas com homens brancos, elas receberam menos da metade do salário deles (44%), o que faz com que elas continuem na base da desigualdade de renda no Brasil.

Outro dado que reforça o gap estrutural no País é o fato de que os brancos com nível superior completo também ganham cerca de 45% a mais por hora comparado aos pretos ou pardos com o mesmo nível de instrução.

Mercado de trabalho e Distribuição de renda

Os dados do IBGE demonstram ainda que os pretos ou pardos representavam 64,2% da população desocupada e 66,1% da população subutilizada em 2018. E, enquanto 34,6% dos trabalhadores brancos estavam em ocupações informais, entre os pretos ou pardos esse percentual era de 47,3%.

Do ponto de vista de carreira, a desigualdade também é enorme. Somente 29,9% dos cargos gerenciais do Brasil são exercidos por pessoas pretas ou pardas. Já os cargos de chefia, que consequentemente têm a maior renda, são amplamente ocupados por pessoas brancas (85,9%).

Em relação à distribuição de renda, os pretos ou pardos representavam 75,2% do grupo formado pelos 10% da população com os menores rendimentos do País. Entre os 10% mais ricos, apenas 27,7% não são brancos.

Educação

Pela primeira vez, em 2018, a população que se declara preta ou parda representou mais da metade (50,3%) dos estudantes de ensino superior da rede pública. No entanto, essa população ainda continua sub-representada nesses espaços, já que compõem a maioria da população brasileira (55,8%).

A pesquisa mostra que a população negra está melhorando seus índices educacionais, tanto de acesso como de permanência, apesar de ainda se manter bem atrás dos índices medidos entre as pessoas brancas.

A proporção de jovens de 18 a 24 anos pretos ou pardos no ensino superior passou de 50,5% em 2016 para 55,6% em 2018. Entre os brancos, a proporção é de 78,8%. Na mesma faixa etária, o número de pretos e pardos com menos de 11 anos de estudo e que não estavam frequentando a escola caiu de 30,8% em 2016 para 28,8% em 2018, enquanto o indicador para a população branca é de 17,4%.

Os que já haviam concluído o ensino superior somavam 36,1% dos brancos e 18,3% dos pretos e pardos, enquanto a taxa de ingresso no terceiro grau é de 53,2% entre os brancos e de 35,4% entre pretos e pardos. Na faixa de 18 a 24 anos que concluiu o ensino médio, mas que não estava estudando por trabalhar ou precisar procurar trabalho, 61,8% eram pretos ou pardos.

A taxa de analfabetismo para pessoas acima de 15 anos, entre pretos e pardos caiu de 9,8% em 2016 para 9,1% em 2018. Entre os brancos, a taxa é de 3,9%. Na frequência à creche ou escola, crianças pretas ou pardas de até 5 anos passaram de 49,1% para 53%, enquanto 55,8% das crianças brancas estão nessa etapa da educação. Nos anos iniciais do ensino fundamental, para crianças de 6 a 10 anos, não há diferença significativa, com 96,5% das brancas e 95,8% das pretas ou pardas frequentando a escola.

A analista de indicadores sociais do IBGE Luanda Botelho disse que a melhora das estatísticas é reflexo de políticas públicas que proporcionaram o acesso e permanências da população preta e parda na rede de ensino.

“O estudo mostra para a gente que para todos os indicadores educacionais há uma trajetória de melhora desde 2016. Isso se reflete em menor atraso escolar, mais pessoas pretas ou pardas frequentando a escola na etapa de ensino adequada para a idade, menor abandono escolar, mais pessoas pretas ou pardas concluindo o ensino médio e ingressando no ensino superior”, afirmou.

Os rendimentos de pretos e pardos se mantêm abaixo do segmento de brancos. O rendimento médio mensal entre brancos é de R$ 2.796 e entre pretos e pardos cai para R$ 1.608, uma diferença de 73,9%. Na comparação apenas entre quem tem curso superior, os bancos ganhavam por hora 45% a mais do que os pretos e pardos.

Para o pesquisador do IBGE Claudio Crespo, a melhora nos indicadores dos negros é relevante, mas como a desigualdade é histórica e estrutural, os ganhos para a população preta ou parda só aparecem com organização e mobilização social e políticas públicas direcionadas.

“A intervenção de políticas públicas é um fator essencial para a redução dessa desigualdade. Onde há avanços percebidos, apesar da distância que ainda reside, são espaços em que houve intervenção de políticas públicas e também organização do movimento social para a conquista de uma sociedade mais igualitária. Como as cotas para acesso ao nível superior”, explicou.

Violência

A população negra tem 2,7 mais chances de ser vítima de assassinato do que os brancos, mostra a pesquisa. Segundo Botelho, enquanto a violência contra pessoas brancas se mantém estável, a taxa de homicídio de pretos e pardos aumentou em todas as faixas etárias.

“Na série de 2012 a 2017, que foi o período que a gente analisou neste estudo, houve aumento da taxa de homicídios por 100 mil habitantes da população preta e parda, passando de 37,2 para 43,4. Enquanto para a população branca esse indicador se manteve constante no tempo, em torno de 16”, disse ela.

Para os jovens, a situação é mais crítica. Ainda na comparação por 100 mil habitantes, a chances de morte beiram o triplo do que pessoas brancas entre 15 e 29 anos.

De acordo com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, foram registradas 255 mil mortes de pessoas negras por assassinato nos seis anos analisados.

Segundo o levantamento, a violência vivenciada na escola também atinge mais a população preta e parda do que a branca. O IBGE analisou dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2015 com alunos do nono ano, e concluiu que 15,4% dos pretos ou pardos e 13,1% dos brancos deixaram de ir à aula em algum dia por falta de segurança no trajeto entre a casa e a escola.

Do total de estudantes, 53,9% dos pretos e pardos estudavam em escolas localizadas em áreas de risco, enquanto entre os brancos a proporção cai para 45,7%. A diferença cresce na comparação apenas entre escolas privadas, com 40,7% dos pretos ou pardos e 29,5% dos brancos.

Segundo o IBGE, jovens expostos à violência têm mais propensão a sofrer de doenças como depressão, vício de substâncias químicas e problemas de aprendizagem, além de suicídio.

Representatividade

O estudo do IBGE constatou também que a população negra permanece sub-representada nas casas do Legislativo brasileiro – mesmo representando, proporcionalmente, uma parcela alta dos candidatos. Uma das razões que levam à sub-representatividade é o fato de que candidatos brancos, em geral, recebem mais dinheiro para suas candidaturas.

Nas eleições legislativas realizadas entre 2014 e 2018, negros e pardos representaram 41,8% dos candidatos aos cargos de deputado federal; 49,6% dos candidatos a deputado estadual; e 48,7% dos candidatos a vereadores. No entanto, foram eleitos apenas 24,4% de negros e pardos aos cargos de deputados federais, 28,9% aos cargos de deputados estaduais (eleitos em 2018) e 42,1% aos cargos de vereadores (eleitos em 2016). Lembrando que negros e pardos representam 55,9% da população brasileira.

O instituto aponta também que as mulheres negras são ainda menos representadas: em 2018, as mulheres pretas ou pardas constituíram 2,5% dos deputados federais e 4,8% dos deputados estaduais eleitos e, em 2016, 5,0% dos vereadores.

Uma das razões para a discrepância é o dinheiro que recebem os candidatos. Enquanto 9,7% das candidaturas a deputado federal de pessoas brancas nas eleições dispuseram de receitas iguais ou superiores a R$ 1 milhão, apenas 2,7% dos candidatos pretos ou pardos contaram com R$ 1 milhão ou mais.


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