19/04/2024 - Edição 540

Camaleoa

Te pego na hora da saída

Publicado em 12/09/2014 12:00 - Cristina Livramento

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Não faz muito tempo quando alunos levantavam de suas carteiras para dizer "bom dia, professora" em uma postura quase militar. Também é muito recente, o tempo em que professores usavam a palmatória para corrigir estudantes rebeldes. Atualmente, alunos sequer respeitam professores, brigam e se matam independente do lugar onde se encontram, seja na frente da escola ou dentro de um ônibus.

Não que ficar em pé feito um soldado obediente e saudar a professora por obrigação seja uma coisa positiva, muito menos estou sugerindo que castigos físico ou psicológico são recursos apropriados para corrigir a juventude, mas vivemos um tempo muito diferente. Assim como era obrigação não responder a professora, também era um dever dar lugar, no ônibus, ao mais velho, à gestante ou qualquer um que parecesse precisar mais do assento do que você. Isso tudo não existe mais.

Também é coisa do passado os próprios pais orientarem seus filhos a respeitar a figura do professor. Ele era um parceiro na construção do caráter de um cidadão. O professor é um grande aliado do poder público, dos pais, da comunidade, de uma sociedade. Mas os pais passaram a tratar a escola pública como um lugar de gente desviada e nociva, a escola particular, mais um degrau no status de bem-sucedido nas rodas sociais.

As brigas na hora da saída fizeram parte da minha adolescência e não era em nenhum colégio público, mas no quadrilátero – quase sempre nas esquinas – das escolas mais tradicionais de Campo Grande, Dom Bosco e Nossa Senhora Auxiliadora. Naquela época, década de 80, apesar de sermos quase soldadinhos obedientes que precisavam ficar mudos e fazer exatamente o que o professora mandava, a pancadaria quase sempre rolava no fim da aula. Tudo continua igual em uma coisa: escolas particulares são poupadas e conseguem geralmente abafar o caso e as escolas públicas são sempre e cada vez mais expostas como as únicas vilãs. Ela manca, não se esconde, cai, levanta a cabeça e mesmo assim insistimos em apontar o dedo na cara dela – a escola pública – e chamá-la de fracasso.

Era obrigação não responder a professora, também era um dever dar lugar, no ônibus, ao mais velho, à gestante ou qualquer um que parecesse precisar mais do assento do que você. Isso tudo não existe mais.

Em maio deste ano, chegamos ao cúmulo do pai de um aluno entrar na escola (particular) e bater no rosto de um garoto de 11 anos. Segundo o site Midiamax, o homem "puxou para fora da sala de aula e ameaçou o menino de morte. A violência foi tanta, que teria deslocado o braço da criança".

Citar as brigas entre alunos, pelas razões mais esdrúxulas possíveis estão ao alcance de qualquer um que faça uma busca na rede social Youtube, por exemplo. Na década de 80, as brigas sequer eram fotografadas quanto mais filmadas com celulares e expostas para milhões de pessoas do mundo todo. O Big Brother nos ensinou que – independente do vexame, da exposição, do crime – os recursos tecnológicos da vida moderna estão aí para alcançarmos nossa identidade, mesmo que ela seja a mais baixa, a mais vil, a mais suja. Parece que o objetivo, mesmo que inconsciente, é afirmar que aqui estou e eu faço o que quero.

Já vi professores chorando porque são obrigados a lidar com o aluno que afronta orientações simples como "não use celular durante a aula". Professores expostos ao controle do proprietário da escola que vê os responsáveis por aquele estudante, não como pais, mas como clientes. Um ponto de vista que muda totalmente o curso de uma sociedade. Na pública, temos inúmeros problemas desde professores que não têm a menor vocação para a sala de aula, um ensino engessado e ultrapassado, um poder público que não liga a mínima para essa pasta e remunera muito mal seus funcionários. Soma-se a isso, uma sociedade marginal – e não estou falando de gente pobre financeiramente e sim, pobre de espírito – que não sabe porque pôs filho no mundo e acha que é da escola a obrigação da educação do próprio filho. 

A violência há algumas décadas tornou-se nossa companheira, coisa do cotidiano. Somos massacrados com a banalidade do sangue e do crime e nesse quadro, há a imagem da impunidade. O bandido aparece na tevê e ri da cara da polícia que em seguida será solto e estará nas ruas cometendo o mesmo crime de novo e de novo. Assim como nossos políticos riem da nossa cara, a cada eleição, fazendo promessas vãs sem nenhum ter a decência de valorizar – de fato e com todas as letras – a educação no Brasil. Nós? Nós somos intocáveis, mas só até o próximo anúncio de margarina no intervalo da novela das nove.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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