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Artigo da Semana

No estranho Brasil de Jair Bolsonaro, a culpa é sempre do outro

Publicado em 04/09/2019 12:00 -

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Estranho país este, onde o outro está sempre na berlinda. “Nós aqui somos ótimos, quem ferra tudo são eles lá.” Faz-me parecer só termos olhos para os próprios umbigos, que nem mesmo são específicos de uma área médica. Ou temos umbigologistas?

Difícil para nós, os brasileiros, reconhecer partes do corpo menos nobres, como por exemplo o ânus, de onde deveriam sair as fezes, dia sim dia não, como recentemente determinado pelo Regente Insano Primeiro.

No domingo passado, assistindo ao programa Globo Rural, esperava uma reportagem sobre as queimadas amazônicas. Houve, mas com foco expressivo no Mato Grosso e nos produtores de grãos e suas perdas.

Fiquei um pouco confuso, mas serviu-me para resgatar a história dos outros sempre culpados e daqueles que não têm umbigos. Diante da pergunta de como o fogo chegou, a cada depoimento, ouvíamos: “Ah, veio do vizinho. Algum descuido por lá”.

Que seja, devem ter sentido fauna e flora carbonizadas ou desamparadas em suas fugas. Afinal, foi apenas fogo na palhada que seria usada no plantio direto das lavouras.

Na agricultura rudimentar sempre se pensou as queimadas como benéficas na limpeza e preparo do solo para o plantio e na formação de pastagens. O fogo fazia mais fácil o árduo e custoso trabalho de abrir áreas, sobretudo em novas fronteiras.

Isso existe até hoje, embora com menor intensidade. Problema é que nem sempre são feitos os devidos aceiros e não há acompanhamento humano ou tecnológico.

Carvão, cinzas, e o extrato pirolenhoso, condensação pós-queima das madeiras, ainda representam algum benefício agronômico às plantas, contanto que adequadamente usados, e não em bota fogo desenfreado. Neste caso, perde-se a biodiversidade, muito mais valiosa, e contribui para aumentar os gases do efeito estufa com repercussões no aquecimento global. Nada que interesse ao senhor Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, que desconhece tudo isso e mais Chico Mendes.

Muitos pioneiros da primeira metade do século 20, que mais tarde se tornaram capitães da nascente indústria de fertilizantes, começaram vendendo cinzas para a adubação dos cafezais paulistas.

Hoje em dia, fundações, organizações não governamentais e mesmo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias) e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) indicam restritos períodos do ano para a permissão de queimadas, ensinam como, onde e quando bem proceder para promover queimadas e utilizar as cinzas.

Segundo o IBGE, entre 2007 e 2017, o uso floresta nativa para uso industrial caiu pela metade, para 36 milhões de metros cúbicos, enquanto a de florestas plantadas cresceram 35%, para 217 milhões de m³, representando 86% do total. Formam assim, legalmente, importante setor da economia brasileira. Confundi-los com criminosos é equívoco terrível.

Mas é, justamente, quando os “outros” e seus proeminentes umbigos, qual milícias encomendadas, invadem a Amazônia para amanhã garantirem seus futuros, enquanto nós, abestados, batemos continência para um pele-laranja, servimo-nos de laranjas-Queiróz, e entregamos nossa soberania, como tontos a gritar: “Ah, mas eles também fizeram, também fizeram, também fizeram … quem chegar por último é mulher de padre, ou de capitão”.

Inté.

Rui Daher  – Criador e consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola


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