28/03/2024 - Edição 540

True Colors

O que o estudo sobre o suposto ‘gene gay’ realmente significa para LGBTs

Publicado em 02/10/2019 12:00 - Sophie Gallagher - HuffPost UK

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Uma análise realizada com quase meio milhão de pessoas constatou que não existe nenhum “gene gay” que possa explicar ou ser associado a relações homoafetivas. O que ocorre, em vez disso, é que a sexualidade é influenciada por uma combinação de muitos outros fatores. Entre eles, sociais e ambientais.

O estudo constatou que fatores genéticos respondem por no máximo um quarto do comportamento homossexual em toda a população. Mas isso apenas quando se leva em conta a composição genética total de um indivíduo.

Mas isso significa que fatores externos influenciam mais do que a composição genética da pessoa? Terá o estudo finalmente respondido se são fatores inatos ou adquiridos que determinam por quem sentimos atração? É preciso mergulhar um pouco mais fundo nas pesquisas para encontrar esta resposta.

O que o estudo analisou?

Publicado na revista Science, o estudo de pesquisadores da Universidade Harvard e do MIT (Massachusetts Institute of Technology) usou dados de 409 mil pessoas cadastradas no projeto UK Biobank e 68.500 pessoas cadastradas na empresa de genética 23andMe.

Pediu-se aos participantes que relatassem se alguma vez já tinham tido relações sexuais com uma pessoa do mesmo sexo. Cerca de 4% dos homens e quase 3% das mulheres disseram que sim. Os pesquisadores destacaram que não enfocaram a identidade de gênero ou orientação sexual e não incluíram pessoas transgênero no estudo.

A partir do momento em que os pesquisadores entendiam a história sexual das pessoas, analisavam seus genomas (sua sequência singular de DNA).

O que o estudo constatou?

Os pesquisadores identificaram cinco variações genéticas específicas especialmente associadas ao comportamento homossexual, incluindo uma ligada ao caminho biológico do olfato e outros ligados aos caminhos dos hormônios sexuais. A coincidência de variantes entre homens e mulheres foi apenas parcial.

Mas essas cinco variantes, vistas em conjunto, responderam por menos de 1% do comportamento homossexual.

Pelo fato de a porcentagem ser tão baixa, os pesquisadores disseram que essas variantes genéticas não podem nem devem ser usadas para tentar determinar um padrão para prever o comportamento ou a orientação sexual de uma pessoa.

Benjamin Neale, professor do Massachusetts General Hospital que trabalhou no estudo, explicou: “A genética é menos de metade da história quando se trata de explicar o comportamento sexual, mas ainda é um fator contribuinte muito importante.

“Não existe nenhum gene homossexual único, e um exame genético para saber se você vai ter um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo não vai funcionar. Concretamente, é impossível prever o comportamento sexual de um indivíduo a partir de seu genoma.”

Não existe nenhum gene homossexual único, e um exame genético para saber se você vai ter um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo não vai funcionar.

Os cientistas concluíram que a genética pode ser responsável por entre 8% e 25% do comportamento sexual em toda a população, quando se leva em consideração o genoma inteiro.

As descobertas indicam que, assim como é o caso da personalidade e outros traços humanos complexos, o comportamento sexual é influenciado por um conjunto de fatores genéticos e ambientais. Os pesquisadores traçaram uma comparação com a altura das pessoas, que, embora seja parcialmente determinada pela genética, também depende de fatores ambientais.

Zeke Stokes, da organização GLAAD, que monitora o modo como as questões LGBTQ são apresentadas na mídia, disse que o estudo confirmou que “não há nenhum grau conclusivo em que fatores inatos ou adquiridos influenciem o comportamento de gays ou lésbicas”.

O Dr. Brendan Zietsch, da Universidade de Queensland, na Austrália, e co-autor do estudo, disse que, embora seja uma combinação de fatores, isso não significa que tudo se deva a fatores ambientes como a criação ou a cultura das pessoas. A razão do comportamento homossexual ainda pode estar mais ligada a fatores inatos que adquiridos.

Ele disse ao jornal britânico The Guardian: “Acredita-se que fatores não genéticos que antecedem o nascimento, como o ambiente hormonal ainda no útero, também exerçam um papel importante”.

Então de onde veio a ideia do “gene gay”?

A ideia de que a genética possa exercer um papel na atração por pessoas do mesmo sexo ganhou destaque em 1993 quando um cientista do Instituto Nacional do Câncer americano, Dean Hamer, descobriu ligações entre marcadores de DNA no cromossoma X e a orientação sexual masculina.

A descoberta provocou controvérsia grande, sendo apelidada pela mídia de “gene gay”.

Desde a descoberta de Hamer, quase 30 anos atrás, pesquisas subsequentes renderam resultados ambíguos, mas a maioria situa a influência genética em entre 30% a 50%.

Diferentemente do trabalho de Hamer, o estudo mais recente da Universidade Harvard e do MIT não aponta para qualquer importância especial do cromossoma X.

Quais têm sido as reações?

Fah Sathirapongsasuti, cientista sênior da 23andMe, disse que o fato de ter sido constatada alguma influência genética sobre o comportamento sexual deve jogar por terra a noção de que seria possível “curar” a homossexualidade com tratamentos.

“A homossexualidade é uma parte natural e normal das variações em nossa espécie, e isso deve confirmar a posição de que não devemos tentar buscar uma ‘cura gay’”, disse Sathirapongsasuti. “Isso não beneficia ninguém.”

O estudo tem limitações?

O pool de participantes desse estudo é muito maior que os de estudos anteriores, mas ainda é baseado principalmente em pessoas de ascendência europeia, e a faixa etária dos participantes não reflete plenamente a população mais ampla.

Além disso, o estudo foi baseado em evidências autorrelatadas de comportamento sexual.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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