29/03/2024 - Edição 540

Brasil

Embaixada do Brasil em Berlim boicota coral que canta Chico Buarque

Publicado em 26/09/2019 12:00 -

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O Brasil Ensemble Berlin, coro especializado em música brasileira financiado pelo governo da capital alemã, não teve mais suas apresentações divulgadas na página da embaixada do Brasil na Alemanha desde abril deste ano. A representação diplomática também apagou do site todos os registros sobre o grupo, que oferece aulas regulares gratuitas de técnica vocal e canto, tendo como base a música brasileira.

As referências ao Brasil Ensemble Berlin desapareceram da página da embaixada logo após um concerto na sede da instituição. O show teve um repertório incluindo, entre outras, canções de Chico Buarque da época da ditadura militar, como Cálice e Roda viva.

O clássico de Tom Jobim O morro não tem vez foi apresentado em roupagem renovada, intercalado com um rap com referências ao cotidiano de comunidades pobres e discriminadas, a Marielle Franco, vereadora do Psol assassinada, e a Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro.

"Foi uma apresentação linda. Fomos aplaudidos de pé", recorda a regente e pianista Andréa Botelho, diretora artística do conjunto. Ela diz que a embaixada não lhe comunicou o motivo de ter apagado de sua página online os registros sobre o grupo, e frisa que buscou várias vezes contato com o órgão, sem obter resposta.

"Tentei, realmente, de uma forma simpática. Tentei conversar, abrir um diálogo, para saber o que podia ter acontecido", ressalta Botelho, lembrando que a única informação que uma funcionária da embaixada se arriscou a dar sobre a situação é que "cumpria ordens".

Os e-mails enviados pela reportagem da DW Brasil ao setor cultural e ao setor de imprensa da embaixada brasileira em Berlim permaneceram sem resposta.

O concerto do coral realizado na embaixada em abril comemorava uma data especial: os três anos do programa de música brasileira da escola estatal de música berlinense City West, que tem o Brasil Ensemble Berlin como seu carro-chefe.

Montado sob iniciativa de Botelho, o projeto, inédito na Alemanha, oferece desde 2016 uma ampla oferta de formação musical baseada em repertório brasileiro, tudo subvencionado com verbas da administração da cidade de Berlim.

Reconhecimento artístico

O programa brasileiro da City West inclui aulas de violão, cavaquinho, guitarra, piano, baixo, percussão, bateria, assim como um grupo de choro e um de samba. E o Brasil Ensemble Berlin, composto em cerca de 60% por alemães e acompanhado de uma banda. O coro já existia desde 2000, mas foi reformulado quando passou a ser financiado pela administração berlinense. Graças ao apoio estatal, a participação é gratuita para os interessados e inclui aulas de leitura musical e técnica vocal.

O Brasil Ensemble Berlin recebeu um prêmio da Associação Coral da cidade de Berlim ficando entre os cinco melhores projetos da capital alemã em 2015. Sua diretora artística também coleciona reconhecimentos: neste ano, a regente Botelho está entre os oito profissionais da seleção internacional para um curso de aperfeiçoamento de maestros da britânica London Conducting Academy, da Greewich School of Music.

Três anos após sua criação, o programa musical brasileiro da escola de música berlinense continua despertando interesse. "Temos muito orgulho de poder oferecer uma gama completa de atividades com música brasileira", afirma Josef Holzhauser, vice-diretor da City West. "Estamos contentes com os muitos pedidos de participação que recebemos da população de Berlim e com os muitos grandes eventos que resultam do trabalho bem-sucedido deste projeto."

A iniciativa também foi elogiada três anos atrás por quem chefiava a embaixada brasileira na época. "A criação do programa na City West é uma grande conquista, cuja missão é fazer com que cada vez mais pessoas se interessem, não apenas em ouvir, como também em tocar a música brasileira", comentou, na ocasião da abertura do projeto, a então embaixadora do Brasil na Alemanha, Maria Luiza Ribeiro Viotti.

Os 75 anos de Chico Buarque

Tanto os ensaios semanais do Brasil Ensemble Berlin como os concertos do grupo vinham sendo anunciados, ininterruptamente, na Agenda Cultural da Embaixada do Brasil em Berlim, uma lista publicada mensalmente no site da instituição e também enviada por e-mail aos interessados. Há cinco meses isso não ocorre mais: os dois concertos posteriores do coral foram ignorados, apesar dos pedidos para inserção na agenda.

As solicitações para divulgação da próxima apresentação do Brasil Ensemble Berlin tampouco foram atendidas. O concerto é nesta quarta-feira (25/09) às 20h na Ufa Fabrik, na capital alemã, com um programa de homenagem aos 75 anos do cantor e compositor Chico Buarque de Hollanda.

Prêmio Camões

Chico Buarque não se manifestou se prefere receber o Prêmio Camões, instituído pelos governos do Brasil e de Portugal em 1988, com ou sem a assinatura do presidente Jair Bolsonaro. A decisão cabe ao mandatário.

Ao longo dos 30 anos desde que foi instituído, os presidentes dos dois países sempre assinaram o diploma, entregue conjuntamente. Bolsonaro titubeia.

Mas, pagar, ele já pagou o equivalente a R$ 228 mil reais. Merecidamente, diga-se. Brasil e Portugal racham o prêmio de 100 mil euros e a parcela brasileira já foi depositada.

Dentre os ganhadores do prêmio estão grandes nomes da literatura em português: de José Saramago a Antonio Candido, de Mia Couto a Raduan Nassar.

Porém, houve críticas aos premiadores pela ausência de autores africanos (26 dos 32 premiados são brasileiros ou portugueses).

O núcleo ideológico do governo Bolsonaro não quer que ele assine o diploma a ser entregue a Chico Buarque.

Os jurados brasileiros que escolheram Chico foram os escritores Antônio Cícero e Antonio Hohlfeldt.

Henrique Pires, ex-secretário Especial de Cultura, que escolheu os jurados, confessou que correu o risco de ser demitido depois do anúncio da premiação de Chico.

O guru do governo Bolsonaro, Olavo de Carvalho, zombou da decisão: “Chico Buarque ganha o Prêmio Camões. Cas duas mões”, escreveu no twitter.

Diante do discurso que o presidente da República fez ao abrir a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, parece óbvio que Bolsonaro não assinará a premiação. Portanto, deve romper com uma tradição de 30 anos para satisfazer a base bolsonarista.

Como ensinam os manuais de seitas fundamentalistas, a contínua produção de inimigos externos é essencial para manter a coesão da manada, da qual se extrai dinheiro, apoio político ou ambos.

Se Bolsonaro assinar, não há nada que impeça o artista de não comparecer à entrega do prêmio ou de, ao comparecer, denunciar o próprio Bolsonaro.


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