29/03/2024 - Edição 540

Brasil

Cinco fatos para entender o baixo crescimento do PIB do Brasil em 2019

Publicado em 30/08/2019 12:00 -

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O resultado do PIB (Produto Interno Bruto) no segundo trimestre do ano, de 0,4% sobre os primeiros três meses de 2019, confirmou a previsão de economistas e analistas a respeito do ciclo de baixo crescimento no Brasil desde o fim da recessão, em 2016. Apesar de positivo, o resultado fraco anunciado na quinta-feira (29) pelo IBGE é, principalmente, reflexo da deterioração do nível de investimentos, da situação fiscal do governo e da confiança de consumidores e empresários na economia, em um cenário que persiste há anos no país, de acordo com especialistas.

Abaixo, em cinco tópicos, destrinchamos os números do PIB para entender por que a economia brasileira permaneceu estagnada no primeiro semestre de 2019.

1. Aos números

O PIB do segundo trimestre apresentou um crescimento fraco, de 0,4%. No acumulado de quatro trimestres, o avanço é de 1%, mesmo percentual da comparação com o segundo trimestre de 2018. O desempenho é ligeiramente superior ao esperado por analistas ouvidos pela Bloomberg e pelo Broadcast, do Estadão, que previam crescimento de 0,2%.

O resultado também significa que o país escapou do risco de recessão técnica, que acontece quando há recuos do PIB por dois trimestres seguidos. Nos primeiros três meses de 2019, a soma das riquezas produzidas pelo país caiu 0,2%.

O cálculo do PIB pode ser analisado pela ótica da oferta, que soma tudo o que foi produzido no país em um determinado período na indústria, na agropecuária e no setor de serviços, ou pela da demanda, que calcula tudo o que foi gasto ou investido por empresas, governos e consumidores.

No lado da oferta, a indústria, que tinha caído 1% no primeiro trimestre, puxou a alta, com crescimento de 0,7%. Os destaques positivos foram a indústria de transformação, que cresceu 2% e a construção, que subiu 1,9%. Já a indústria extrativa caiu -3,8%. Segundo o Boletim Macro, análise mensal da FGV (Fundação Getulio Vargas), e o próprio IBGE, a atividade ainda sofre com os efeitos econômicos do desastre do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG).

O setor de serviços também teve um resultado positivo e cresceu 0,3%, puxado por atividades imobiliárias (0,7%), comércio (0,7%) e informação e comunicação (0,5%), segundo o IBGE. O único número negativo foi da agropecuária, que recuou 0,4%.

Já no lado da demanda, subiram os investimentos (a chamada formação bruta de capital fixo), com alta de 3,2% em relação ao primeiro trimestre, estimulados pela construção. Também teve alta o consumo das famílias (0,3%), o que é explicado, segundo o IBGE, por um aumento na massa de salários e uma melhora na situação do crédito para pessoa física. A única baixa foi no consumo do governo, que caiu 1%.

2. Contas no vermelho

O fraco resultado do PIB no primeiro semestre do governo Bolsonaro pode ser explicado por dois principais fatores, que se relacionam: o baixo nível de investimentos no país e a situação fiscal do governo, de acordo com Virene Matesco, economista e professora da FGV Rio.

Além de impactos imediatos na economia por meio da geração de empregos, investimentos em máquinas e infraestrutura melhoram a produtividade, que hoje é um dos entraves ao crescimento econômico sustentado do Brasil, diz Matesco. Mas, apesar de ter crescido 3,2% no trimestre, maior alta no lado da demanda do PIB, esse indicador segue em nível relativamente baixo (15,9% do PIB contra média de 20% no período 2010-2014, segundo a FGV).

De acordo com uma reportagem da Folha de S.Paulo, 62 meses depois do início da crise econômica, os investimentos no Brasil em maio ainda estavam 24,8% abaixo do nível anterior a abril de 2014, mês que marca o início da descida da economia brasileira, segundo levantamento da Abdib (Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base.

Em uma situação normal, a União poderia puxar um aumento nos investimentos, mas a situação fiscal dificulta a medida.

No primeiro semestre do ano, o governo federal registrou déficit de R$ 28,9 bilhões, o melhor resultado no período desde 2015, mas o quarto pior desde 1997 e o quinto ano consecutivo em que a União gasta mais do que arrecada.

Matesco aponta que, nesse cenário, o governo poderia optar por aumentar ainda mais seu déficit para tentar tirar a economia do torpor. "Não estou menosprezando a situação fiscal do governo, que é grave, mas investimentos bem feitos poderiam ajudar a romper esse entrave sem piorar significativamente a situação fiscal do governo".

Já a professora do Insper Juliana Inhasz concorda com o diagnóstico de que a crise fiscal e a falta de investimentos atrapalham o crescimento, mas discorda do remédio: para ela, o governo não tem mais espaço para aumentar os gastos.

"Acho que a solução para sair desse entrave é buscar fontes de receita alternativas sem aumentar a carga tributária, como é o que o governo parece estar tentando fazer com as privatizações", avalia.

3. Desemprego cai, e consumo cresce

Mesmo depois de desacelerar o crescimento no primeiro trimestre, o consumo das famílias, principal componente do PIB brasileiro no lado da demanda, cresceu 0,3% entre abril e junho. No acumulado dos últimos quatro trimestres, a alta é de 1,5% – esse indicador teve o nono período consecutivo de resultados positivos, segundo o IBGE.

Uma das explicações para a alta continuada é a ligeira queda na taxa de desemprego do primeiro para o segundo trimestre do ano – de 12,7% para 12%, de acordo com a Pnad Contínua – e o aumento dos empregos formais no período: no acumulado até junho, 408.500 postos de trabalho com carteira assinada foram criados, segundo o Caged.

No Boletim Macro, a economista Laisa Rachter avaliou que os dados de emprego indicam "uma recuperação no mercado de trabalho", mas alerta que "essa retomada ainda é frágil, estando possivelmente ancorada em ocupações menos produtivas e de baixos salários".

Segundo o IBGE, junho terminou com 24,8% da força de trabalho subutilizada (que trabalhou menos do que gostaria), estável em relação ao primeiro e ao segundo trimestre de 2018. A porcentagem de pessoas desalentadas (que desisitiram de buscar emprego) também ficou inalterada, em 4,4%, taxa recorde da série história, segundo o órgão.

No segundo semestre, o consumo das famílias deve ainda ser impulsionado pela liberação de parte do saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) pelo governo federal, acreditam Inhasz e os economistas do Boletim Macro, da FGV-Ibre. Para 2019, a instituição projeta um crescimento de 2% neste indicador.

4. Complicações globais

Influenciou negativamente o PIB brasileiro o cenário de desaceleração da economia mundial, segundo economistas. As exportações do país recuaram 1,6% no segundo trimestre, embora acumulem alta de 4,6% nos quatro últimos trimestres.

A crise econômica na Argentina, que levou o país a pedir mais tempo para pagar suas dívidas, e a guerra comercial entre China e EUA são os principais problemas hoje, pois os três países são os principais parceiros comerciais do Brasil. Na Europa, ainda há incerteza com o Brexit, no Reino Unido, e a Alemanha enfrenta risco de recessão técnica.

Em relatório de abril, o FMI (Fundo Monetário Internacional) já alertava para o risco de desaceleração e, em julho, cortou a previsão de crescimento mundial de 3,3% para 3,2%.

Como o Valor Econômico notou, o cenário levou a uma fuga de capital estrangeiro do país: até 15 de agosto, R$ 19,2 bilhões saíram da bolsa brasileira, maior valor em 23 anos. Segundo o jornal, o medo de recessão faz com que os emergentes sejam "preteridos por segmentos como a renda fixa americana, o ouro, o iene e o dólar". De lá para cá, o saldo negativo aumentou para R$ 21,9 bilhões, segundo a B3.

Para os economistas Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos, que assinam texto no Boletim Macro, o principal efeito da desaceleração global para o Brasil é reduzir "o espaço para voltar a crescer via exportações", embora afirmem que "os desenvolvimentos observados até aqui estão longe de caracterizar uma crise externa para o país".

Já para Inhasz, os efeitos da desaceleração serão mais sentidos pelo Brasil nos dados econômicos do segundo semestre. "Todos esses elementos já eram previstos no primeiro semestre, mas se intensificaram a partir de julho", explica.

Matesco, da FGV, alerta que a recente crise de imagem decorrente das queimadas na Amazônia pode piorar mais a situação se empresas estrangeiras decidirem boicotar a compra de commodities brasileiras. Nesta quarta-feira (28), a VF Corporation, gestora de 18 marcas de moda, decidiu suspender importações de couro brasileiro por conta dos episódios na região. A empresa disse que manterá a suspensão "até que haja a segurança que os materiais usados em nossos produtos não contribuam para o dano ambiental no país".

5. A desconfiança ainda paira

Tanto a confiança de empresários quanto a de consumidores voltaram a subir em junho, último mês do trimestre avaliado pelos dados do PIB, depois de quatro meses seguidos de quedas. Porém, os indicadores permanecem abaixo dos patamares do fim do ano passado e do primeiro trimestre deste ano, segundo medição da FGV-Ibre.

Os índices são importantes porque podem sinalizar a disposição dos empresários em investir e dos consumidores em gastar em bens de maior valor, diz Matesco, economista e professora da FGV.

Para Juliana Inhasz, do Insper, o motivo para a queda em relação ao começo do ano é que a eleição e o discurso liberal na economia de Bolsonaro geraram a expectativa de reformas econômicas que acabaram não se concretizando na velocidade esperada, como a da Previdência, que ainda está no Senado, e a tributária, que nem foi proposta pelo governo.

"Essa alta da expectativa depois das eleições veio com a ideia de que o Bolsonaro conseguiria aprovar rapidamente as reformas que propôs, mas ignorou a composição do Congresso e as dificuldades em aprovar essas mudanças", diz.

A expectativa foi alimentada pela própria gestão. Logo após as eleições, o hoje ministro da Economia Paulo Guedes mostrava otimismo com o cenário econômico. Em uma entrevista coletiva, ele chegou a afirmar que seria factível zerar o déficit do país ainda em 2019. Em outra, à GloboNews, disse que o país poderia crescer até 3% neste ano.

Da mesma forma que a expectativa de consumidores e empresários, as previsões do PIB por agentes financeiros também foram reduzidas passado o entusiasmo com a eleição de Bolsonaro. O primeiro Boletim Focus de 2019, relatório de mercado divulgado semanalmente pelo Banco Central, previa um crescimento de 2,5% este ano. A previsão mais recente é de 0,8%.

Crise gera crise: 23 mil empresas de serviços fecharam em 2017, aponta IBGE

A Pesquisa Anual dos Serviços (PAS 2017) aponta que 23.118 empresas do setor de serviços não financeiros fecharam as portas no ano de 2017. O estudo divulgado pelo IBGE na quarta-feira (28) aponta que mais de 43 mil empregos foram perdidos no país.

Naquele ano havia 1,3 milhão de empresas prestadoras de serviços não financeiros, cuja receita operacional líquida atingiu R$ 1,5 trilhão e o valor adicionado bruto foi de R$ 906,5 bilhões. Essas companhias empregavam 12,3 milhões de pessoas. O salário médio, que era de 2,6 salários mínimos em 2008, recuou para 2,2 salários mínimos em 2017.

De acordo com o diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, as empresas, no meio da recessão, encerraram as atividades e isso repercute na quantidade de postos de trabalho, redução salarial e rotatividade. “Essas são as dramáticas consequências da crise para a dinâmica das empresas, do emprego e do salário. Tudo isso é arrochado. A política econômica vigente não dá condições para o país ter uma perspectiva de retomada do crescimento, o que provavelmente continuará afetando o setor de serviços”, afirmou.

Clemente explica como a crise resulta no fechamento das empresas de serviço. “Elas prestam serviços a outras. E como o impacto sobre a indústria foi severo, elas deixaram de fazer essas contratações. Já as que prestam serviços às famílias foram afetadas pela redução de renda dentro de casa e as contratações também deixaram ser feitas”, disse.

Todas as atividades registraram redução na remuneração média dos empregados, com exceção dos serviços prestados às famílias, que mantiveram o patamar de 1,5 salário mínimo no período, a mais baixa entre os segmentos pesquisados. “Tudo isso deprime ainda mais a demanda agregada da economia e o poder de consumo. A crise gera mais crise”, alerta o especialista do Dieese.


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