28/03/2024 - Edição 540

Meia Pala Bas

O Candidato “Família”

Publicado em 04/09/2019 12:00 - Rodrigo Amém

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Eu precisei me ausentar desta coluna na semana passada, mas foi por uma boa causa. Participei da Bienal Internacional do Rio de Janeiro. Pela primeira vez, como autor. Já havia participado da festa literária como jornalista, cobrindo lançamentos e entrevistando autores. Assinando minhas próprias obras, foi a primeira vez. Um momento inesquecível. 

Infelizmente, não apenas de forma positiva. 

Na última sexta-feira, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, decidiu mandar funcionários públicos averiguarem se havia "obras pornográficas" expostas na Bienal. A denúncia se referia a uma obra em específico, uma história em quadrinhos em que dois homens se beijavam em uma ilustração. De acordo com o prefeito, a cena em questão implicava na obra receber o tratamento de conteúdo pornográfico, com plástico preto selando o livro e aviso aos pais na capa. 

Como a editora que publica meus livros tem selos voltados ao público LGBTQ, o clima ficou tenso. Não consegui deixar de me sentir culpado, de alguma forma. Vai ver, os astros se alinharam para que tal ataque à liberdade de expressão acontecesse justamente durante minha estreia. 

Mas não. 

Na mesma semana, em Porto Alegre, a presidente da Câmara dos Vereadores proibiu uma mostra de charges críticas ao presidente da República. A vereadora Mônica Leal (PP), achou que Bolsonaro lambendo as botas do Tio Sam era uma imagem a ser censurada e fechou a exposição. É que a vereadora do partido do Paulo Maluf estava preocupada com o decoro e com o respeito às instituições.

Na mesmíssima semana, o governador de São Paulo, João Dória (PSDB – Chupa, FHC), mandou recolher as cartilhas dos alunos de oitava série por causa de três páginas que faziam menção ao que chamou de "ideologia de gênero", um termo que não existe no mundo científico, só em púlpitos de estelionatários. 

Depois de meditar muito, compreendi que o que coordenou esses ataques não foram minhas humildes obras, mas a corrida eleitoral de 2020. 

Acontece que a direita está no poder, primeiro fato. O segundo é que ela chegou ao poder apostando na rejeição ao PT, no voto de protesto e no cabresto evangélico.

E mais nada.

Agora, para replicar o feito, a situação complica, já que não podem contar com dois dos três tripés do último pleito. "Mas e o PT?" não vai eleger ninguém. "Votar em qualquer um para mudar" também não. O que resta? O voto evangélico. Porque, convenhamos, projeto, projeto, não há. Tem privatização de serviços públicos, claro. Mas isso, em si, não vende. 

Sobra o trimônio "Por Deus, pela pátria e pela família".

Desses três, o que é mais fácil de fingir é o terceiro. 

Por isso, cuidado com candidato "pela família". Isso é código para "não tenho ideia do que deveria fazer caso eleito, nem me importo".

Cuidado com esses políticos que usam o poder público, o dinheiro do seu imposto, para fingir que se preocupam com o que o SEU filho pode ou não ver. É o jeito mais fácil de gente desqualificada fingir que está preocupada com o seu bem-estar. Num Estado que tem o problema de desemprego e violência e milícia como o Rio de Janeiro, nosso prefeito mobilizou servidores públicos para confiscar gibi, veja só!

Como se não tivesse prédio construído pela máfia dos amigos do filho do presidente desabando e matando gente. Como se não tivesse traficante lavando dinheiro em igreja evangélica. Como se o Rio de Janeiro continuasse lindo. 

Cuidado com essa gente. 

Nós sabemos que Mato Grosso do Sul não é diferente. Tá cheio de pecuarista e radialista sem escrúpulos fingindo que trabalha "pela família", conterrâneo. Na melhor das hipóteses, é pela DELE. Na pior, é contra a SUA. Toda vez que alguém se conclamar como "defensor das famílias", fique atento. Gente séria tem projeto, tem proposta, conhece as necessidades do povo. Não está preocupado em censurar arte porque sabe que, no frigir dos ovos, o que o povo precisa é educação, é emprego, transporte, um Estado eficiente e sustentável. Políticos responsáveis estão engajados em oferecer serviços de qualidade à população, e não em proibir acesso à informação, seja qual for. 

Prioridades são uma excelente forma de conhecer a índole de pessoas públicas. E a história ensina que quem está preocupado com a sexualidade dos seus filhos não tem muito a oferecer em termos de melhorias para a sociedade como um todo. 

Não se deixe enganar. Nem pelo seu pastor, que é humano, e erra e peca.

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Victor Barone

Jornalista, professor, mestre em Comunicação pela UFMS.


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