28/03/2024 - Edição 540

Brasil

Como a agropecuária pode ser aliada do Brasil contra mudanças climáticas

Publicado em 29/08/2019 12:00 -

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Brasil, temos uma excelente oportunidade de negócios. Agora você pode multiplicar a produtividade da sua principal fonte de renda e ainda proteger a natureza. É isso mesmo, não é golpe. É a chance de lucrar mais enquanto regenera florestas, cuida da água, melhora a fertilidade do solo e, de quebra, ajuda a salvar milhares de vidas. Calma! Não, não é pirâmide, é o negócio do momento. Porém, para entender essa oferta imperdível é preciso voltar um pouco no tempo.

Muito antes de a Floresta Amazônica ter esse nome, ela não era um bioma intocado. Havia muita gente na região, milhões de pessoas que viviam em comunidades permeadas pela mata. Para não precisar caminhar quilômetros em busca de alimento, elas começaram a plantar perto das aldeias. Terminaram cercadas por florestas cheias de cacau, batata-doce, abacaxi, mandioca, açaí, cupuaçu, castanha. Bateu a fome, era só dar um pulo ao supermercado orgânico pré-histórico mais próximo. Por meio de tentativa e erro, os indígenas que habitavam o que seria o Brasil desenvolveram a agricultura utilizando as plantas e o ambiente ao redor.

Com os portugueses veio outra agricultura, de outra região, com outros vegetais. Quando boa parte do pau-brasil tinha virado tinta para tecido na Europa, foi a vez de a cana-de-açúcar dominar a paisagem da Mata Atlântica, com gigantescos monocultivos movidos a mãos escravizadas para adoçar os países mais desenvolvidos. Café, algodão, milho e muita soja depois, esse modelo tornou-se convencional em todo canto.

Trocar floresta por plantas exóticas tem suas consequências. O solo perde fertilidade, as plantas ficam doentes, as pragas são cada vez mais frequentes e a produção cai. Por séculos, o problema foi resolvido com a abertura de novas áreas. Até que, no final da década de 1960, a ciência pôs fim à questão com o pacote de fertilizantes químicos, pesticidas e maquinários pesados.

Com a chamada Revolução Verde, a produtividade explodiu. E o Brasil se deu bem nesse processo. Com terra e clima bons, o país virou uma potência mundial do agronegócio, com a pecuária também entrando em cena. Da América do Sul para o mundo, o Brasil é um dos maiores exportadores de commodities agrícolas — vendas que representaram 23,5% do PIB nacional em 2017.

Temos 158 milhões de hectares de pastos, segundo o mais recente Censo Agropecuário do IBGE. São três Espanhas para bois. Outros 63 milhões de hectares para plantações, pouco menos de uma França, sendo mais da metade (36 milhões de hectares) para grãos. Uma Suíça de milho e soja. Um processo que levou 20% da Amazônia brasileira e 50% do Cerrado, trocados por capim e grãos de outros cantos do mundo.

FLORESTAS DE COMER
Vantagens dos sistemas com árvores perante a agricultura tradicional

Maior biodiversidade
No país, 469 espécies de plantas já são mantidas em arranjos agroflorestais. Os sistemas com árvores atraem mais vida, desde bactérias e fungos até insetos polinizadores, que ajudam nos cultivos.

Proteção do solo
A cobertura florestal impede que enxurradas carreguem os nutrientes e provoquem a erosão do solo. Bactérias, fungos, minhocas e insetos processam a matéria orgânica, que vira nutriente para as plantas.

Ciclo da água
As matas nativas mantêm a umidade do solo e, por causa das raízes, facilitam que a água penetre até o lençol freático. As árvores absorvem parte dessa água, que retorna em forma de vapor para a atmosfera.

Microclima
Além do vapor, árvores liberam compostos orgânicos que, quando na atmosfera, formam partículas maiores que refletem a radiação solar e resfriam o ambiente. Florestas são até 9°C mais frias do que pastos.

Sequestro de carbono
Carbono é o principal composto da matéria orgânica. Quanto mais dele, mais fértil é o solo. Um sistema florestal equilibrado também captura quantidades generosas de carbono da atmosfera, ajudando o clima.

Rentabilidade
Plantar diversas espécies juntas aumenta o ganho do produtor. Dos R$ 66 que rende o hectare da dobradinha milho e soja, a renda anual do mesmo espaço sobe para até R$ 475 em um sistema com árvores.

Saldo negativo

Cedo ou tarde, a conta chega. A vegetação retém água no solo, auxilia o líquido a infiltrar-se no lençol freático para o abastecimento de nascentes e rios. As plantas ainda bombeiam a água de volta para a atmosfera, ciclo essencial para que o ambiente fique fresco e úmido. “Uma parte bastante desmatada no setor sul do Cerrado mostrou redução de 10% nas chuvas. A vegetação nativa é importante para manter o clima mais estável, aumentar as chuvas e reduzir as temperaturas”, afirma Carlos Nobre, meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e especialista em mudanças climáticas.

A influência, porém, vai além dos limites de cada bioma. “A chuva que cai no inverno ao sul da Bacia do Prata tem muita relação com o fluxo de vapor d’água que sai da Amazônia e abastece o sistema de chuvas na região.” É a floresta que envia chuva ao Sul do Brasil e a boa parte do Sudeste, da Argentina e do Uruguai. O resto do mundo também sente. “Não existe melhor tecnologia para remoção de carbono na atmosfera do que a fotossíntese. Ela absorve esse carbono da atmosfera e conserva na biomassa”, explica Paulo Artaxo, físico da Universidade de São Paulo e membro do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU.

Enquanto a queima de carvão mineral — principalmente por China e Estados Unidos — para produzir energia elétrica é a principal responsável pelo aquecimento global, por aqui, com mais de 80% de energia renovável, a maior parte dos gases de efeito estufa (GEE) vem da troca de florestas por pastos ou lavouras.

Devido ao desmatamento, cada morador de Rondônia emitiu em 2016 uma média de 74 toneladas de CO² equivalente (o cálculo de CO² equivalente converte o potencial de aquecimento de todos os GEE). É 3,7 vezes mais do que um norte-americano, 2,5 vezes mais do que um australiano e 7,4 vezes mais do que um japonês. No Pará, a emissão foi o dobro da verificada no estado de São Paulo. Tudo pelas árvores cortadas ou incendiadas, que representam dois terços de todos os GEE liberados pelo país desde 1990.

Isso ocorre enquanto o mundo precisa tomar medidas drásticas para reduzir a emissão de carbono na atmosfera. Com a colaboração de milhares de cientistas, inclusive Nobre e Artaxo, um relatório lançado em outubro pelo IPCC alertou sobre os riscos que a humanidade corre se a temperatura subir além de 1,5°C em comparação com o início da Era Industrial.

O Acordo de Paris já é pouco: mesmo se todos os países cumprirem-no, segundo as novas projeções, a temperatura aumentará 3°C até o ano de 2100. Nós e o resto do mundo precisamos então reduzir drasticamente a emissão de CO² e de outros gases, como o metano, até zerá-las por volta de 2050. Assim, talvez consigamos impedir que a temperatura ultrapasse 1,5°C. Para isso, calculam os cientistas, pelo menos 45% desse corte deve ser feito já em 2030.

O aquecimento atual, de pouco mais de 1°C, serve como amostra grátis do que está por vir. “Tempestades severas estão aumentando em todo o Brasil, mas também a seca. Tivemos essa seca histórica no Nordeste, de 2012 até 2017, que continua em algumas partes, e a seca no Sudeste em 2014 e 2015”, lembra Carlos Nobre.

“O impacto foi muito maior do que o de uma seca semelhante 50 anos atrás. O Sudeste já está 1,5°C mais quente. A evaporação é muito maior, assim como a perda de água no solo. É menos água no reservatório, na agricultura, no abastecimento humano”, destaca.

SEMPRE TEREMOS PARIS 
Quais foram as metas e as estratégias prometidas pelo Brasil no acordo mundial

Os objetivos traçados pelo governo brasileiro no Acordo de Paris são ambiciosos: reduzir as emissões de GEE em 37% até 2025 e 43% até 2030. Não só pelo número mas pela forma. “Não calculamos com base em projeções futuras de emissão”, diz Thelma Krug, vice-presidente do IPCC. A proposta do Brasil considera diminuição em relação ao ano de 2005, quando as emissões eram mais baixas do que no momento do acordo. Na área florestal, é preciso cumprir o Código Florestal, acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia e compensar toda a emissão provocada pela supressão legal da vegetação, além de
incentivar o manejo sustentável das florestas. O Brasil também anunciou que vai apostar na Agricultura de Baixo Carbono, recuperando pelo menos 30 milhões de hectares de pastos degradados. No campo dos transportes, o compromisso é aumentar a participação de biocombustíveis como o etanol. Na área energética, investir nas fontes solar, eólica e de biomassa.

Contracorrente

É de estranhar quando a mais tradicional família de banqueiros europeia, os Rothschild, investe R$ 19 milhões em uma fazenda em Cananéia, município com 12 mil habitantes localizado no Vale do Ribeira, litoral sul de São Paulo. No campo, o processo parece caótico.
O palmito pupunha, carro-chefe do negócio, cresce ao lado de bananeiras e árvores. Mas eles sabem que essa aparente desordem esconde o futuro da agricultura.

É que Revolução Verde não conseguiu dar todas as respostas. Terras menos férteis precisam de mais fertilizantes químicos e agrotóxicos. A conta nem sempre fecha, principalmente para a agricultura familiar, que produz por volta de 70% dos alimentos consumidos no país. Alternativas técnicas começaram então a ser investigadas. Cultivar o que é preciso e ainda preservar a qualidade do solo, conservar a água e a biodiversidade deveria ser viável. Pelo exemplo dos índios, pesquisadores — como a austríaca Ana Primavesi e o suíço Ernst Gotsch — passaram a tentar decifrar as engrenagens dos ciclos naturais.

Eles perceberam que plantar várias espécies juntas favorece o desenvolvimento de todas — como ocorre no processo de recuperação natural de uma floresta, em que o mato progressivamente dá lugar a arbustos e árvores, até que se forme uma mata exuberante de novo. No campo, a rúcula dá lugar à alface, que abre espaço para a mandioca, para o café, para o palmito, para o mogno. O agricultor pode garantir, assim, um rendimento constante de diferentes fontes ao longo do tempo, além de diminuir a necessidade de irrigação e de produtos químicos.

Os novos conceitos agroflorestais, como são conhecidos, chamaram a atenção primeiro de pequenos produtores, que obtêm rendimento enquanto observam a natureza e os córregos renascerem em suas áreas. Viraram bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que tem se especializado em recuperar áreas improdutivas usando a agroecologia. Depois, o sucesso em pequena escala começou a chamar a atenção de mercados maiores. Assim como os Rothschild, o empresário Pedro Paulo Diniz vislumbrou a oportunidade. Encantado com os benefícios da agrofloresta, quis ir além. “Buscamos entender como seria possível aumentar a escala e que retorno daria. Será que seria um bom negócio?”, lembra.

O problema é que plantar tudo junto requer um trabalho mais delicado. Não dá para acelerar um trator no meio da floresta. Quanto mais complexo o sistema, mais mão de obra e fino trato. Diniz passou oito meses estudando profundamente a agricultura de todo o mundo, visitando fazendas, universidades e institutos de pesquisas.

A resposta que buscava veio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e de seu sistema de integração lavoura, pecuária e floresta, conhecido pela sigla ILPF. Ele mantém os serviços ecossistêmicos da agrofloresta, mas é simples o bastante para funcionar em larga escala. “A projeção é no mínimo duplicar a produção de grãos, carne, leite e madeira no Brasil até 2030”, afirma Renato Rodrigues, pesquisador da secretaria de inteligência e relações estratégicas da Embrapa. “Os retornos financeiros são fantásticos. Há casos de ter aumentado 15 vezes em dez anos”, conta Rodrigues. “É a cara que a gente quer dar para a agricultura na próxima década. Temos condições de melhorar a produção sem precisar abrir novas áreas [de floresta].”

Assim nasceu a Rizoma, empresa criada neste ano por Diniz. Com dois centros de pesquisa, o empresário pretende, por meio de um fundo de investimentos, ocupar com grãos uma área de 1 milhão de hectares no Cerrado. “A ambição é grande, mas a maior é ter uma agricultura que cria vida em vez de brigar com ela. Influenciar grandes áreas para que sejam geradoras de vida”, explica Diniz. O empresário destaca ainda outro diferencial do processo: “Captura carbono pra cacete”.

DO QUE É FEITO O PAÍS
Conheça a cobertura do solo brasileiro de acordo com o uso da terra

Sequestro do problema

Limitar o aquecimento a 1,5°C não é uma tarefa fácil. A ciência ainda não tem soluções para manter nosso estilo de vida e zerar as emissões de carbono ao mesmo tempo. Carros precisam andar, geladeiras funcionar, indústria produzir. Acabar com a dependência do petróleo e converter toda a produção energética mundial para fontes renováveis ainda é um objetivo distante, e não temos tempo a perder. Tecnologias mirabolantes de remoção artificial de carbono da atmosfera são caras, demandam energia e trazem diversos efeitos colaterais. Com uma árvore não. Basta colocar uma semente e dar-lhe condições para crescer que ela faz o trabalho sozinha.

Quanto mais carbono e vida no solo, mais fértil ele é. A equação é simples: quanto maiores as plantas e em maior número, maior o potencial de sequestrar CO² da atmosfera. Ao trocar a floresta por monocultivo, a área passa a sugar e prender menos carbono. A Embrapa calculou o aprisionamento de 70 toneladas de dióxido de carbono até 30 centímetros de profundidade em um hectare de área plantada seguindo a técnica de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). A quantidade é semelhante à mensurada em uma floresta próxima.

A Rizoma calculou todos os possíveis GEE que poderiam estar presos em áreas com laranja, limão, mandioca e cinco tipos de árvores. Em um hectare, foram 49 toneladas de CO² equivalente somente nas plantas. Quando analisaram o solo até um metro de profundidade, o número subiu para 916 toneladas por hectare. Três anos antes, quando o espaço era ocupado por um pasto abandonado, eram 333 toneladas de CO² equivalente.

Retorno garantido

Conseguiu ver a oportunidade que temos aqui, Brasil? Enquanto o mundo sofre pressão para não comer mais carne de verdade, o que reduziria as emissões de carbono oriundas dos alimentos, e se aventura na substituição por carne feita em laboratório, com a gente é bem diferente. “Não posso sair por aí dizendo que a carne é o vilão”, diz Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biocências da USP e integrante do IPCC. O pessoal do exterior até pode fazer isso, diz ele, mas não é a nossa realidade. “Não temos tempo para reduzir carne, fechar empresas e deletar 20% da nossa economia”, opina o biólogo. “Seria uma grande recessão.”

Mas dá para fazer melhor. Só de colocar árvores e melhorar a qualidade do pasto, reduz-se um terço da segunda maior fonte de emissão de gases de efeito estufa: o metano do gado. “A temperatura é até 8°C menor em um local com árvores do que em pastagem aberta”, explica Rodrigues, da Embrapa. “A produção de leite chega a aumentar até 35% só pelo fato de a vaca ter um conforto térmico maior.”

Também dá para aproveitar melhor o espaço que já é utilizado. De toda a área ocupada por pasto, metade está degradada. Por baixo, um Chile que já não sustenta tantos bois como antigamente. A média brasileira é de 1,15 boi por hectare. Soma-se a isso o fato de que mais da metade da soja produzida aqui é exportada em grãos, sem nenhum valor agregado. Agora imagine vender no exterior soja não transgênica orgânica agroflorestal. Carne com baixa pegada ecológica. Leite carbono zero. Qualquer hipster já percebeu que dá para cobrar bem mais caro quando o produto leva esses selos especiais.

“Se o Brasil dá cabo do desmatamento, permite que floresça uma indústria florestal com um valor de mercado maior. Damos valor a um ativo que a gente tem e não consegue aproveitar de forma eficiente”, defende Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, que reúne as maiores empresas que atuam por aqui, como a Amaggi, principal produtora de soja. “Tem um ganha-ganha.”

Os benefícios não param por aí. No semiárido nordestino, grupos de agricultores que usam a agroecologia para conviver com a seca, apoiados por instituições como a Articulação do Semiárido Brasileiro e o Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, viraram referência para outras regiões do planeta onde falta água, como a África e a América Central. Com a cobertura constante do solo, a água demora a evaporar e garante o aproveitamento pelas plantas por mais tempo. “No semiárido do Nordeste, chove pouco, mas chove. O problema é a permanência dessa água no solo. O processo de evaporação é muito rápido”, diz Carlos Ritti, do Observatório do Clima.

“É o mesmo com a floresta. Reduzir o desmatamento é nosso seguro contra as mudanças climáticas”, continua o ambientalista. Para ele, reflorestar margens de rios, cabeceiras e entorno de nascentes significa assegurar uma reserva de água para dias mais difíceis. “Temos que olhar para o Brasil do século 21 e seus potenciais como ativos. Explorar aquilo que a gente tem de mais limpo, de melhor, vai nos tornar mais competitivos e nos preparar para os fortes impactos das mudanças.”

DEPENDÊNCIA FLORESTAL
Cinco razões que explicam por que as florestas em pé são essenciais para salvar o clima do planeta

1. As florestas do mundo contêm mais carbono que depósitos exploráveis ​​de petróleo, gás e carvão. São 3 trilhões de toneladas de CO² que seriam liberados caso tudo fosse devastado de uma só vez.

2. A vegetação remove cerca de um quarto dos 39 bilhões de toneladas de CO² que a humanidade libera na atmosfera todos os anos. O oceano cuida de capturar outro quarto. O restante fica no ar.

3. O reflorestamento e o melhoramento do manejo florestal juntos têm grande potencial de remover CO² da atmosfera. Soluções naturais podem reduzir 18% dos custos de captura de carbono até 2030.

4. As florestas são um ótimo caminho e, sobretudo, são o caminho que temos, porque ainda não há tecnologias viáveis e de larga escala que consigam quantidades significativas de remoção de CO².

5. As florestas tropicais resfriam o ar de todo o planeta, além de criarem a chuva, essencial para o cultivo de alimentos. Locais em que as florestas foram ceifadas aumentam de temperatura em até 3°C.

Expectativa versus realidade

Escutou Brasil? Você é o cara! Só não dá para ficar se achando. As coisas até estavam indo bem. Em 2014, pudemos comemorar o fato de termos deixado o posto de líder mundial em desmatamento.

Desde então, estamos na segunda posição, dando à Rússia o primeiro lugar desse pódio vergonhoso. Também deixamos a terceira posição no ranking global dos maiores emissores de gases, passando ao quinto lugar. Até surpreendemos, no fim de 2015, ao propor metas ousadas no Acordo de Paris, inclusive ao atingir de antemão o objetivo de implantar 5 milhões de hectares com o sistema ILPF, que já ocupa 11,5 milhões de hectares do país.

Tudo para reduzir as emissões de GEE em 37% até 2025 e em 43% até 2030. “As mudanças na Amazônia brasileira na década passada e sua contribuição para retardar o aquecimento global não têm precedentes” — fomos elogiados assim em relatório apresentado nas Nações Unidas.

Mas parece que tudo desandou desde então. A taxa de desmatamento na Amazônia, que havia caído de 2,7 milhões de hectares em 2004 para 460 mil hectares em 2012, atingindo seu recorde positivo, subiu para 790 mil hectares em 2016, com outros 690 mil perdidos em 2017. Nos mesmos dois anos, 1,4 milhão de hectares sumiram do Cerrado.

Em 2019, o cenário piorou: somente em julho, o desmate aumentou 278% em relação ao mesmo mês do ano anterior; em junho, o crescimento foi de 88% em comparação a junho de 2018. Os números vêm de um sistema do INPE que monitora diariamente alterações na cobertura florestal.

Parte dos ambientalistas atribui esse retrocesso à crise econômica, que limitou o orçamento dos órgãos de fiscalização, como o Ibama e a Polícia Federal. Com isso, foi enfraquecido o combate às quadrilhas de extração ilegal de madeira e grilagem (que ocupam terras falsificando papéis para tomar a posse). O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais estima que a falta de fiscalização atuante leve a um desmatamento de 6,2 milhões de hectares nos próximos dez anos.

O assunto está mais quente do que nunca, principalmente com as notícias mais recentes sobre queimadas causadas por fazendeiros no Norte e no Centro-Oeste e outras medidas do governo de Jair Bolsonaro, como o decreto assinado em abril para acabar com o que o presidente chamou de "farra das multas ambientais".

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Por isso, a proposta, Brasil, é assumir a dianteira e mostrar ao mundo como fazer diferente — antes que o diferente se imponha por circunstâncias bem menos agradáveis. “Nós estamos caminhando globalmente para uma trajetória insustentável. Em 2040, se não tivermos feito nada, estaremos bem acima de 1,5°C. Em alguns lugares, como na Amazônia Brasileira, serão 3°C”, destaca Patrícia Pinho, do Centro de Resiliência da Universidade de Estocolmo e membro do IPCC. “Quando há uma sequência de eventos extremos, ocorre uma variabilidade da produção agrícola. Vamos ter que investir mais para produzir o mesmo tanto, e isso gera um impacto no custo para a sociedade.”

E o impacto não é só no estômago. A produção das usinas hidrelétricas também sofre com o aumento da temperatura, que reduz a vazão dos rios. Em megacidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, ondas de calor que beiram os 50°C serão mais longas, intensas e constantes. De acordo com projeções, podem ocupar metade do verão. E quando chover, será tudo de uma vez. “A chuva de um mês poderá cair em três dias, aí vamos ver alagamentos, enchentes, deslizamentos de terra. Pessoas que morrem soterradas. Depois virão períodos secos e muito quentes. Um clima mais extremo”, diz José Marengo, coordenador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do INPE.

A poluição também causará danos. Até 2030, somente a poluição do ar deverá gerar prejuízo de R$ 719 bilhões a R$ 3,6 trilhões (mais da metade do PIB de 2017). São estimadas 36 mil mortes por ano — média de 35 por dia na capital paulista.

Evitar o caos climático reduz os custos financeiros e de vidas humanas. “O planeta esquentou no passado, é verdade, mas moramos neste planeta agora. Não queremos morrer. Nossos filhos e netos não querem morrer”, conclui Marengo. “Nós vamos ao médico para estender nosso período de vida. Com o planeta é a mesma coisa. Com a mitigação, nós tentamos prolongar ao máximo o clima favorável para nós.” Vamos assinar esse compromisso, Brasil?


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