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Brasil

Assassinatos caem 10%, mas a polícia nunca matou tanto: aumento foi de 20%

Publicado em 12/09/2019 12:00 -

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O país registrou 57.341 mortes violentas em 2018. São quase 157 assassinatos por dia, ou seis por hora. É o que mostra o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2019 divulgado no último dia 10 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

O número é alto e coloca o país no ranking dos mais violentos do mundo, mas também representa uma queda de 10,2% em relação a 2017, que bateu o recorde da série histórica com 63.880 mortes computadas.

O Anuário contabiliza como mortes violentas a quantidade de homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguida de morte, assassinatos de policiais e mortes decorrentes de intervenções policiais. O estudo compila os números oficiais das Secretarias de Segurança Pública dos 27 estados brasileiros.

O estado mais violento é Roraima, com uma taxa de 66,6 mortes violentas a cada 100.000 habitantes; seguido por Amapá, com 57,9, e Rio Grande do Norte, com 55,4. Para se ter uma ideia, a média nacional ficou em 27,5. Já entre os estados com a menor taxa de assassinatos figuram São Paulo, com 9,5; Santa Catarina, 13,3; e Minas Gerais, 15,4.

Negros: maioria das vítimas

Do total dos mortos em decorrência de intervenção policial, entre 2017 e 2018, 75,4% eram pessoas negras. Contudo, esse grupo (que reúne as categorias de pretos e pardos, utilizadas pelo IBGE) representa 55% da população. Enquanto isso, brancos representam 44,2%, mas foram 24,4% das vítimas da letalidade policial.

Não há uma explicação consolidada para a redução do número de mortes violentas, mas uma das razões apontadas é o arrefecimento das disputas entre facções criminosas em determinadas regiões, fazendo com o que número retornasse aos (já altos) padrões de 2014. Na contramão dessa redução, os óbitos em decorrência de intervenção policial cresceram 19,6% de 2017 para 2018, atingindo a 6.220.

Considerando apenas esse tipo de morte, 99,3% eram homens e 77,9%, jovens de 15 a 29 anos, entre 2017 e 2018. Ou seja, a polícia segue matando mais negros, homens, jovens.

No Rio de Janeiro, de acordo com estudo citado pelo anuário, negros contam com 23,5% mais chances de serem mortos do que o restante da população – número que salta para 147% se for considerada apenas a idade de 21 anos, quando há o pico da probabilidade. Já o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial, do próprio Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que a chance de um jovem negro ser vítima de homicídio no Brasil é 2,5 vezes superior à de um jovem branco.

Em 2018, de cada 100 mortes violentas, 11 foram causadas pela polícia. No Rio de Janeiro, a proporção foi de 23/100 e, em São Paulo, 20/100, sendo os Estados com maiores índices. Enquanto isso, no Distrito Federal e na Paraíba os números foram de 1/100 e 2/100, respectivamente. Entre as capitais, São Paulo representou queda de 447 (2017) para 406 (2018), no número de mortes decorrentes de intervenção policial. Ainda assim apresentou 33,1/100, a taxa mais alta entre as capitais analisadas.

"Para continuar reduzindo, é importante focar nos controles da atividade policial, reforçando os mecanismos que já existem", afirmou David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ao blog. "Estamos acompanhando tentativas de enfraquecer as ouvidorias de polícias de São Paulo, inclusive neste ano." Ele também ressalta a importância do trabalho de apuração de desvios de conduta ser feito pela Corregedoria e não pelos próprios batalhões onde estão os policiais militares. E lembra a centralidade do Ministério Público nesse processo, desde que atue de forma proativa.

De acordo com o Atlas da Violência 2018, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sobre dados do Ministério da Saúde, de 2006 a 2016, 324.967 jovens entre 15 e 29 anos morreram de forma violenta. Muitas dessas mortes ocorreram na forma de pacotes, em chacinas, nas periferias das grandes cidades brasileiras, seja pelas mãos do tráfico, de milícias ou de integrantes da própria polícia. Não raro, permanecem sem solução.

Parte da população ficou chocada com o vídeo de um jovem negro e pobre, de 17 anos, sendo chicoteado em um quartinho do supermercado Ricoy, na periferia de São Paulo, por ter tentado furtar chocolates, que circulou recentemente nas redes sociais.

Os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que milhares de jovens negros são mortos por forças de segurança todos os anos. Surpreendentemente, a morte em grande escala de negros jovens choca menos que a sua tortura.

Sem esclarecimento

O Brasil registrou no ano passado 8.111 mortes “a esclarecer” – um aumento de 7% em relação a 2017, quando foram computadas 7.537 mortes do tipo. Isso significa que há mortes que podem ter sido motivadas por violência fora das estatísticas oficiais de assassinatos.

“É um número extremamente grande. Isso indica um sistema com problemas graves no que diz respeito ao sucateamento da polícia investigativa como um todo. Falta interesse nesse investimento, nessa depuração. Mas isso se aplica a todo o sistema de justiça criminal. Por que a Promotoria não cobra também o esclarecimento dessas mortes?”, questiona Rafael Alcadipani, professor da FGV e consultor do Fórum.

O pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e conselheiro do Fórum Daniel Cerqueira também considera o dado “alto e preocupante”. “Há vários casos em que o corpo é encontrado com sinais de violência, mas a investigação depende de laudos periciais que demoram meses. Enquanto isso não é apurado, fica como morte a esclarecer. O problema é que depois que se chega à conclusão de que é um homicídio geralmente o sistema não é atualizado. E esse dado se perde.”

“Quando a gente compara essas mortes a esclarecer com os dados da saúde que apontam causa indeterminada, há uma coincidência nos estados que têm um número muito expressivo, como São Paulo. Isso acende uma luz amarela sobre a confiabilidade dos registros oficiais das polícias”, diz Daniel Cerqueira.

São Paulo, de fato, concentra quase 1/3 do total de mortes “a esclarecer” – 2.565 –, que são classificadas pelo estado como “mortes suspeitas”. Para chegar à estatística, foram consideradas apenas os “encontros de cadáveres sem lesões aparentes” e as mortes com “dúvidas quanto a suicídio ou morte provocada”. As mortes suspeitas acidentais e súbitas não foram incluídas.

Em outros estados, como no Rio de Janeiro, também foi preciso adequar o termo, considerando casos como “encontro de ossadas” e “encontro de desaparecidos mortos”. O estado teve 401 casos no ano passado. Foi um dos oito do país com diminuição na comparação com 2017.


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